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Síntese crítica sobre as Teorias Constitucionais do Bem Jurídico penal.

DELITOS INSERIDOS NA LEI N.º 11.343/2006.

3.2 Síntese crítica sobre as Teorias Constitucionais do Bem Jurídico penal.

Para descobrir quais são os valores relevantes na sociedade e, consequentemente os bens jurídicos que são expressos por eles, muitos doutrinadores buscaram as normas constitucionais. O estudo da Constituição revelaria quais são os objetivos a serem implementados pelo modelo de Estado, bem como os compromissos assumidos para garantir o bem-estar e a convivência pacífica entre os indivíduos.

Vale refletir que a busca de valores na Constituição já demonstra o rompimento com o positivismo clássico, cujo pressuposto seria a separação entre a ciência do direito e a moral. Com a virada neokantiana e o resgate dos valores retomado pelos tribunais constitucionais alemão e norte-americano177, passou-se a admitir que o intérprete deveria ver além da interpretação literal da norma para atingir a finalidade social por ela consagrada. Além disso, ressalta-se a importância do desenvolvimento das teorias que identificaram os princípios como espécie de normas jurídicas178, o que revolucionou a forma de encarar o novo papel da Constituição, que já não podia ser concebida apenas como um conjunto de regras entendidas como um referencial de validade.

O contexto de mudanças no direito estimulou a busca pelos valores contemplados pelas normas jurídicas, especialmente, aquelas derivadas da interpretação do texto

175 Zaffaroni explica que a Defesa Social é marcada pela obscuridade do conceito, o que permite entendimentos

ofensivos aos direitos e garantias fundamentais. Nesse viés, enfatiza o perigo de entender a sociedade como um ente mais importante do que o indivíduo, senão vejamos: “estas concepções não têm cabimento em nosso sistema positivo, posto que nem a Constituição nem a ideologia dos Direitos Humanos toleram o submetimento (sic) do homem a um ente superior, mas só a limitação do homem por razões de coexistência, o que, por certo, não é o mesmo”. (PIERANGELI, José Henrique; ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal

Brasileiro. V.1. 7ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 88)

176 PIERANGELI; ZAFFARONI. Op. cit., p. 85.

177 Sugere-se a leitura de CRUZ, Luis M. La Constituición como orden de valores, problemas jurídicos y

políticos: um estúdio sobre los orígenes del neoconstitucionalismo. Granada: Comares, 2005

178 Sobre o assunto vide: TORRES, Ricardo Lobo. A Jurisprudência de Valores. In: SARMENTO, Daniel (Org.).

constitucional. Obviamente, todas essas concepções exerceram sua influência no campo do Direito Penal, mais precisamente, no que se refere ao estudo do objeto de sua tutela. Exatamente pelo viés constitucional dado ao presente trabalho, serão analisadas as idéias que mostraram preocupação com o conteúdo da constituição, também chamadas de teorias constitucionais.

A esse respeito, ensina Ferrajoli que, após a Segunda Guerra Mundial, a retomada das referências crítica e axiológica no campo do Direito possibilitou a recuperação do caráter garantista na elaboração da teoria do bem jurídico. Não obstante, existiria uma deformação sobre o enfoque da problemática da aludida teoria na medida em que buscam um “critério ontológico de legitimação apriorística das proibições e sanções penais”. Em outras palavras, não seria possível determinar um critério positivo capaz de definir com precisão quais condutas devem ser proibidas. Conforme Ferrajoli, a teoria dos bens jurídicos apenas poderá oferecer uma variedade de critérios negativos de legitimação cujo objetivo é nortear o interprete na identificação de condutas que carecem de justificação legítima e, portanto, não deveriam ser criminalizadas. Por isso, o estudo do bem jurídico tem como objetivo servir de limite ou garantia para justificação da punição e da criminalização de condutas179.

A maior preocupação das teorias constitucionais era dirigida à limitação da criminalização, posto que, notavelmente, as Constituições possuem diretrizes político- criminais juntamente às garantias a serem respeitadas no Estado de Democrático de Direito.

Conforme ensina Prado180, havia, de um lado, teorias sobre o bem jurídico de caráter geral e, de outro, concepções que buscavam seu fundamento na constituição. Apesar dessa diferenciação, no presente trabalho ambos os enfoques serão interpretados como referências constitucionais e, portanto, considerar-se-ão ambas as concepções como teorias constitucionais.

Ao tratar de classificação de teorias, não se pode ignorar a Classificação de Hassemer segundo o qual, as teorias sociológicas poderiam ser classificadas em: teorias sistemáticas, que analisam a criação legislativa; e as teorias críticas, que contavam com um estudo mais amplo que o direito penal181. Ainda, impende-se ressaltar que Hassemer, representante da doutrina realista do bem jurídico, dá ênfase a valoração subjetiva dos bens guiada por aspectos sociais e culturais que informam os valores consagrados na sociedade.

179 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2006,p. 432-433.

180 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-penal e constituição. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.

52.

Já que não existe uma classificação perfeita ou, ao menos, consensual, entende-se que é mais prudente escolher os critérios classificatórios mais úteis ao trabalho. Em conformidade com o corte metodológico adotado, que revela a pretensão de analisar apenas as teorias constitucionais sobre o bem jurídico, elege-se uma classificação eclética. Explica-se: dentre as teorias constitucionais, que abarcam as duas espécies da classificação de Prado, existem aquelas que são consideradas sistemáticas e outras, críticas. Portanto, serão consideradas constitucionais, todas as teorias que busquem seu fundamento ou seus pressupostos na Constituição, diferenciando-se apenas quanto à presença de elementos ora descritivos ora críticos.

