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5 ESTUDO SOBRE A VIABILIDADE DA PROPOSTA DE DESCRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA TÍPICA DESCRITA NO ART 28 DA LEI N.º 11.343/2006.

5.3 Estudo sobre a classificação das espécies de Descriminalização

Primeiramente, é preciso enfatizar que a classificação a ser apresentada servirá apenas para sistematizar brevemente as espécies de descriminalização de modo a facilitar o entendimento do tema proposto. Não se pretende aprofundar o estudo sobre o instituto e sim falar o necessário ao estudo da mudança do tratamento penal conferida ao porte de substância entorpecente introduzida pela nova lei de tóxicos.

Inicialmente, destaco que o processo de descriminalização pode ser promovido por instâncias diversas, tanto no âmbito dos Poderes Constituídos como pela sociedade civil.

Quando se fala em descriminalização legislativa em sentido estrito refere-se à situação em que uma lei incriminadora é expurgada do sistema penal através da ab-rogação, fato que é

conhecido como abolitio criminis. Ressalte-se que, nessa hipótese, o fato em si também é descriminalizado, pois há um consenso social sobre a falta de ofensividade da conduta315.

Geralmente a descriminalização formal demonstra o total reconhecimento social e legal do comportamento em questão. Em hipótese diversa, o aludido processo sinaliza que o Estado já não deseja mais intervir em uma determinada relação intersubjetiva, cujo objeto foi descriminalizando, justamente por saber que as medidas e soluções penais não são adequadas à composição da lide316.

Assim, o legislador descriminaliza a conduta quando percebe que não há sentido em punir um comportamento compatível à vivência da sociedade, que constantemente passa por processos sociais de modificação dos elementos culturais e dos juízos acerca dos comportamentos aceitos.

Outra espécie é a descriminalização legislativa parcial, também conhecida como descriminalização substitutiva, que ocorre quando certo comportamento, antes considerado penalmente relevante, deixa de ser crime, passando a ser tutelado por outra esfera do Direito. Nesse caso, repise-se que é mantido o caráter ilícito da conduta, contudo não mais será aplicada pena e sim uma sanção administrativa ou cível317.

A descriminalização substitutiva é a resolução indicada para os casos em que o legislador está convencido de que os custos sociais da criminalização são superiores aos benefícios, reconhecendo que não existem outros instrumentos penais capazes de possibilitar o enfrentamento da conduta criminosa. Entretanto, dada a relevância da repressão da conduta, criam-se meios de inibi-la de forma alternativa318.

Também se considera descriminalização legislativa parcial os processos em que há mudança dos critérios sancionatórios, caso mais conhecido como reformatio legis in

mellius319.

No que se refere ao processo de descriminalização em âmbito judicial, é certo que o juiz, no seu âmbito de atuação, pode utilizar normas constantes do ordenamento jurídico com a finalidade de minimizar a criminalização. Assim, ao aplicar uma norma ao caso concreto, deverá interpretar seu sentido ou até mesmo resolver antinomias. Então mesmo que deva respeitar os ditames derivados da legalidade e da taxatividade, o julgador poderá afastar a aplicação de determinada norma penal se verificar que mesma afronta norma constitucional.

315 CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. 4 ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 117.

316 CERVINI, Raúl. Os Processos de Descriminalização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 72. 317 CARVALHO. Op. Cit., p. 117.

318 CERVINI. Op. cit., p. 73.

Desse modo, deverá determinar a invalidade da norma penal no caso concreto por meio do controle de constitucionalidade por via difusa.

Outrossim, é possível que o juiz, ao verificar a situação concreta, deixe de aplicar um ditame legal válido por acreditar que a conduta praticada foi alcançada por uma excludente supra-legal. Isso ocorre nos casos em que se considera uma conduta atípica devido à insignificância, ou quando há consentimento do ofendido, por exemplo320.

A diferença entre a descriminalização judicial e a descriminalização legislativa é que nesta última a crítica se dirige aos critérios de seleção das condutas e bens jurídicos a serem protegidos. Na descriminalização judicial, o interprete deverá restringir o âmbito de incidência da regra criada pelo Legislativo, baseado em imperativos constitucionais ou fáticos, visando evitar a violação de garantias e direitos fundamentais mediante a imposição de limites ao poder punitivo321.

Por fim, menciona a descriminalização imprópria que é dividida em duas subespécies: a primeira, também conhecida como descriminalização de fato, seria aquela em que o cidadão comum, ao ter notícia de crime, deixa de avisar às autoridades competentes; já a segunda refere-se à inação das agências policiais, que ao serem comunicadas sobre a existência de um crime, nada fazem para apurá-lo, simplesmente engavetando extra-oficialmente (e ilicitamente) os documentos relativos à notícia-crime322.

Convém enfatizar que as duas formas de descriminalização impróprias não são incorporadas formalmente pelo discurso penal e criminológico. Entretanto, essas hipóteses são as maiores expressões quantitativas da realidade das agências de controle estatais, fato que demonstra a importância das cifras ocultas da criminalidade. Esses dados que não fazem parte das estatísticas oficiais são essenciais para a fundamentação acerca da ineficácia do sistema de controle repressivo estatal, principalmente, em um período em que o direito penal é incumbido de resolver quase todas as mazelas sociais323.

A descriminalização de fato pode ser originada de fontes diversas: sobrecarga do sistema penal ou dos critérios da Polícia; desconhecimento do caráter ilícito da conduta a ser descriminalizada por parte do público alvo; falta de interesse dos ofendidos em buscar soluções penais, recorrendo à composição alternativa do conflito324.

320 CARVALHO. Op. Cit., p. 138. 321 CARVALHO. Op. Cit., p. 125. 322 CARVALHO. Op. Cit., p. 145. 323 CARVALHO. Op. Cit., p. 145.

Nesse ponto, torna-se interessante fazer alusões aos chamados crimes sem vítima, como é o caso do consumo de drogas. Com certeza, deve se reconhecer que o ato do consumo atinge a esfera pessoal do usuário, mas também afeta indiretamente a sociedade, pois os fatos humanos são transcendentes. Entretanto, deve-se calcular se o benefício obtido com a criminalização do comportamento compensa os custos da intervenção penal325.

Atente-se que o processo de rotulação e estigmatização acompanham os autores dos delitos sem vítima, assim “no caso dos consumidores de drogas, por exemplo, podemos observar características de autodepreciação pela criação de tais rotulações que os conduzem à autosegregação, o que vai criando o aparecimento de subculturas com suas evidentes conseqüências psicossociais.” 326

Os problemas estruturais das instituições de controle social demonstram ainda a fragilidade do sistema penal, já que a maior parte das condutas delituosas não são apreciadas e nem sequer conhecidas. Assim, esvazia-se o conteúdo das proposições punitivistas, já que o discurso proposto pelos defensores do direito penal máximo quanto ao incremento do simbolismo normativo não serve para atender razoavelmente as demandas sociais.

A partir dos conceitos delimitados, foram obtidos os subsídios teóricos para avaliar o conteúdo e as implicações do art. 28 da Lei n.º 11.343/2006 que trata o “crime” de porte de drogas para consumo próprio.

5.4 Definição da hipótese contemplada no art. 28 da Lei n.º 11.343/2006: despenalização

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