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Fundamentalidade do Direito à Saúde Mental e sua pertinência ao Mínimo Existencial.

6 ANÁLISE CRÍTICA SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL VINCULADAS AO SISNAD.

6.4 Fundamentalidade do Direito à Saúde Mental e sua pertinência ao Mínimo Existencial.

Quando se propõe em falar sobre mínimo existencial e direitos sociais, é conveniente elaborar um prévio escorço, tratando pontualmente de conceitos e noções que serviram como pressuposto para a argumentação e a constatação final do trabalho.

Depois, será questionado se o direito à saúde mental integra o mínimo existencial e, portanto, se sua concretização é imprescindível para a realização da dignidade da pessoa humana.

Bonavides diz que a vinculação dos direitos fundamentais aos ideais de liberdade e ao valor da dignidade humana permitiu a universalização desses direitos, fenômeno que se externou, originariamente, pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão395. Antes desse momento, os direitos fundamentais eram concebidos por uma lógica jusnaturalista que defendia o caráter absoluto e imutável desse rol de direitos.

De tal sorte, compartilha-se com o conceito elaborado por Sarlet, segundo o qual os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos ou direitos naturais que foram reconhecidos e positivados pela Ordem Jurídica396, sendo eles considerados na elaboração das normas constitucionais vigentes e, consequentemente, servindo como parâmetro de ação estatal.

Apesar das críticas feitas à divisão dos direitos fundamentais em gerações397, entende- se que essa é uma forma didática de apresentar a história dos mesmos ao leitor e, portanto, a referida classificação será utilizada com as devidas ressalvas.

395 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. P. 562

396 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 29.

397 A principal crítica é a ausência de linearidade histórica e de pertinência espacial quanto ao reconhecimento e

positivação dos direitos fundamentais, o que ocorreu (e ainda ocorre) de forma específica em cada país e em diverso momento temporal. Isso impediria a formação uniforme de categorias capazes de diferenciar uma geração da outra. Especificamente quanto ao uso do termo “gerações”, cita-se a exposição feita por Sarlet em torno do tema: “[...] não há como negar que o reconhecimento progressivo dos novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da

Num primeiro momento, a tutela jurídica é estendida aos chamados direitos fundamentais de primeira dimensão, consistente em direitos à vida, à integridade física e, enfaticamente, à liberdade. Pouco depois, positivou-se direitos à nacionalidade e, em maior ou menor escala a depender do regime governamental, direitos políticos.

Interesse ao trabalho, particularmente, os direitos sociais que se enquadrariam na segunda dimensão. O contexto histórico que antecedeu a positivação dos direitos sociais é bem conhecido: a revolução industrial atrai grande massa populacional, formada principalmente por camponeses, para as cidades e, lá, essas pessoas se submetem a condições degradantes de trabalho e moradia, o que conduz a notável desigualdade social, provocando graves problemas econômicos e sociais para o Estado. Surgiram, então, movimentos reinvidicatórios que pressionaram os representantes do Estado, forçando-os a exercer condutas que fossem capazes de redistribuir os bens sociais, amenizando os efeitos da desigualdade social.

Contudo, os ordenamentos jurídicos apenas incorporaram as exigências de igualdade material, de forma enfática, nas constituições elaboradas após a Segunda Guerra Mundial, que consagraram significativamente os direitos fundamentais sociais. Não se olvida que a segunda dimensão dos direitos fundamentais é composta, também, por liberdades sociais e também direitos fundamentais trabalhistas, entretanto interessa ao trabalho apenas o direito à saúde, compreendido como um direito social.

A positivação dos direitos sociais, no início do século XX, não foi suficiente à aplicação efetiva desses direitos que passaram, inicialmente, por uma crise de baixa normatividade e, muitas vezes, chegaram a ser encarados como direitos de eficácia duvidosa. Conforme Bonavides, essa inicial resistência poderia ser atribuída à idéia de que o Estado nem sempre possui meios e recursos suficientes para implementar as prestações materiais necessárias à conferir eficácia aos direitos sociais398.

Após esse período, muitos defenderam que as normas que veiculavam os direitos sociais teriam eficácia programática, entendimento que, de acordo com parte da doutrina, impossibilitava o controle judicial das prestações estatais, tal como já foi exposto em tópico anterior. Com o escopo de relembrar a problemática anteriormente descrita, apenas para fins didáticos, cabe citar a observação feita por Porto:

Relevante frisar que os direitos de segunda geração, consectários da justiça distributiva, historicamente, tiveram sua juridicidade questionada enquanto

expressão gerações pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual a quem prefira o termo „dimensões‟ dos direitos fundamentais” (SARLET. Op. Cit. p. 45)

se buscava anular sua potencialidade jurídica com a estratégia de remetê-los à esfera programática, sob a alegação de que não são dotados de coercibilidade, não há recursos orçamentários para implementá-los ou faltam instrumentos processuais adequados à sua tutela jurisdicional399.

