• Nenhum resultado encontrado

3. A NEUTRALIDADE DA REDE NO MARCO CIVIL: UM GUIA PARA

3.2. O art 9.º, CAPUT – a regra geral de neutralidade da rede

3.4.3. inciso III – transparência

O inciso III do § 2.º traz um diálogo sistemático direto com o Código de Defesa do Consumidor, que estabelece como direito básico do consumidor a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”231. Trata-se princípio que, no contexto do debate sobre neutralidade da rede, é identificado como um princípio basilar das relações entre usuário e provedor de acesso, mesmo por autores que se opõem a uma regra ex ante de não discriminação de dados (Faulhaber, 2009; Faulhaber e Farber, 2010).

Mesmo com a adoção do Marco Civil, não há hoje clareza, nos contratos de adesão dos provedores de acesso, sobre quais as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas – atualmente nenhum dos quatro principais provedores de acesso atuantes no Brasil traz em seu contrato de prestação de serviços definições nesse sentido. Os contratos da Vivo, GVT e Oi deixam explícita a possibilidade de rescisão do contrato e bloqueios em caso de práticas que afetem a segurança da rede, como envio de spam e vírus232, enquanto o contrato da NET não faz qualquer referência nesse sentido233. O único contrato que faz referência explícita à possibilidade de degradação de tráfego é o da Oi234 – mas não especifica quais as medidas tomadas para mitigar esses efeitos235.

Todavia, não há qualquer endereçamento sobre qual o nível de detalhamento que deverá ser adotado por provedores de acesso nesses casos. Evidente que quanto com mais

231

Art. 6.º.

232

Respectivamente, <http://goo.gl/DBWLer> (cláusula 13.1.7), <http://goo.gl/bl8e15> (cláusula 14) e <http://goo.gl/AGTO0E> (cláusula 7.7)

233

Disponível em: <http://goo.gl/xjiK8g>. Todos os contratos analisados referem-se à versão em vigor e disponível no site dos provedores em 1.º jan. 2015.

234

“Cláusula 2.15: O serviço banda larga da OI foi desenvolvido para a transmissão de dados e algumas de suas características técnicas podem, eventualmente, degradar a qualidade de outros sinais, em especial sinais de voz ou imagem dinâmica que venham a ser por meio dele transmitidos.”

235

Uma análise dos contratos da Vivo e Oi chama a atenção por um tipo de disposição que, na vigência do Marco Civil, pode ser considerado uma prática que viola o art. 9.º. No contrato da Vivo (cláusula 3.1.7), o provedor de acesso proíbe que o usuário utilize a conexão de internet para criar, em seu terminal, um servidor de dados de qualquer espécie, inclusive: servidores Web, FTP, SMTP, POP3. Já no contrato da Oi (cláusula 2.12), a proibição abrange também o uso de redes virtuais privativas (VPN – Virtual Private Network). Em princípio, ao não usar nenhuma dessas tecnologias, prejuízos podem ser causados à segurança e estabilidade da rede, e podem ser utilizados de maneira legítima por usuários. Evidente, um servidor FTP ou POP3 pode eventualmente consumir uma quantidade de banda excessiva, sendo lícito que o provedor de acesso bloqueie a conexão do usuário por ultrapassar a franquia máxima contratada – em outras palavras, o provedor pode bloquear o tráfego do usuário sempre que este ultrapassar o limite de tráfego contratado, independentemente da tecnologia adotada; se, por outro lado, o usuário age de forma legítima e dentro da franquia contratada, não cabe ao provedor limitar o uso de uma tecnologia específica.

detalhe e transparência a prática for descrita no contrato, melhor para o consumidor; todavia, dada as características dinâmicas do ambiente de internet, determinadas práticas podem ser alteradas muito rapidamente, e há um custo de oportunidade importante para os provedores de acesso ao assumirem compromissos extremamente detalhistas, sendo relevante também que haja certo grau de generalidade para permitir flexibilidade para rápidas tomadas de decisão de gerenciamento de tráfego.

