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A evolução do Tratamento jurídico conferido aos usuários e dependentes em drogas ilícitas no Brasil.

CONSUMO DE DROGAS ILÍCITAS.

4.3 A evolução do Tratamento jurídico conferido aos usuários e dependentes em drogas ilícitas no Brasil.

No sentido de melhor entender os avanços trazidos pelo diploma legal vigente, é imprescindível discorrer sobre a evolução do tratamento dado ao usuário de drogas no Brasil. Tal estudo servirá como suporte para a compreensão e respectiva crítica do contexto atual, especialmente no que se refere à utilidade despenalização do uso e, consequentemente, da aplicação de medidas educativas em substituição das penas tradicionais.

O Decreto-Lei n.º 891/38 estabelecia que tanto a toxicomania como a intoxicação habitual seriam doenças de notificação compulsória à autoridade sanitária, sendo inclusive prevista a possibilidade de internação compulsória do indivíduo e sua interdição civil. A duração dos efeitos da internação, que era medida supostamente curativa, poderia ocorrer por tempo indeterminado, a depender da necessidade do enfermo. As internações compulsórias

267 Segundo define a OMS, o Transtorno psicótico residual pode ser induzido pelo uso de drogas contínuo, de

forma a provocar alterações cognitivas, afetivas, da personalidade ou do comportamento, enfermidade que se adéqua ao CID-10 (transtornos mentais e do comportamento, residuais e de começo tardio, induzidos por álcool ou drogas. Essas modificações persistem mesmo após a eliminação da substância do corpo do indivíduo, sendo que as mais comuns são a demência e outras formas mais leves de deterioração intelectual permanente. (OMS. Op. Cit. P. 62)

268 Os transtornos de distintas intensidades decorrentes do uso de drogas são uma série de doenças que estão

previstas no CID-10, nos grupos F10 a F19, todos eles tem em comum o consumo de uma ou mais substâncias psicoativas, sejam elas lícitas ou não (são elas, o álcool, ópio e derivados, cannabis e derivados, cocaína, estimulantes, alucinógenos, tabaco, solventes voláteis etc). (OMS. Op. Cit. P. 62)

eram justificadas por motivo de conveniência de ordem pública, o que a torna semelhante à custódia prisional cautelar.

Até mesmo a internação facultativa teria feições de medida de segurança, no entanto, poderia ser imposta independentemente de sentença penal, ou sequer de processo penal, bastando haver requerimento dos representantes legais, cônjuges ou parentes de até 4º grau do dependente perante o Juízo Cível de competência do Juízo dos Órfãos, hoje transformado nas Varas da Infância e da Juventude. Muito embora essa modalidade de internação fosse denominada “facultativa”, é fácil constatar que a vontade do paciente não era considerada já que era possível que membros da família, inclusive parentes mais afastados, pudessem requerer a internação.

Até então, era vedado o tratamento ambulatorial em face à vedação emanada no art. 28 do mencionado decreto, onde se lia que “não é permitido o tratamento de toxicômanos” em domicílio.

Ademais, o Decreto-Lei n.º 891/38 previa a necessidade de comunicação de qualquer internação e alta de pacientes dependentes em drogas ilícitas à autoridade policial competente e ao representante do Ministério Público. Essa regra era destinada não somente aos hospitais públicos, como também aos estabelecimentos particulares.

No Código Penal de 1940, os crimes relativos às drogas ilícitas estavam previstos no art. 281, que foi alterado por decretos-leis que revogaram a redação original, que prescrevia o crime denominado como comércio clandestino ou facilitação do uso de entorpecentes, sem a preocupação em tipificar a conduta do usuário ou dependente. Destaca-se que a Lei 4.451/64 não alterou significativamente as disposições legais já existentes no que concerne ao trato dos dependentes ou usuários eventuais de substâncias ilícitas.

Apenas com a redação dada pelo Decreto-Lei 385/68 que a situação do dependente foi abordada pelo legislador. No texto legal estava expressamente prevista a equiparação do usuário eventual ou dependente ao traficante, na medida em que se fixava as mesmas penas (um a cinco anos de reclusão e multa) para o traficante e para aquele que trazia consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, bem como matérias-primas ou plantas destinadas à preparação de entorpecentes ou de substâncias que determine dependência física ou psíquica269.

269 Redação dada pelo Decreto-Lei nº 385, de 1968: “Art. 281. Importar ou exportar, preparar, produzir, vender,

expor a venda, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou de desacôrdo com determinação legal ou regulamentar: (Comércio, posse ou facilitação destinadas à entorpecentes ou substância que determine dependência física ou psíquica.) Pena -

Posteriormente, com a Lei n.º 5.726/71, houve duas mudanças: a primeira delas, foi o aumento das margens de pena de reclusão para um a seis anos; além disso, foram separadas, em dois incisos diferentes, as condutas de porte, já tipificada anteriormente, e de aquisição de substância entorpecente para uso próprio ou que determine dependência física ou psíquica, sendo que a penas de ambas eram equiparadas às do tráfico. Frise-se que foi o primeiro momento em que a aquisição de drogas ilícitas, sem necessária prova do efetivo consumo, foi criminalizada.

