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Corredores exclusivos: IPTV e VoIP dedicado

4. OS CONFLITOS TELEOLÓGICOS DA NEUTRALIDADE DA REDE: A

4.1. Neutralidade da rede e liberdade de modelos de negócio

4.1.5. Corredores exclusivos: IPTV e VoIP dedicado

Como vimos neste capítulo, a internet é uma “rede de redes”: trata-se de um conjunto de redes de comutação de pacotes interconectadas sob os mesmos protocolos lógicos, e que permite a ampla comunicação entre os dispositivos conectados sob esse padrão. É uma rede global – nada em sua estrutura lógica impede que um dispositivo no Brasil estabeleça uma comunicação com um dispositivo no Japão, por exemplo. Contudo, zonas de acesso restrito podem ser estabelecidas em diferentes níveis. Na camada de conteúdo, senhas podem evitar que um usuário acesse uma determinada página, ou um software pode impedir que um malware contamine um dispositivo. Alguns sites podem inclusive exigir que o acesso dependa de um determinado software (e.g., o navegador Tor) ou um hardware específico, como um dispositivo de assinatura digital. Finalmente, usuários podem configurar restrições de acesso em dispositivos conectados em uma mesma rede local, impedindo que usuários acessem sites de redes sociais durante o período de trabalho ou evitando que crianças acessem sites de conteúdo inapropriado.

Por diferentes motivos, pode ser necessária uma separação em níveis mais sofisticados, envolvendo uma divisão lógica e de infraestrutura. Uma empresa pode querer desenvolver uma rede interna de comunicação para lidar com documentos sigilosos; uma rede de hospitais pode estabelecer um circuito que conecte os computadores de todas as suas unidades diretamente, o que traria maior estabilidade para comunicações de emergência. Demandas como essas sempre foram comuns, e redes de comunicação física e logicamente separadas da internet não são novidades – basta trazer para a discussão os conceitos de intranet e extranet268. Em comum, essas redes utilizam-se de tecnologias e protocolos de rede semelhantes aos usados na internet, mas não estão conectados à rede mundial de computadores; um dispositivo conectado em uma extranet não necessariamente está conectado à internet, assim como esse mesmo dispositivo só estará conectado a uma intranet caso o administrador da rede local habilite o seu acesso (seja por meio de instalação de software, habilitação de chaves ou mesmo instalação de hardware).

Com a pressão que conteúdos pesados e de alta sensibilidade causam nas redes e com a enorme capacidade dos hipergigantes em desenvolver suas próprias infraestruturas, a

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Intranet é uma rede local de dispositivos que se utiliza do protocolo TCP/IP para interligá-los entre si, sem necessariamente estarem conectados ao restante da internet; já extranet refere-se a uma rede de acesso controlado, cujos dispositivos não precisam estar conectados necessariamente pelos mesmos cabos e infraestrutura, sendo o acesso restrito por tecnologias de segurança. Nesse sentido, ver: <http://goo.gl/nXBAC0>. Acesso em: 10 dez. 2014.

discussão sobre a separação física e lógica de determinados conteúdos da internet tem ganhado força a cada dia (Van Eijk, 2011). A ideia por trás desses esforços é migrar conteúdos que hoje trafegam por meio da rede pública (ditos como Over the Top – OTT) para estruturas física e logicamente separadas, e que possam realizar a entrega de conteúdo diretamente a usuários, dando a essas tecnologias não o status de serviços OTT, mas semelhantes ao que ocorre na televisão a cabo tradicional269 (Belli e De Filippi, 2014).

