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Infraestrutura própria e o caso dos hipergigantes: o caso Google

4. OS CONFLITOS TELEOLÓGICOS DA NEUTRALIDADE DA REDE: A

4.1. Neutralidade da rede e liberdade de modelos de negócio

4.1.4. Infraestrutura própria e o caso dos hipergigantes: o caso Google

Como falamos na introdução deste trabalho, quando Tim Wu publicou seu livro The

Master Switch (2010), o autor chamou a atenção para a possibilidade de provedores de

acesso controlarem o fluxo de informações e inovação na rede. Como temos mencionado neste trabalho, esse cenário daria um poder excessivo a provedores de acesso em mercados em que há monopólios ou oligopólios no setor, motivo pelo qual não só inovadores e pequenos provedores de aplicações seriam beneficiados por um regime de neutralidade da rede, mas também os grandes provedores de conteúdo, como a Google, que é um exemplo constante na obra de Wu. Antes mesmo do lançamento do trabalho de Wu, alguns autores começaram a perceber um esforço institucional da Google em desenvolver uma estrutura tecnológica para além da camada de aplicações, envolvendo aquisições de empresas e construção de infraestrutura lógica e física (Hedger, 2005). Esse movimento intensificou-se

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Ainda que haja uma CDN dentro da infraestrutura de um provedor de acesso, o provedor de acesso ainda teria a capacidade técnica de bloquear ou discriminar o conteúdo (como de fato ocorreu nesse caso).

na segunda metade dos anos 2000, mesmo período em que a empresa de Mountain View, antes uma das vozes mais ativas em defesa da neutralidade da rede, passou pouco a pouco a reduzir seu ativismo no tema, especialmente após a controversa proposta apresentada em conjunto com a Verizon em 2009261, retomando o apoio ao tema, de forma tímida, somente a partir de 2014262.

Em 2014, Stevenson (2014) desenvolveu um extenso trabalho empírico com o objetivo de mapear a expansão da infraestrutura de rede da Google, buscando estabelecer um paralelo com o master switch de Tim Wu. O autor concluiu que a Google desenvolveu, a partir da segunda metade dos anos 2000, uma gigantesca infraestrutura física e lógica de redes, envolvendo CDNs263, servidores particulares, redes de cabos de fibra ótica e cabos submarinos264, entre outras tecnologias. Essa estrutura permite que a empresa possa conectar-se diretamente às redes de provedores de acesso sem a necessidade de comprar tráfego de provedores de trânsito; ainda, a empresa tem desenvolvido esforços para entregar conteúdo diretamente a usuários sem sequer depender de provedores de acesso, como é o caso do Google Fiber, que atua como provedor de acesso em cerca de três cidades dos EUA, com planos de expandir para 34 cidades em breve265.

Os números dessa iniciativa são bastante relevantes. Em 2010, a quantidade de infraestrutura de rede de propriedade da companhia já colocava a Google como a segunda maior proprietária de Sistemas Autônomos no mundo (Labovitz, 2010), contabilizando em 2013 mais de 260.000 quilômetros de cabos de fibra óptica (Fitzgerald e Ante, 2013). O fenômeno mapeado por Stevenson levou o autor a formular o que ele chama de tese dos

hipergigantes da internet. Da mesma forma que a Google, atualmente há provedores de

aplicações que são empresas muito maiores que provedores de conexão, com capacidade

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Sobre o tema, ver Cohn (2010).

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Entre 2007 e 2008, a Google publicou em seu Public Policy Blog 19 posts sobre o tema da neutralidade da rede. Esse número quase dobrou no biênio 2009/2010, em que 36 posts sobre o tema foram publicados. Entre 2011 e 2012, somente 5 posts foram publicados, e nenhum post sobre o tema foi publicado desde 2013. O único posicionamento público da Google sobre o tema ocorreu em 2014, em que ela, com outras empresas como Facebook, Amazon, Twitter Yahoo, Ebay e Linkedin, divulgou seu apoio ao princípio da neutralidade da rede em carta enviada à Federal Telecommunications Commission dos EUA (Disponível em: <http://goo.gl/WdtAUv>. Acesso em: 10 jul. 2014).

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Nesse sentido, ver o projeto Google Global Cache (Disponível em: <http://goo.gl/gN6IoX>. Acesso em: 12 nov. 2014).

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Além dos cabos submarinos apontados por Stevenson (2014), a Google também anunciou a participação em um consórcio para construção de um cabo ligando a Costa Oeste dos EUA até o Japão (Disponível em: <http://goo.gl/unFPNf>. Acesso em: 12 dez. 2014) e um cabo ligando o Brasil e a Costa Leste dos EUA (Disponível em: <http://goo.gl/qti0cI>. Acesso em: 12 dez. 2014).

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financeira e tecnológica para aprimorar soluções que visem mitigar o risco de que provedores de acesso possam interferir em seus negócios266, desenvolvendo atalhos ao

gatekeeper, o que o autor chama de hacking the master switch (Stevenson, 2014). Gráfico 19. Modelo de funcionamento da infraestrutura própria da Google

Não há nada no Marco Civil que impeça que provedores de aplicações possam também deter parte da infraestrutura de acesso à rede, desde que as regras de não discriminação de tráfego previstas no Marco Civil sejam obedecidas. Ainda que seja cedo para estimar as consequências desses arranjos, o surgimento dos hipergigantes poderá trazer consequências importantes para o debate sobre neutralidade da rede nos próximos anos. Enquanto o debate sobre neutralidade da rede sempre se pautou na discriminação por provedor de acesso contra o provedor de aplicações, situações inversas poderão potencialmente ocorrer: da mesma forma que acontece na televisão a cabo, grandes provedores de aplicações (e que não dependem de provedores de acesso para entregar conteúdo diretamente para usuários) poderão cobrar taxas para que provedores de acesso possam baixar outros conteúdos e entregá-los a usuários, situação que se torna mais plausível se pensarmos na enorme influência que esses atores possuem na camada de conteúdo267. Ainda, provedores de aplicações que dispõem de suas próprias estruturas para oferecer acesso à internet diretamente a usuários finais podem utilizar suas redes para discriminar conteúdo de concorrentes, priorizando ativamente conteúdos de empresas de seu mesmo grupo econômico.

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Tendo em vista toda a estrutura desenvolvida pela Google, dificilmente o “caso Netflix e Comcast” que narramos supra aconteceria com a empresa, visto a enorme capacidade desta de buscar alternativas para o tráfego de suas redes, com baixa dependência de outros Sistemas Autônomos.

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