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Funcionamento técnico

No documento Pedro de Perdigão Lana O DOMÍNIO DO PÚBLICO (páginas 111-114)

5. A TUTELA DAS OBRAS AUTONOMAMENTE GERADAS POR INTELIGÊNCIA

5.2. Inteligência Artificial

5.2.2. Funcionamento técnico

O último documento lançado pela União Europeia sobre a regulação e planejamento relativos à IA foi o Livro Branco sobre Inteligência Artificial, publicado em fevereiro de 2020, centrado menos na definição do termo IA e mais nos principais elementos que a compõem,, nomeadamente os dados e algoritmos, ambos imateriais, que podem ser incorporados em hardware/equipamento material485. Wachowicz e Gonçalves, ao abordar questões de direitos autorais, também os apontam esses os componentes fundamentais da Inteligência Artificial486.

O equipamento material será essencialmente tutelado, no campo dos direitos intelectuais, por direitos de propriedade industrial, englobando ainda outros como os segredos de comércio. Uma pequena exceção é observada no direito sui generis previsto no art. 154º do novo Código de Propriedade Industrial. Apesar de sua natureza mista entre

484 Descrevendo as possibilidades e dificuldades de conceder personalidades às IAs, ver P

AGALLO 2018a.

485 COMISSÃO EUROPEIA 2020, 16.

direitos de autor e propriedade industrial, a maior proximidade com essa última categoria é clara, evidenciada inclusive no art. 159º do CPI, que aplica subsidiariamente o regime das patentes. A temática escapa ao escopo jusautoral da dissertação, diferentemente do que ocorreria se tivesse sido adotada a posição estadunidense487.

Em relação aos outros dois componentes, são especialmente relevantes dois regimes.

O primeiro deles está positivado na PJPC, que regulamenta a proteção jurídica dos programas de computador, em um regime análogo ao das obras literárias488. Essa escolha legislativa apartada parece ser resultado, em grande parte, da pressão da doutrina que considerava indevida a equivalência entre a tutela literária clássica com as dos programas de computador489, de natureza muito mais técnica que artística e com muitas características de direitos de propriedade industrial490, diferenciando-se da identificação que ocorreu nos EUA por orientação da CONTU491.

Há uma diferença entre “algoritmo” e “programa de computador”. Um algoritmo “é um conjunto finito de instruções inequívocas ou não ambíguas que, quando fornecidas

com valores de input de uma natureza pré-definida, produzem resultados pré-definidos que resultam na solução de um problema” . Nesse formato, se enquadrariam como “processos”

ou “métodos operacionais” e não seriam protegidos pelo Direito de Autor, vide art. 1º, n. 2 do CDADC. O programa de computador não foi definido legalmente, mas, na jurisprudência, se encontra uma definição relativamente recente no acórdão do TRL de 16/01/2014, rel. Ana Lucina Cabral: “um programa de computador consiste numa pré-listagem de instruções que

precede a introdução dos dados, instruções essas que são destinadas a orientar a acção do computador relativamente ao material informativo que se pretende que seja processado”492.

Há um cuidado a se tomar. Quando uma pessoa fala do algoritmo computacional,

487 A contraposição aos interesses dos EUA em adotar essa sistemática foi um dos poucos momentos de forte

divergência entre a União Europeia e aquele país durante os processos de harmonização internacional de PI. ASCENSÃO 2008d, 10–11.

488 Ver acórdão do STJ de 13/01/2010, rel. Henriques Gaspar. 489 A

SCENSÃO 2012b, 77 e 474–75; ROCHA 2008, 768.

490 D

IAS PEREIRA 2011a, 24.

