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O papel do Discurso legitimador da expansão de normas penais em face aos novos riscos gerados pelas organizações criminosas ligadas ao tráfico.

1.4 Estigmatização do traficante e Direito Penal do Inimigo: correlação entre o tráfico de drogas ilícitas e o terrorismo, as Organizações Criminosas e a violência social.

1.4.3 O papel do Discurso legitimador da expansão de normas penais em face aos novos riscos gerados pelas organizações criminosas ligadas ao tráfico.

Conforme se estabeleceu anteriormente, os países-partes da Convenção de Viena de 1988 declararam guerra contra as organizações criminosas envolvidas com o tráfico ilícito de entorpecentes. Para tanto, adotou-se uma política criminal intensamente rigorosa que somente se justifica pelo que se chama de perenidade da emergência.

56 AMBOS, Kai. Razones. Del Fracaso Del Combate Internacional a las Drogas y Alternativas. Revista

Brasileira de Ciências Criminais, ano 11, n.º 42, São Paulo, pp. 27-49, janeiro – março de 2003, p. 45.

57

SANCHÉZ, Mauricio Martínez. La política antidrogas en Colombia y el control constitucional. Revista

Brasileira de Ciências Criminais, ano 12, n.º 48, São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 82 – 107, mai./jun.º, 2004, pp. 85-90.

Zaffaroni alerta que a implantação das táticas do direito penal do inimigo acarretaria na a própria destruição do Estado de Direito, devido a incompatibilidade do caráter belicista com a idéia de poderes públicos limitados por balizas constitucionais.58

Sem dúvidas, o questionamento acerca dos limites às restrições de direitos fundamentais está relacionado às considerações feitas sobre a política criminal de drogas. Essa premissa assenta-se na constatação de que os instrumentos jurídicos criados no combate das organizações criminosas são respaldados justamente pela sua urgência, razão porque o discurso oficial transmite a necessidade de flexibilização de garantias penais já consolidadas para tratar do inimigo.

Muito embora se deva reconhecer os prejuízos causados ao Estado e à sociedade pelas organizações criminosas, é igualmente relevante determinar que a guerra contra as drogas não deve legitimar a duradoura permanência de medidas excepcionais, pois “o estado de exceção está incorporado às Constituições democráticas com bastante cuidado e tem seus limites perfeitamente estabelecidos e controles também regulados”59.

Nas sociedades latino-americanas, sabe-se que o sistema penal tem origens genocidas60 e, por esse motivo, seus órgãos não judiciais possuem estrutura militarizada e burocratizada. Como o Poder Judiciário está impossibilitado de exercer plenamente o papel fiscalizador e limitador das arbitrariedades61 perpetradas pelas autoridades policiais e pelos responsáveis pela execução penal, as agências não judiciais desrespeitam as garantias constitucionais e, não raramente, deleitam-se com os benefícios da corrupção.

Nesse ponto, é interessante destacar que os próprios agentes pertencentes às entidades de controle penal, em sua maioria, provém de comunidades carentes, ou seja, do mesmo ambiente de onde nasce a vitimização e a criminalização. Esse dado é utilizado para justificar a incongruência entre as comuns atitudes de serem defensores do discurso moralizante e, ao mesmo tempo, tornarem-se suscetíveis à corrupção62. Além disso, o próprio sistema exige que a autoridade policial se comporte de forma violenta no combate ao crime, porque se difunde

58 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. 2 ed. 2007. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 171. 59 ZAFFARONI. Op. cit., p. 145.

60 Zaffaroni utiliza a expressão genocida, derivada de genocídio tecnocolonialista, porque defende que a

seletividade recai sobre os setores mais vulneráveis da população. Nesse sentido, refere-se a diversas mortes ocorridas em face aos desvios de condutas dos indivíduos e a própria ação estatal: “se não bastassem todas essas mortes, nos momentos em que se desata uma aberta repressão política em qualquer dos nossos países, os órgãos executivos do sistema penal participam dessa repressão, protagonizando em número massivo seqüestros, desaparecimentos forçados de pessoas, homicídios, etc”. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas

perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 125.

61 Refere-se ao excesso de trabalho e deficiências estruturais que dificultam o exercício pleno das atividades

jurisdicionais.

que a desordem e o caos causados pelo delinqüente legitimam o rigor e excepcionalidade de sua reprimenda.

Vera Malaguti atribui à Mídia importante papel na fixação do inimigo: ao tempo em que divulga a imagem do traficante, guerrilheiro, fortemente armado e violento, invoca a droga como o maior problema, cuja gravidade seria superior a crimes como a corrupção. De acordo com o senso comum alimentado pelas notícias veiculadas sem comprometimento ético, é comum a reafirmações de idéias que não correspondem à realidade:

[...] o imaginário os (traficantes) vê por toda parte, organizados em poderosos comandos, inexpugnáveis e indestrutíveis se não forem comabtidos ao estilo de uma verdadeira guerra [...] o esteriótipo do bandido vai-se consumando na figura de um jovem negro, funkeiro, morador de favela, próximo do tráfico de drogas, vestido com tênis, boné, cordões, portadores de algum sinal de orgulho ou de poder e de nenhum sinal de resignação ao desolador cenário de miséria e fome que o circunda. [...] não merecem respeito ou trégua, são os sinais vivos, os instrumentos do medo e da vulnerabilidade, podem ser espancados, linchados, exterminados ou torturados63.

Nada mais faz, então, do que repetir a lógica da exclusão64 fundamentada por mecanismos de autoproteção contra os riscos e o medo permanentemente alimentado. Então, o traficante passa por um processo de desumanização e, já que não é concebido como um ser humano, tal como na ditadura nazista, não deve possuir direitos fundamentais.

Há que se acrescentar que o tratamento excepcional conferido aos traficantes revela-se ineficaz do ponto de vista real, já que as medidas repressivas não são capazes de diminuir o poder das organizações criminosas. Contudo, a legislação rigorosa com eficácia puramente simbólica serve para finalidades políticas por atender a uma demanda social, qual seja a punição dos chamados inimigos.

Justamente pela ausência de um conceito legal claro, a expressão “organizações criminosas” alcança não somente as grandes redes de tráfico como também outras manifestações associativas de menor porte ligadas à delinqüência tradicional, como aquelas ligadas à prática de crimes contra o patrimônio, por exemplo. Na realidade, sustenta-se que a criminalidade organizada tem sido regulada insatisfatoriamente por se assemelhar ao chamados delitos de suspeita65.

63BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de

Janeiro: Revan, 2003, p. 36.

64BATISTA. Op. Cit., p. 35.

65 CALLEGARI, André Luis; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Crime organizado: conceito e

possibilidade de tipificação diante do contexto de expansão do direito penal. Revista Brasileira de Ciências

Tais considerações evidenciam a adoção de um modelo inseguro e antigarantista e, portanto, incompatível com a Democracia e o império da legalidade, nas acepções formal e material. Nessa esteira, Copetti lembra que a relegitimação do sistema penal apenas será viável quando o conteúdo das normas penais e, acrescenta-se aqui, as processuais penais respeitarem os paradigmas constitucionais para que se logre realizar os objetivos de segurança jurídica e de proteção adequada aos bens jurídicos penais66. Essa discussão avançará no tópico seguinte em que se analisará os inconvenientes discurso do inimigo.

1.4.4 A volatilidade do discurso do inimigo em relação aos traficantes como causa para

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