Gráfico 20. Modelo de funcionamento de uma estrutura TCP/IP dedicada

Estruturas como essa descrita são uma tendência na indústria de telecomunicações, não só pela questão de entrega de conteúdos de alta sensibilidade (Lee, 2008). Há consenso na área técnica de que infraestruturas lógicas que se utilizam do protocolo TCP/IP para entrega de comunicações de forma centralizada (all-IP multipurpose infraestrutuctures) são um modelo muito mais eficiente do que a atual separação entre serviços entregues por diferentes tecnologias como comutação por circuitos (telefone), rádio e videodifusão (por satélite ou cabos coaxiais) e comutação por pacotes (internet) (Clark e Claffy, 2014; Comcast, 2014). Estruturas IP multipropósito permitem a separação lógica dos diferentes serviços, utilizando-se uma mesma estrutura física, reduzindo custos e aumentando a qualidade de serviço para usuários (Knieps e Stocker, 2014).

Em tese, uma estrutura como a supradescrita não seria um problema da neutralidade da rede no Brasil, pois o Marco Civil limita-se a regular a discriminação de dados na

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Nos EUA, a FCC tem discutido diferentes classificações para as empresas que oferecem vídeos OTT (classificando-as como Online Video Distributors – OVD) e Multichannel Video Programming Distributors, como são classificadas as empresas que oferecem serviços de TV por assinatura tradicional. Esta última categoria é equivalente no Brasil ao Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), modalidade de serviço sujeita à autorização prévia pela Anatel e definida pela Lei n. 12.485/2011 como “serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinada à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de canais de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer”.

internet. Assim como uma intranet, estamos falando de estruturas separadas da internet, cuja

contratação do serviço deveria ser feita diretamente pelo usuário, de forma separada de sua contratação de internet – de maneira parecida com o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), previsto na regulação da Anatel270. Caso a Netflix passe a desenvolver sua própria estrutura de IPTV para entrega de conteúdo direto a usuários, poder-se-ia escolher entre acessar o serviço por meio de seu provedor de acesso tradicional ou contratar o serviço de IPTV em separado. Esse cenário não necessariamente resultaria em violação à internet aberta, pois não impediria que novos players entrassem no mercado e começassem a oferecer serviços OTT ou diretamente por meio de infraestruturas separadas. Da mesma forma, Van Schewick (2010b) argumenta que serviços de IPTV e VoIP oferecidos por provedores de acesso em substituição a serviços tradicionais de televisão e cabo e telefonia, respectivamente, não deveriam estar sujeitos às regras de neutralidade da rede.

Isso não significa que esse tema está longe da problemática concorrencial que a neutralidade da rede também aborda. Como visto no caso entre Comcast e Netflix, um provedor de acesso que ofereça serviços de IPTV e também acesso aos mesmos conteúdos via OTT possui um incentivo econômico para degradar a qualidade da experiência da navegação do usuário de internet, forçando-o a contratar o serviço IPTV – ou seja, o provedor de acesso pode discriminar o acesso do usuário na internet pública para que este possa contratar determinado serviço separado da internet. Casos como esse não são impossíveis de ocorrer, e somente uma análise ex post poderá definir se há ou não violações da regra prevista no Marco Civil271.

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Segundo a Resolução n. 581 da Anatel, SeAC é o “serviço de telecomunicações de interesse coletivo, prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinada à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais de programação nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de Canais de Programação de Distribuição Obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer” (art. 4.º).

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Nesse sentido, o Berec recentemente afirmou que “a balanced approach to promoting net neutrality on the Internet in parallel to the provision of specialised services is a difficult challenge. BEREC considers that specialised services should be clearly separated (physically or virtually) from internet access services at the network layer, to ensure that sufficient safeguards prevent degradation of the internet access services. In other words high priority services shouldn’t win their elbow room by claiming priority over best effort traffic at layer three. They should have to travel in their own pipes – which if you think it through means they can simply be ‘better’ services such as might (if enough demand existed) be offered today as a separate speedier Internet services for the discerning gamer or demanding business user. The sort of fine-grained control that the network operator needs to shepherd the high priority streams through its network is now (or soon to be) available with the deployment of SDN” (Disponível em: <http://goo.gl/6v4rjs>. Acesso em: 20 jan. 2015).