Atualmente, predomina a concepção de que os direitos sociais possuem eficácia plena e aplicabilidade imediata na medida em que se enquadrem na categoria de direitos fundamentais. Particularmente, a Constituição Federal de 1988 traz a previsão de instrumentos jurídicos destinados ao controle judicial de constitucionalidade de atos e leis infraconstitucionais que contrariem ou inviabilizem o exercício dos direitos fundamentais, inclusive os sociais.

Inclusive, deve-se perceber que a Constituição atualmente vigente no Brasil possui uma característica bastante relevante que é a situação topográfica em que estão situados os direitos fundamentais. De acordo com Sarlet, a localização desses direitos traz um maior rigor lógico na medida em que atribui a eles a condição de parâmetro hermenêutico, uma vez que são entendidos como direitos que consagram valores superiores dentro de um Estado Democrático de Direito. Além disso, ao dedicar um capítulo específico aos direitos sociais inseridos dentro do título “Direitos e Garantias Fundamentais”, o constituinte afastou todas as dúvidas sobre a autêntica fundamentalidade de tais direitos400.

Constatado o caráter fundamental dos direitos sociais, deve-se dedicar atenção especial a seus aspectos essenciais e, principalmente, a sua função dentro do Estado Democrático de Direito, com ênfase às formas de proteção permitidas dentro da Ordem Jurídica brasileira.

Ensina Krell que “os direitos fundamentais sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais”401.

Nesse viés, entende-se que são direitos que contemplam interesses de uma coletividade a serem atendidos com a realização de serviços públicos, criados e organizados por diretrizes normativas externadas através da formulação de políticas públicas.

Ante ao que já foi explicitado sobre políticas públicas, resta descrever qual é o papel do Estado em relação aos administrados na atualidade, especificamente, no que diz respeito ao cumprimento dos direitos sociais e distribuição dos bens sociais.

399 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Direitos Fundamentais Sociais: considerações acerca da legitimidade

política e processual do Ministério Público e do sistema da justiça para sua tutela. 1 ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2006, p. 58.

400 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais: uma teoria geral dos direitos

fundamentais na perspectiva constitucional. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 66.

401 KRELL, Andreas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de

Diferentemente do Estado Liberal, caracterizado pela noção de suficiência da constituição formal, a partir do final do século XX, observa-se uma mudança do papel constitucional para o, então, recém-nascido Estado de Bem-Estar Social: se antes apenas havia preocupação em manter os governantes e agentes públicos afastados das relações privadas, nessa época, pleiteava-se pela intervenção do Estado nas relações sociais para que assim fosse garantida a igualdade material, por muitos concebida como igualdade de oportunidades. Neste diapasão, a Ordem Constitucional deveria não apenas tratar os indivíduos de forma igualitária, como também, assegurar que todos eles tivessem igual acesso às oportunidades. Essa igualdade material seria uma condição para o exercício das liberdades e demais direitos fundamentais.

No decorrer do século passado, destaca-se, ainda, que aspirações democráticas e transformações provenientes da sociedade de riscos originaram um novo modelo de Estado, que contemplasse a exigência de legitimidade da Ordem Constitucional.

Como a compatibilização entre os valores vigentes e à ordem jurídica expressa o grau de legitimidade do Direito Positivo, interessante destacar que a segurança e perpetuação da ordem dependem do respeito espontâneo dos indivíduos aos seus ditames. Em outras palavras, a legitimidade, então, pode ser vista como uma relação de confiança estabelecida entre as normas jurídicas e os cidadãos, destinatários. Nesses termos, Azevedo entende que a legitimidade é a um sentimento que nasce com a “crença, sedimentada pela vivência, de que suas instituições dão satisfação aos anseios populares, permitindo a realização e o desenvolvimento das potencialidades do maior número possível de pessoas”.402

Nesse contexto, passa-se ao estudo do direito a saúde mental que pode ser classificado como direito prestacional social de caráter fundamental, nos termos da Constituição Brasileira.

6.5 Direito prestacional à saúde mental e sua inclusão no conteúdo do mínimo

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