491 CONTU 1978.

492 Remédio Marques faz uma detalhada distinção entre ambos em REMÉDIO MARQUES 2016, 3–5.REMÉDIO

pode estar se referindo ao conjunto básico de instruções fixado em uma linguagem de programação, o que estaria tutelado493. Essa linguagem de programação escrita por humanos é em geral o código-fonte, que é convertido no código-objeto (ou código máquina), passível de leitura pelo computador494. A lacuna nesse ponto levou a uma grande controvérsia sobre a patenteabilidade dos algoritmos como “inteligência” das máquinas495, tendo algum avanço no fato que o Instituto Europeu de Patentes vem emitindo patentes para invenções relacionadas a programas de computador496, desde que tenham caráter técnico extra para além da interação normal entre o software e o hardware497.

Em relação às bases de dados, observamos duas proteções diferentes. A primeira é a proteção jurídica da seleção ou disposição original de conteúdo (ou seja, a “arquitetura” delas) determinada no artigo 4º da PJBD. Na prática, é uma proteção que nunca assumiu grande centralidade prática, mas que levanta dificuldades na definição precisa dos critérios para configurar a proteção.

Já o artigo 12º do mesmo diploma legal, muito mais relevante, regulamenta direito especial (ou sui generis) do fabricante da base de dados, tendo como motivo explícito resguardar “um investimento substancial do ponto de vista qualitativo ou quantitativo”. Esse dispositivo, implementado na União Europeia sem ter sido depois aceito nem nos EUA, pareceria se enquadrar melhor como parte do instituto da concorrência desleal, que não é, todavia, reconhecido pelo Reino Unido. Isso pareceu ser a maior razão para a criação de uma nova regra de exploração exclusiva que foi positivada dentro de um corpo legal de direitos de autor, mas de natureza radicalmente afastada deles498. É efetivamente um direito sobre a

493 R

EMÉDIO MARQUES 2016, 41; DIAS PEREIRA 2008, 400 e 410.

494 Ver acórdão do TRL de 08/09/2015, rel. Maria do Rosário Morgado, que determinou que ambos (código

fonte e código objeto) são passíveis de proteção pelos regime dos direitos de autor, seguindo o que dita o ADPIC e os Tratados da OMPI. Mas nos parece difícil encontrar uma “criação intelectual própria” ou atividade humana no resultado da tradução do código-fonte pela máquina, criando o código objeto, pois a forma desse último é submetida a quesitos técnicos necessários e feito pela própria máquina. VIEIRA 2001, 125–26; DIAS

PEREIRA 2008, 400.

495 DIAS PEREIRA 2001B;REMÉDIO MARQUES 2016. 496 D

IAS PEREIRA 2019b, 31–33.

497 Cf. https://www.epo.org/law-practice/legal-texts/html/guidelines/e/g_ii_3_6.htm

498 ASCENSÃO 2008d, 13–14. Essa Diretiva é tão controversa que, de dentro das próprias instituições europeias,

já se levantaram inúmeros pleitos para que ela fosse revogada ou reformada substancialmente. Embora a última avaliação (SWD(2018) 147 final) tenha afirmado que não é mais recomendado reformar o direito sui generis, é reconhecido que não há evidências de que essa nova regra teve impactos econômicos benéficos na posição

informação, sendo muito criticado pela doutrina por entrar em conflito direto com o princípio basilar da liberdade de ideias e com o próprio domínio público499.

Note-se que esse não é um direito sobre a criação de dados não-pessoais500. Mais recentemente, na Comunicação da Comissão “Construindo uma Economia de Dados Europeia” (SWD(2017) 2 final), foi proposta a criação de tal direito, incluindo de dados gerados por máquinas, sob a justificativa de fortalecer a indústria europeia e possibilitar a mercantilização dessa informação. Essa proposta foi profundamente repudiada tanto pela doutrina quanto pelos próprios relatórios oficiais de consulta da União Europeia501.

Tanto a PJBD quanto o PJPC estão focadas no estabelecimento de direitos patrimoniais, reduzindo os direitos morais para um mínimo, com reivindicação de autoria e identificação de seu nome na obra (artigo 9º da PJPC e artigo 8º da PJBD).

No documento Pedro de Perdigão Lana O DOMÍNIO DO PÚBLICO (páginas 111-114)