De acordo com a Lei n.º 6.368/76, o tratamento aos dependentes deveria ser fornecido pelas redes de serviço público de saúde dos estados, Distrito Federal e Territórios. Esses entes políticos optariam, ora, pela criação de estabelecimentos específicos para esse tipo de tratamento, ora, pela adaptação de unidades já existentes.

Nesse momento, o legislador demonstrou amadurecimento ao estabelecer a possibilidade de tratamento ambulatorial ao lado da internação obrigatória, revogando a vedação expressa no Decreto n.º 891/38.

Além disso, a Lei n.º 6.368/76 unificou as condutas relativas ao uso no art. 16, que tipificava a aquisição, a guarda e porte de substâncias entorpecentes para o uso próprio. O agente desse crime estaria sujeito à pena de detenção de seis meses a dois anos, cumulada ao pagamento de vinte a cinqüenta dias-multas. Nesse diapasão, o legislador nacional deixa de equiparar o usuário ou dependente ao traficante de drogas, cuja pena cominada era de reclusão de três a quinze anos mais o pagamento de cinqüenta a trezentos e sessenta dias multa.

Após a necessária síntese do conteúdo da legislação antecedente à Lei n.º 11.343/2006, será analisada de forma pormenorizada qual é o tratamento jurídico conferido, atualmente, ao usuário e ao dependente de substâncias ilícitas.

Atualmente está em vigência uma nova política pública e criminal em relação ao usuário e ao dependente de substâncias ilícitas. Primeiramente, observa-se que o art. 28, caput e §1º da Lei n.º 11.343/2006, especifica que aqueles que adquirirem, guardarem, tiverem em depósito, transportarem ou trouxerem consigo, semearem, cultivarem ou colherem drogas ilícitas para consumo próprio sujeitar-se-ão às seguintes “penas”: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

reclusão, de um a cinco anos, e multa de 10 a 50 vêzes o maior salário-mínimo vigente no país. § 1º Nas mesmas penas incorre quem ilegalmente: III - traz consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que

determine dependência física ou psíquica. (Matérias-primas ou plantas destinadas à preparação de entorpecentes ou de substâncias que determine dependência física ou psíquica.) (grifou-se)”

A duração das penas de prestação de serviços à comunidade e da medida educativa acima mencionadas será de no máximo cinco meses, podendo chegar ao prazo máximo de dez meses em caso de reincidência. Caso o agente se negue a cumprir as penalidades de forma injustificada, o máximo que pode acontecer é a repreensão oral do agente, o que a lei denomina de admoestação verbal, ou a obrigação de pagar multa.

Ao ser processado pelo art. 28 da Lei 11.343/2006, o agente terá direito a tratamento médico especializado gratuito, que deverá ser posto à sua disposição pelo Poder Público270. Esse mandamento cria para o Estado a obrigação de oferecer gratuitamente tratamento médico aos usuários e dependentes processados criminalmente.

No entanto, é preciso verificar a situação daqueles que foram condenados ou respondem a processos por outros crimes, pois como se sabe, o abuso no consumo de entorpecentes está associado, por exemplo, ao cometimento de crimes contra o patrimônio. Dessa feita, é possível constatar, na práxis forense, diversos casos em que o acusado, processado por crimes não relacionados à lei de drogas, necessita de tratamento adequado para tratar do seu vício. Atento a essa realidade, o juiz poderá determinar o encaminhamento do agente para tratamento no momento da sentença condenatória, bem como é possível que o usuário e o dependente de drogas que, em razão da prática de infração penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos à medida de segurança, tenham acesso aos serviços de atenção à saúde, no âmbito sistema penitenciário.

Apesar desses avanços, olvidou-se de uma situação de extrema relevância, qual seja, se durante o processo o juiz constatar que o réu preso necessita de tratamento, como deve proceder? A lei não oferece respostas para essa pergunta, principalmente, porque aqui não se está tratando das hipóteses em que o estado mental do indivíduo não interferiu na avaliação de sua culpabilidade no momento do crime objeto do processo.

Imaginando que o réu, sob custódia cautelar, deva se submeter a tratamento médico, há duas soluções: a primeira seria que os estabelecimentos prisionais que abrigassem os presos provisórios contassem com o serviço de saúde específico em suas dependências; a segunda seria encaminhar esse custodiando a uma unidade de saúde pública, sendo obviamente necessário que fossem tomadas as medidas contingenciais para a manutenção da prisão cautelar e para garantir a segurança dos demais pacientes e equipe médica.

270 Nos termos do art. 28, § 7º da Lei 11.343/06: “O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição

do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.”

A concretização das aludidas medidas, que fazem parte da política pública de prevenção e ressocialização do dependente proposta pela lei de drogas vigente, dependerá das condições reais fornecidas pelo Estado. Dessa forma, a efetividade dos mandamentos legais poderá variar conforme o vulto de investimento feito para atender a essa demanda somado à gestão desses recursos, o que está atrelado à organização de programas e convênios.

4.4 Estratégias da Organização das Nações Unidas para prevenção e recuperação dos

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