Entre as regulações já existentes sobre neutralidade da rede, a regulação chilena e a colombiana podem ser consideradas interessantes referências para entender como melhor balancear esse trade-off. Nesse sentido, a regulação colombiana traz a seguinte disposição:

95.3. Los proveedores de redes y servicios de telecomunicaciones que prestan el servicio de acceso a Internet deben suministrar al usuario, a través de los mecanismos obligatorios de atención al usuario dispuestos en el artículo 11 de la presente resolución, al menos la siguiente información para cada plan y/o servicio que comercialicen: 95.3.1. Las características comerciales del servicio o plan ofrecido, lo cual incluirá al menos la velocidad efectiva tanto de subida como de bajada, el volumen máximo de tráfico permitido, y, las limitaciones respecto del tipo de

contenidos, aplicaciones y/o servicios a los cuales puede acceder el usuario por petición expresa, en caso que apliquen.

[…]

95.3.4. Las prácticas relativas a la gestión de tráfico

implementadas, incluyendo al menos:

95. 3.4.1. Descripción.

95.3.4.2. Necesidad de su uso y a quien afecta.

95.3.4.3. Tipo de tráfico gestionado, en términos de

servicio, aplicación, o protocolo.

95.3.4.4. Impacto en el servicio al usuario, especialmente

en materia de velocidad de acceso 236 (grifos nossos). Por sua vez, a regulação chilena traz a seguinte disposição:

236

Artículo 5.º Los ISP deberán mantener publicada y actualizada la información relativa a las características de los servicios de acceso a Internet ofrecidos o contratados, según sea el caso, su velocidad, calidad del enlace, naturaleza y garantías del servicio. Dicha obligación se cumplirá

mediante la publicación y difusión de la referida información en un sitio web especialmente acondicionado para estos efectos por cada ISP, el que deberá contar con un enlace destacado desde su sitio web principal.

La información que los ISP estarán obligados a proporcionar a los usuarios deberá estar redactada en idioma español y

emplear definiciones conceptuales expresadas en un lenguaje técnico simple, de manera tal que permita su fácil comprensión por parte de los usuarios, pudiendo contener gráficos que permitan fácilmente a los usuarios realizar comparaciones visuales. La información suministrada deberá cumplir con criterios de inteligibilidad, homogeneidad, integridad y claridad.

En particular, los ISP deberán poner a disposición de los usuarios, al menos, la siguiente información actualizada para cada plan y/o servicio que comercialicen:

[...]

f) Medidas de gestión de tráfico y administración de red. En caso que existan las mencionadas medidas, deberán especificarse sus características y sus eventuales efectos en el servicio prestado a los usuarios. Esto incluirá los tipos de aplicaciones, servicios y protocolos que se vean afectados, así como también información sobre los períodos de alta demanda o de mayor carga. El ISP deberá

indicar si las políticas de administración de tráfico son horarias, semanales y si es para tráficos nacionales y/o internacionales237 (grifos nossos).

A partir da análise dos trechos apresentados, podemos estabelecer alguns requisitos mínimos que nos parecem adequados, combinando boas referências de ambos os diplomas citados. A regulação colombiana estabelece de forma clara e pontual quais as informações mínimas sobre práticas de gerenciamento de tráfego que devem ser informadas: (i) descrição da prática adotada; (ii) por que é necessário utilizar essa prática; (iii) quais os usuários afetados; (iv) qual o tipo de pacote de dados que pode ser afetado; e (v) qual o impacto para a qualidade de experiência do usuário. Já a regulação chilena traz interessantes considerações formais a respeito de como essas informações devem estar disponíveis ao usuário: tendo em vista a baixíssima taxa de leitura de contratos de adesão, especialmente no contexto da internet 238, a regulação estabelece que essas práticas devem estar

237

Disponível em: <http://goo.gl/RlfLSY>. Acesso em: 15 out. 2014.

238

Um exemplo disso é o estudo conduzido por Bakos et al. (2009), o qual aponta que apenas 0,05% dos usuários de sites de comércio de software acessou as páginas correspondentes aos termos de uso do site e os contratos de adesão relativos aos serviços ofertados. Desses acessos, a média de permanência dos usuários nessas páginas é de 29 segundos; ainda, a pesquisa constatou que os termos de uso e contratos de adesão dos sites pesquisados possuíam, em média, 2.277 palavras, o que necessitaria, conforme estudos conduzidos pela mesma pesquisa, de um tempo de leitura de, no mínimo, 8 minutos.

disponibilizadas em uma página específica do site dos provedores, que poderá se utilizar de uma linguagem mais simples e dinâmica, inclusive por meio de gráficos.

3.4.4. INCISO IV – CONDIÇÕES COMERCIAIS NÃO DISCRIMINATÓRIAS E