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Críticas ao Conceito de Bem Jurídico sob o ponto de vista da Doutrina Funcionalista Indo de encontro a alguns pressupostos da teoria anteriormente exposta, os

DELITOS INSERIDOS NA LEI N.º 11.343/2006.

3.3 Críticas ao Conceito de Bem Jurídico sob o ponto de vista da Doutrina Funcionalista Indo de encontro a alguns pressupostos da teoria anteriormente exposta, os

funcionalistas pretendiam indicar uma alternativa ao finalismo e, para tanto, esboçaram críticas contra este movimento e, através delas, desenvolveram novos elementos ou, em alguns casos, novas formatações de conceitos tradicionais no âmbito da Teoria do Crime. Especificamente no que concerne ao bem jurídico, Roxin tenta demonstrar que Welzel não consegue relacionar adequadamente o desvalor da ação e o desvalor do resultado, muito embora parta da premissa, considerada correta, de que o Direito Penal objetiva a proteção de valores ético-sociais.

De acordo com Roxin, a teoria finalista lograva sucesso em explicar a relação do dolo ou culpa, elementos subjetivos do tipo, e o curso causal, pensamento que desbancou o conceito de causalidade proposto por Liszt e Beling.

Apesar de reconhecer os méritos da teoria oposta, o crítico funcionalista entendia que Welzel manteve a amplitude do tipo objetivo e não trabalhou a dimensão social do injusto satisfatoriamente, restringindo-se a desenvolver o conceito de adequação social, uma vez que desconhecia a idéia de riscos não permitidos. Nas palavras de Roxin, “os casos que não reúnem nenhuma relevância jurídica, nem tampouco um risco não-permitido, teriam que ser excluídos do tipo por serem considerados socialmente adequados.192” A fim de determinar com precisão os critérios para fundamentar a atipicidade de uma conduta sob o argumento da adequação social, Roxin elaborou a conhecida e polêmica teoria da imputação objetiva.

Em despretensiosa síntese, a imputação objetiva pretende resolver os problemas supostamente intocados pelos finalistas. Nesse intuito, a aludida teoria ensina que o resultado causado pela conduta do agente apenas será a ele imputado se o comportamento gerou um risco não permitido, ou quando o risco se realizou no resultado concreto, mesmo sem a

191 PRADO. Op. cit., p. 34.

192 ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. 2 ed. Porto Alegre: Livraria

intenção, e finalmente é necessário que o resultado se encontre dentro do alcance do tipo objetivo193.

Malgrado a teoria da imputação objetiva seja aceita em países como Espanha e Alemanha, há certa resistência no Brasil pela consolidação da tradição doutrinária finalista. Sem pretender esgotar o assunto, é possível pontuar algumas falhas facilmente perceptíveis quanto à teoria da imputação objetiva. A título de demonstração, relembra-se o memorável exemplo o suposto agente sugere que seu desafeto vá até o bosque durante a tempestade, com a intenção de que um raio venha a atingi-lo. Segundo os funcionalistas, a idéia do dolo finalista geraria uma situação contraditória, pois o fato do agente possuir a inclinação volitiva subjetiva consistente em matar seu inimigo, seria o bastante para puni-lo194. Com a respeitosa vênia, há que se discordar porque, nesse caso, não haveria responsabilidade penal uma vez que não houve prática de atos executórios e nem sequer preparatórios. Se a morte ocorrer, ela não se deve à sugestão feita pelo autor, mas sim devido a um fato da natureza que a ele não pode ser atribuído.

De tal sorte, é possível verificar que os supostos problemas gerados pela adoção de uma lógica finalista são resolvidos com base em argumentos da própria teoria do crime. Não obstante, a teoria da imputação objetiva possui méritos, como o desenvolvimento do princípio da confiança e a incorporação de fundamentos da noção de sociedade de riscos. Acredita-se que as soluções apontadas tanto pela teoria finalista quanto pela imputação objetiva apresentam metodologias diferentes na percepção da teoria do crime, o que necessariamente não torna uma mais correta que a outra. O que determina a aceitação de uma dessas concepções em detrimento da restante é a maior adequação com a lógica do sistema normativo vigente.

Feitas as devidas explicações sobre os reflexos do funcionalismo na teoria do crime, agora tratar-se-á da problemática envolvendo o bem jurídico penal.

Dentro das perspectivas sociológicas sobre o bem jurídico, a doutrina funcionalista foi desenvolvida a partir da concepção de que a sociedade deve ser encarada como sistema global. Esse sistema seria ordenado por normas de organização que abarcariam toda a complexidade de fatores sociais. Assim, não haveria funções negativas, mas sim disfunções

193 ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.104.

194 CALLEGARI, André Luís. A imputação objetiva no Direito Penal. Revista Brasileira de Ciências

correspondentes a defeitos passíveis de retificação sem que, para isso, houvesse alterações no sistema195.

Segundo a doutrina funcionalista, aqui representada por Claus Roxin, a legitimação necessária à criminalização de certa conduta ultrapassa a discricionariedade do legislador. Ao criticar a criminalização de comportamentos sexuais considerados imorais, o referido autor conclui que apenas será considerado legítimo o crime quando a conduta proibida puder ofender a existência pacífica e livre dos cidadãos significativamente, de forma que a intervenção penal seja não somente necessária, como a única capaz de solucionar o conflito eficazmente. Em outras palavras, a função social do Direito Penal é justamente “garantir a seus cidadãos uma convivência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando estas metas não possam ser alcançadas com outras medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos cidadãos”196.

