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O equilíbrio nos direitos conexos (ou sui generis)

2. TEORIAS DE JUSTIFICAÇÃO E EQUILÍBRIO DE INTERESSES

2.3. Diferenciação com as teorias sobre a estrutura e natureza jurídica

2.4.3. O equilíbrio nos direitos conexos (ou sui generis)

Os direitos de autor não estão isolados na proteção de bens imateriais, razão pela qual é útil abordar alguns dos direitos relacionados a eles, inclusive para entender uma declaração de Ascensão de que a tutela ao investimento pelos direitos de autor seria algo anômalo216.

A crítica está na extensão desmedida do nível elevado de proteção característico do Direito de Autor (e especialmente do droit d’auteur)217, abarcando novas obras apenas marginalmente criativas. A lista é longa, valendo citar, dentre vários, a alargada duração, a proteção automática sem formalidades, a desnecessidade de revelar informações valiosas para vigência da tutela, e reduzida possibilidade de limitações e exceções218.

Quando os direitos de autor são separados da sua razão de ser, que é a tutela do criador intelectual, razão esta que foi levantada discursivamente em várias reformas em prol da maximização da proteção, a situação traz consigo riscos de justiça, equidade e bom funcionamento do mercado. Os danos não se resumem ao interesse do público geral, atingindo em cheio um ambiente concorrencial saudável que evita o surgimento de monopólios de grandes grupos empresariais219.

Nas legislações contemporâneas de direitos de autor é possível notar essa tensão na finalidade do sistema de proteger não só as criações intelectuais como o seu valor comercial. Esse desejo não é em si prejudicial, e pode mesmo ser complementar ao se identificar que são fundamentos diferentes da proteção220. Ao se escolher tutelar pelo Direito de Autor bens de baixo nível de criatividade (como os informáticos), isso deve ser feito de forma escalonada e diferenciada, e não numa simples aplicação extensiva das proteções tradicionais. Nessa perspectiva, é adequada a opção por menores termos de duração, exclusão de direitos morais e uma variação dos usos livres possíveis, dentre outros221.

216 A

SCENSÃO 2008b, 93.

217 A

SCENSÃO 2008d, 10.

218 Tratando de regras especiais tanto em relação a certas categorias de obras quanto a titulares de direitos,

VICENTE 2011, 269–74.

219 A

SCENSÃO 2006, 17–18. Sobre a PI em geral, REMÉDIO MARQUES 2005, 231–35.

220 T

RABUCO 2006, 68–72.

221 Tratando do cenário estadunidense, mas de forma que pode ser estendida para a União Europeia, cf.

Não à toa, as doutrinas europeia e portuguesa debateram em profundidade a natureza jurídica e o enquadramento sistemático dos novos direitos ou inclusão de novas obras no campo dos direitos de autor e conexos. As aproximações dessas novas tutelas com a propriedade industrial e sua lógica própria voltada à inovação222, ao lado das finalidades explícitas que priorizavam a proteção do investimento, acabaram gerando dificuldades para explicar essas normas, que eram seguidamente enxertadas nas leis jusautorais223.

Criaram-se regras diferenciadas ou até regimes inteiros específicos para compreender essa nova realidade, a exemplo da lei avulsa para tutelar os programas de computador. A opção dos direitos conexos (ou direitos vizinhos, ou direitos afins) também cresceu em importância, especialmente na ótica dos sistemas de droit d’auteur que tinham maior dificuldade em justificar a tutela de colaborações técnicas e contribuições empresariais (ou seja, tutela do investimento224), já que nos sistema de copyright essas categorias de titulares podiam se beneficiar diretamente de direitos de autor. Na realidade, as diferenças práticas atuais entre a escolha por classificar os direitos conexos como um quadro separado ou como direitos de autor propriamente dito são acima de tudo simbólicas225, especialmente no âmbito da União Europeia226.

Os direitos vizinhos se voltam não propriamente para as obras, e sim para as prestações/atividades ligadas às obras protegidas pelos direitos de autor propriamente ditos227. Esses, inclusive, têm prevalência sobre os conexos, conforme dita o art. 177º do CDADC228. São marcados nos ordenamentos por uma menor duração e por não constituir direitos morais, com a exceção dos direitos conexos de executantes e intérpretes (art. 180º e

222 GOLDSTEIN &HUGENHOLTZ 2019, 20–21. DIAS PEREIRA 2001b.Ver ainda o subtópico 5.2.2. 223 D

IAS PEREIRA 2002, 481.

224 T

RABUCO 2006, 64–65. Contudo, os direitos vizinhos dos intérpretes ou executantes se aproximam dos direitos de autor. Cf. DIAS PEREIRA 2008, 412.

225 Sá e Mello aponta como há uma distinção no ordenamento do Reino Unido entre “authorial copyright”,

mais próximas dos direitos de autor propriamente ditos e que refletem uma expressão formal criativa, e as “entrepreneurial copyright”, que se aproximam dos direitos conexos e resultam de um investimento significativo. SÁ E MELLO 2016, 57–59. Parece, no entanto, que essa é uma distinção mais relevante para a doutrina do que para as leis e jurisprudência, vide DIAS PEREIRA 2008, 246.

226 ASCENSÃO 2008a, 27. Sobre os direitos conexos na legislação comunitária e portuguesa ver, de maneira

geral, SILVA 2016.

227 Nesse sentido, acórdão do STJ de 01/07/2008 (rel. Sebastião Póvoas).

228 Discordo, portanto, da interpretação de que a hierarquia é apenas moral e que há igualdade na força jurídica

182º do CDADC).

Há ainda institutos de natureza mais anômala, cuja principiologia os afasta mais ainda dos direitos de autor estritamente considerados, apesar de serem previstos nos mesmos corpos legais, que são as normas sui generis. Eles também podem ser enquadrados como direitos conexos, embora se diferenciem da modalidade “clássica” (que media o contato entre a obra pré-existente e o público) ao proteger novos tipos de obras, não tuteláveis pelos regimes vigentes de direitos de autor229. Poderiam ainda ser chamados, de forma elucidativa, de “direitos vizinhos dos direitos vizinhos”230.

O termo “sui generis” é amplamente utilizado nos estudos jurídicos quando há alguma dificuldade de enquadramento do instituto. É por isto que, que dentro do Direito de Autor, os direitos desse agrupamento apresentam um classificação confusa. Vide o direito

sui generis (ou especial) do fabricante das bases de dados, que em alguns países foi

incorporado mais claramente como um direito conexo, enquanto em outros, como é o caso português, foi internalizado com maior grau de autonomização231.

Apesar deste direito especial ser merecedor de críticas, a escolha de enquadramento fora dos liames mais estritos do direito de autor é elogiável. O maior distanciamento, mesmo em relação aos direitos vizinhos propriamente ditos, reside no fato de que não se está necessariamente tutelando prestações relativas a obras originais, e sim informações presentes em uma base de dados em razão do investimento feito pelo empresário nela232. É importante deixar claro o âmbito de cada proteção e não buscar um respaldo hipócrita nas normas jusautorais (“Invoca-se Beethoven, para tudo reverter afinal para Bill Gates”233), inclusive

para manter a coerência teleológica dos regimes aplicáveis.

229 SILVA 2016, 363–64; MOSCON 2019, 312–13; SAIZ GARCÍA 2019, 31. 230 S ILVA 2016, 393. 231 D IAS PEREIRA 2002, 481–82. 232 ASCENSÃO 2008b, 93. 233 ASCENSÃO 1999, 53.