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Definição da hipótese contemplada no art 28 da Lei n.º 11.343/2006: despenalização ou descriminalização: qual seria a solução mais adequada em face aos princípios

5 ESTUDO SOBRE A VIABILIDADE DA PROPOSTA DE DESCRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA TÍPICA DESCRITA NO ART 28 DA LEI N.º 11.343/2006.

5.4 Definição da hipótese contemplada no art 28 da Lei n.º 11.343/2006: despenalização ou descriminalização: qual seria a solução mais adequada em face aos princípios

fundamentais do direito penal contemporâneo?

A despenalização pode ser entendida como o ato de diminuir a pena de um delito, sem descriminalizar a conduta, ou seja, mantendo-a inserida no direito penal. Em substituição às penas de recolhimento do condenado aos estabelecimentos prisionais podem ser aplicadas, por exemplo, prestações de serviço à comunidade, prisão domiciliar, inabilitação para exercício de certas atividades e etc.327

A despenalização possui objetivo diverso da descriminalização, pois:

considera-se mais conveniente manter a ilicitude do fato, eliminando-se somente a pena, evitando um possível excesso da conduta nessas áreas, e ratificando a suposta tarefa de docência moral da legislação. Por isso, a

325 CARVALHO. A Política Criminal de Drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. 4 ed. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 189

326 CARVALHO. Op. Cit., p. 190. 327 CERVINI. Op. cit., p. 75.

chamada descriminalização integral, ou desinteresse total do sistema por ações que antes eram puníveis, ocorre com pouca freqüência.328

Em outras palavras, o aludido fenômeno difere da descriminalização porque apenas reduz quantitativa ou qualitativamente a pena cominada para uma determinada conduta. Isso não significa que haverá uma atenuação no juízo de desvalor da conduta mas, sim, pretende- se adequar a norma ao sistema penal de forma que se contemplem as regras de proporcionalidade329.

Sendo assim, entende-se que a despenalização é preferível em relação à descriminalização nas situações em que se revele conveniente a manutenção da ilicitude do fato, muito embora se reconheça que o tratamento penal dado a este era demasiadamente grave e desproporcional.

À primeira vista, pode-se pensar que a conduta tipificada no art. 28 da Lei nº 11.343/2006330, qual seja o porte ou plantio de drogas para consumo, trata-se de um crime. Esse entendimento é contestável por ser incompatível com a definição legal de crime, exposta no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei nº3.941/41)331, onde se lê que crime é a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com pena de multa.

Devido a essa primeira impressão, pouco tempo após a publicação da Lei n.º 11.343/2006, Luiz Flávio Gomes chegou a sustentar que o art. 28 teria contemplado uma hipótese de descriminalização formal, haja vista que a figura típica descrita não se amoldava às espécies de infração penal estabelecidas na Lei de Introdução do Código Penal, quais sejam crime e contravenção penal. Em razão do pronunciamento da Suprema Corte sobre a matéria, o autor mudou seu entendimento sustentando que a figura legal seria uma infração penal sui

generis e, por conseguinte, pode-se concluir que aderiu a tese da despenalização332.

328 CERVINI. Op. Cit, p. 76.

329CORACINI, Celso Eduardo Faria. Os movimentos de descriminalização: em busca de uma racionalidade para

a intervenção jurídico-penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 12, São Paulo, n.º 50, setembro – outubro de 2004, pp. 237-279, p. 250.

330 Art. 28 da Lei n.ºº 11.343/2006: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,

para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas [...]”

331 Segundo o art. 1º do Decreto-lei n.º 3.914/1941, “considera-se crime a infração penal a que a lei comine pena

de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.”

332

GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Drogas: descriminalização da posse de drogas para consumo pessoal. Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 09.11.2010.

Se a espécime do art. 28 não está prevista na Lei de Introdução do Código Penal, é conveniente buscar, em outras normas jurídicas, elementos que possam identificar sua natureza jurídica.

Destarte, o art. 5º, inciso XLVI, a Constituição Brasileira de 1988 redefine o conceito de delito, acrescentando àquele conceito outras conseqüências jurídicas, além da pena privativa de liberdade e restritiva de direito, como perda de bens, multa, prestação de serviços, suspensão ou interdição de direitos.

Observe que as penas cominadas para o delito insculpido no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 são: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Acrescenta-se que no § 3º do dispositivo acima aludido estabelece que as penas de prestação de serviços e as medidas educativas serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses. No parágrafo posterior, impõe-se que, em caso de reincidência, as penas poderão ser aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses. Interessante perceber que se as referidas penas não forem cumpridas, injustificadamente, poderá o juiz submeter o “agente do crime” à admoestação verbal e ao pagamento de multa.

Essas medidas repressivas obviamente não apresentam um caráter tipicamente punitivo, pois está totalmente descartada a hipótese de qualquer espécie de privação da liberdade.

Constatando a dificuldade em definir a natureza jurídica dessa conduta típica, o Supremo Tribunal Federal333, em sede de julgamento da Questão de Ordem em Recurso Extraordinário registrada sob o n.º 430.105/2007, decidiu que o novo art. 28 da Lei nº 11.343/2006 impõe ao usuário sanções penais, motivo porque se sustentou que o fenômeno observado no caso não seria a descriminalização e sim a despenalização334. No mesmo acórdão, a primeira Turma do STF decidiu por unanimidade que a figura do art. 28 da Lei n.º 11.343/2006 tem natureza jurídica de crime, refutando a tese de que leis ordinárias ficassem adstritas aos moldes da lei de introdução do Código Penal no tocante à fixação das penas.335 Nesse aspecto, afirmou-se que o art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal somente apresenta critérios para diferenciar crimes e contravenções, sendo que tal diploma legal,

333 BRASIL, STJ – REsp n.ºº430.105-9/RJ, 1ª Turma, Rel. Min.º Sepúlveda Pertence, DJU 27.04.2007, p.

00729(ou: Disponível em: www.stj.gov.br; acesso: 03.09.2008).