Pois bem, as teorias acima mencionadas serão apresentadas sucintamente de forma a expor as diretrizes essenciais para o entendimento do leitor.

O professor italiano Francesco Palazzo possui grande importância para o desenvolvimento da concepção de bem jurídico, principalmente, porque em sua obra dedicou- se a traçar as relações entre os valores constitucionais e o direito penal. Dentro dessa perspectiva, informa que a Constituição pode trazer em seu texto um “catálogo de bens jurídicos individualizados como objeto da tutela penal”182. Assim, é fácil perceber que normas

constitucionais trazem não somente indicações de bens que deveriam ser protegidos pelo Direito Penal, através da criação de novos tipos penais, como também traz mandados de descriminalização183. Não se deve esquecer que também é possível que seja declarada a inconstitucionalidade de norma penal incriminadora em razão a desrespeito à Constituição.

Claramente, Palazzo não pretende identificar os valores constitucionais aos bens jurídicos: primeiro, porque considera o processo de “sociologização” - através do qual a proteção de interesses e bens são demandados pela sociedade – para estabelecer que o reclamo social somente seria capaz de legitimar a criminalização se o legislador puder fazer uma construção compatível com a constituição. Além disso, a existência de um rol constitucional de bens jurídicos aparentemente fechado não é capaz de limitar a matéria penal, já que existem outros valores e princípios políticos e constitucionais - a exemplo da tolerância e do pluralismo - a serem concretizados em um momento histórico posterior, que dependem de criminalização visando garantir a manutenção do Estado Democrático de Direito184.

Dentro dos defensores do finalismo penal, destaca-se a concepção de Hans Welzel sobre o bem jurídico, segundo a qual o direito penal deveria se encarregar da proteção de

182PALAZZO, Francesco C. Valores Constitucionais e Direito Penal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,

1989, p. 84.

183 PALAZZO. Op. cit., p. 85. 184 PALAZZO. Op. cit., p. 87.

valores positivos éticos-sociais - como existência do Estado, tutela da vida, da saúde, da propriedade etc, - passíveis de afetação pela ação humana. Destaca-se que os mencionados valores “constituem o substrato ético-social das normas do direito penal”185. A fim de ilustrar

o pensamento do autor finalista, observe-se:

É missão do direito penal amparar os valores elementares da vida da comunidade [...] Toda ação humana, seja no bom como no mau, está sujeita aos aspectos distintos de valor. Por uma parte, pode ser valorizada segundo o resultado que alcança (desvalor do resultado ou valor material); por outra parte, independentemente do resultado que se obtenha com a ação, segundo o sentido da atividade em si mesma (valor do ato).186

Para Welzel, o bem jurídico poderia ser definido como um bem considerado essencial para a existência de um indivíduo ou do grupo social e cuja significação social fosse amparada juridicamente. Ressalta-se que o significado de qualquer bem jurídico deveria ser desvendado a partir da análise de sua relação com os demais bens que integram a ordem social187.

Necessária a explicação sobre a ressalva feita por Welzel no tocante a real missão do direito penal: não seria este ramo jurídico incumbido da simples defesa de bens jurídicos, já que seu objetivo perpassa os interesses individuais para proteger “a validade dos valores do atuar ou agir segundo o pensamento jurídico”. Dessa forma, o mencionado doutrinador entendia que a atividade estatal consistente em assegurar a observância dos valores éticos que informavam os bens jurídicos prepondera sobre a regulação dos resultados188 das condutas delitivas nos casos individuais189.

Partindo de uma perspectiva neokantiana, o autor entende que o bem jurídico possui uma particular significação social, sendo considerado algo vital que merece a proteção do Direito Penal. Essa proteção abarca valores éticos e culturais tidos como elementares no seio social. Desenvolvendo essa idéia, Welzel defendia que o Direito penal teria a função de estabilizar esses valores principalmente ao impor limites ao legislador, estando ele adstrito aos princípios da legalidade e da proteção dos bens jurídicos190.

185 WELZEL, Hans. Direito Penal. Campinas: Romana, 2003, p. 29 186 WELZEL. Op. cit., pp. 27-28.

187 WELZEL. Op. cit., pp. 33-34

188Um exemplo ilustrativo dessa concepção é apontado pelo autor: “[...] por trás da proibição de matar, está o

pensamento primário que tende a assegurar o respeito pela vida dos demais; isto é, o valor do ato; precisamente por isso, é também homicida quem mata arbitrariamente a alguém cuja vida carece socialmente de valor, como um criminoso condenado à morte” (WELZEL. Op.cit., p. 31)

189 WELZEL. Op. cit., pp. 29-30.

190 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-penal e constituição. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp.

Adotando posicionamento semelhante, Hassemer, representante da doutrina realista do bem jurídico, dá ênfase à valoração subjetiva dos bens, guiada por aspectos sociais e culturais que informam os valores consagrados na sociedade191.

A partir dessas construções, deve-se mostrar quais as críticas formuladas a essas concepções sob o ponto de vista do funcionalismo penal.

3.3 Críticas ao Conceito de Bem Jurídico sob o ponto de vista da Doutrina Funcionalista.

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