Para Roxin, o Direito Penal deve proteger bens jurídicos, mesmo aqueles cuja existência seja imaterial, tal como as liberdades de culto e de expressão, o meio ambiente, a saúde pública etc. Ao tentar abranger essa complexidade de interesses coletivos e direitos difusos, o funcionalista conceitua bem jurídico como “circunstâncias reais dadas ou finalidades necessárias para uma vida segura e livre que garanta todos os direitos humanos e civis de cada um na sociedade ou para o funcionamento de um sistema estatal que se baseia nesses objetivos.” Interessante ressaltar que essa proposta conceitual foi elaborada com a finalidade de demonstrar as limitações dos conceitos desenvolvidos por Hassemer, Marx e Rudolphi que, segundo a crítica, estariam restritos aos bens jurídicos individuais197.

Jakobs representa outra vertente do funcionalismo, cuja premissa é que o objetivo do direito penal é garantir a vigência das normas jurídicas, ou seja, sua finalidade seria impor sanção à infração de uma norma jurídica como forma de restabelecer a ordem social. O referido autor alemão foi notavelmente influenciado pelo pensamento de Niklas Luhmann198 ao afirmar que os elementos da teoria do delito seriam conceitos normativos formulados “com total independência da natureza das coisas”199.

195 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-penal e constituição. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.

33.

196ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2009, PP. 16-17

197 ROXIN.º Op. cit., pp. 18-19

198 Para Luhmann, o direito seria uma estrutura que objetiva facilitar a orientação social e a norma equivaleria a

uma expressão das expectativas dos indivíduos. Além disso, essa estrutura abarcaria uma série de sistemas binários que embasariam a formação de uma teoria completa fundada na redução da complexidade social.

199 CALLEGARI, André Luís et al. Direito Penal e Funcionalismo. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2005,

Dentre os aspectos da teoria de Jakobs que marcam a inspiração de origem filosófica está a concepção de bem jurídico. Conforme se disse, a finalidade da pena seria a manutenção da vigência da norma como modelo de contato social, ou seja, mesmo com a infração à norma penal, os indivíduos deveriam continuar confiando na vigência das mesmas. Isso seria possível porque, ao violar a norma, o transgressor impõe sua vontade particular contra a vontade geral que é constituída pelo direito abstrato. Então, a pena equivaleria a negação da negação, posto que seria uma negativa à conduta criminosa como forma de restabelecer a vontade geral, já negada pelo comportamento infrator200.

Aliado à finalidade do direito penal, Jakobs reformula o conceito de bem jurídico. Segundo ele, o objeto da tutela seriam “os mecanismos que permitem manter a identidade de uma sociedade, é dizer, as expectativas fundamentais para a sua constituição”201. Esses

mecanismos seriam expressos pelas normas jurídicas e, a partir dessa idéia, conclui-se que, para Jakobs, que o bem jurídico em sentido estrito seria a vigência da norma e não o dano causado ao patrimônio ou a vida da vítima202.

Existem várias objeções feitas ao pensamento de Jakobs. Luiz Regis Prado entende que a concepção aludida é “uma construção formalista, vazia de conteúdo, que pode ser incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito.”203 Além disso, percebe-

se a existência de críticas feitas por integrantes do próprio movimento funcionalista.

Nesse ponto, destaca-se que Roxin criticava a concepção de Jakobs por tornar desnecessário o conceito do bem jurídico204. Além disso, Jakobs refutava qualquer discussão sobre a legitimidade do conteúdo das normas jurídicas sob a alegação de que essa avaliação não seria científica e tão somente política. Roxin discordava dessa postura tanto por reprovar as consequências últimas provocadas pela suposta neutralidade – que seria a arbitrariedade legislativa e a intensificação da arbitrariedade do jurista – quanto porque entendia que a discussão sobre bem jurídico relaciona-se à política criminal, que não é uma ciência205.

A crítica que se faz a suposta desnecessidade do conceito de bem jurídico é superada pela constatação de sua dupla virtualidade206. Esta comporta duas funções essenciais ao Estado Democrático de Direito: de um lado delimita a atividade legislativa, garantindo que o conteúdo material das leis seja consoante com os valores consagrados na ordem instituída; e,

200 CALLEGARI. Op.cit., p. 13. 201 CALLEGARI. Op.cit., p. 15 202 CALLEGARI. Op.cit., p. 16 203 PRADO. Op. cit., p. 42. 204 ROXIN, Op. cit., 2009, p. 15. 205 ROXIN.º Op. cit., p. 35-36.

206 BIANCHINI. Alice et al. Direito Penal: Introdução e Princípios Fundamentais. 2 ed. São Paulo: Revista

de outro lado, o bem jurídico penal se apresenta como referencial hermenêutico, função essa que é denominada por alguns doutrinadores207 como princípio da proteção exclusiva de bens jurídicos.

3.4 A importância dos Princípios Constitucionais penais para a delimitação das funções

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