334 A decisão diz, expressamente, que se trata “de despenalização, entendida como exclusão, para o tipo, das

penas privativas de liberdade.”

335 Segundo o Acórdão: “não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou

estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII).”

anterior à Constituição de 1988, foi recepcionado com status de lei ordinária. Portanto, nada obsta que outra lei ordinária estabeleça critérios diversos para estabelecer se certa conduta é crime ou contravenção, desde que se obedeça aos parâmetros constitucionais quanto ao rol de espécies de pena previstos no art. 5º, incisos XLVI e XLVII da CF/88.

O Relator Sepúlveda Pertence buscou na doutrina respostas para a questão abordada no título desde item336, cogitando a hipótese de que a conduta do art. 28 da Lei de Drogas seria uma infração penal sui generis, cujo regime jurídico seria híbrido e atípico. Apesar de considerar essa tese acadêmica, aquele Ministro do Supremo Tribunal Federal vislumbrou que a sua adoção acarretaria problemas quanto à instabilidade do regime jurídico desse espécime híbrido. Assim, refutou a tese doutrinária, principalmente, porque não possibilitaria a punição por ato infracional nos termos da Lei n.º 8.069/90 e, portanto, fixou o entendimento de que a figura do art. 28 teria a natureza jurídica de crime.

Nesse sentido, ressaltou-se que o legislador não incorreu em erro ou atecnicidade quando inseriu propositalmente a conduta inserida no Capítulo II do Título III, intitulado como “Dos Crimes e das Penas”, separando-a dos demais crimes relativos ao tráfico ilegal de drogas. Na verdade, há registros no Relatório do Projeto de Lei337 que elucidam a estratégia intencional de localizar o crime do art. 28 no Título III, em razão da pertinência temática relativa à prevenção e à reinserção dos usuários e dependentes.

Depois, alegou-se que o artigo menciona a reincidência, que seria a prática de nova infração penal depois de condenação por um crime, nos termos do art. 63 do Código Penal e 7º da Lei de Introdução ao Código Penal. Em terceiro lugar, o art. 30 da Lei de drogas informa o prazo prescricional para o exercício da pretensão punitiva estatal e, por

336 O Ministro Relator cita como sua fonte: GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério Cunha. Porte para uso

pessoal: crime, infração penal “sui generis” ou infração administrativa? Disponível em: www.lfg.com.br.

Acesso em: 16. 12.2006.

337 Conforme Relatório do Projeto de Lei n.º 7.134/2002 in verbis: “Reservamos o Título III para tratar

exclusivamente das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserçao social de usuários e dependentes de drogas. Nele incluímos toda a matéria referente a usuários e dependentes, optando, inclusive, por trazer para este título o crime do usuário, separando-o dos demais delitos previstos na lei, os quais se referem à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas. [...] Com relação ao crime de uso de drogas, a grande virtude da proposta é a eliminação da possibilidade de prisão para o usuário e dependente. Conforme vem sendo cientificamente apontado, a prisão dos usuários e dependentes não traz benefícios à sociedade, pois, por um lado, os impede de receber a atenção necessária, inclusive com tratamento eficaz e, por outro, faz com que passem a conviver com agentes de crimes muito mais graves. Ressalvamos que não estamos, de forma alguma,

descriminalizando a conduta do usuário – o Brasil é, inclusive, signatário de convenções internacionais

que proíbem a eliminação desse delito. O que fazemos é apenas modificar os tipos de penas a serem aplicadas ao usuário, excluindo a privação da liberdade, como pena principal.” (BRASIL. SENADO FEDERAL. Relatório do Projeto de Lei n.º 7.134. Rel. Dep. Paulo Pimenta. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/197758.pdf. Acesso em: 09.11.2010. Grifou-se)

conseguinte, admite-se que somente infrações penais poderiam prescrever. Em quarto lugar, a lei de entorpecentes prevê que a observância do procedimento sumaríssimo regulado pela Lei n.º 9.099/95, que trata dos crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando inclusive a aplicação imediata de pena prevista no art. 76.

Suscitou-se ainda que o descumprimento das medidas punitivas descritas no primeiro parágrafo do art. 28 da Lei 11.343/2006 ensejaria o pagamento de multa, que também se enquadra no rol de sanções penais inscritas na Constituição.

Depois, foi dito que a despenalização foi marcada pelo rompimento da tradição de imposição de penas privativas de liberdade como sanção principal ou substitutiva de toda a infração penal. Portanto, não haveria empecilhos para cominar para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - uma pena diversa da privação da liberdade, a qual constitui somente uma das hipóteses de pena previstas pela Constituição Federal em seu art. 5º, incisos XLVI e XLVII.

Frente a esse contexto, verifica-se há uma postura conservadora e comedida quanto à possibilidade de descriminalizar a conduta do usuário de drogas, o que acaba favorecendo a tendência contrária, qual seja a expansão do direito penal.338

5.5 Críticas pontuais à escolha pela despenalização do consumo de entorpecentes em

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