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4 CRISE NÃO. CRISES

4.1 CRISES DE FINANCIAMENTO E CIRCULAÇÃO

Quando se fala na crise do jornalismo, a que mais frequentemente se apresenta é a financeira. A tempestade perfeita descrita no capítulo anterior – e a maneira como os empresários responderam a ela – levaram a indústria das a grandes perdas financeiras, que ameaçam a subsistência das empresas e a própria sobrevivência da atividade, especialmente no que diz respeito a jornais impressos e digitais.

A indústria jornalística nos Estados Unidos sofre com uma grave e profunda sensação de que é moribunda, que o mundo jornalístico que ela conhecia está desaparecendo; que está derretendo não apenas durante o período de sua vida, mas diante de seus olhos (GITLIN, 2011, posição 2050, tradução nossa78).

O que, segundo Gitlin, já derretia em 200979, foi descrito nos anos seguintes como como turbulento (PICARD, 2010), explosivo (RAMONET, 2011) e, finalmente, uma falha de mercado80 (PICKARD, 2020). Não só nos Estados Unidos, mas mundialmente, os proprietários de jornais são confrontados com uma necessidade de transformação nos seus modelos de negócio.

Por mais de cem anos o negócio das organizações noticiosas não era o conteúdo e seus consumidores, mas sim oferta de audiência para os anunciantes. A partir da perspectiva comercial, as preocupações contemporâneas acerca da indústria não estão centradas fundamentalmente nas mudanças de conteúdo ou nas mudanças em seu consumo, mas sim nos efeitos daquelas mudanças de consumo no modelo comercial de oferta de audiências para anunciantes (PICARD, 2010, posição 92)

O financiamento por exposição à publicidade – que se encontra em decadência há quase duas décadas (ANDERSON, BELL e SHIRKY, 2013) – funcionou por mais de um século nos jornais impressos. Esse modelo de negócio, em que um produtor de conteúdo vende espaço e a atenção da sua audiência a um anunciante – grandes empresas ou mesmo indivíduos, através dos classificados –, foi aperfeiçoado no digital. Com o direcionamento de anúncios para públicos-alvo conhecidos e a possibilidade de mensuração de resultados, em contraste ao “tiro no escuro” que a publicidade em um impresso de massa representa, a verba publicitária gradativamente migrou para a internet – mais barata e mais certeira – e dos veículos generalistas

78 “The newspaper industry in the United States is afflicted with a grave and deepening sense that it is moribund, that the journalistic world they knew is vanishing; that it is melting away not just within their lifetimes but before their eyes.”

79 O texto citado neste capítulo foi escrito em 2009, mas usamos aqui a edição publicada no livro organizado por Robert McChesney e Victor Pickard, de 2011.

80 Victor Pickard (2020) utiliza o termo market failure para descrever a situação da indústria de jornais estadunidense. O autor exploca o conceito desta forma: “‘market failure’ é um termo que eu tenho usado diversas fezes e que genericamente significa a inabilidade de um mercado de alocar bens e serviços necessários socialmente de modo eficiente” (p. 65, tradução nossa).

e para as plataformas de busca e redes sociais. Essa mudança trouxe, não só novas e mais atraentes opções para quem quer anunciar, mas também uma nova cultura para a publicidade.

Hoje, na internet, o anunciante espera, cada vez mais, que até a publicidade tradicional tenha resultados mensuráveis – e a aposta na publicidade mensurável derruba as altas margens da fase áurea. A célebre dúvida do criador do conceito da loja de departamentos, o empresário norte-americano John Wanamaker – a de não saber exatamente qual metade da verba de publicidade era dinheiro jogado fora –, explica por que a mensurabilidade na publicidade põe ainda mais pressão sobre a receita (ANDERSON, BELL e SHIRKY, 2013, p. 36)

Com o interesse dos anunciantes em queda e a competitividade do meio digital em alta, fica cada vez mais difícil manter a sustentabilidade das redações a partir da publicidade. Esse fenômeno foi observado nos Estados Unidos, mas também em outros mercados, como o brasileiro. Apesar de o valor total investido pelas empresas em publicidade ter crescido 6,2% entre 2017 e 2019, de acordo com o Conselho Executivo de Normas-Padrão (Cenp)81 o montante destinado aos jornais (inclusas aqui suas plataformas digitais) caiu 21,5%. A participação dos jornais no total dos investimentos em mídia no Brasil era de 3,3% em 2017 e passou para 2,7% em 2019. E, no caso dos classificados, sites como o Mercado Livre, OLX, Craigslist e outros, além de comunidades no Orkut, páginas no Facebook e aplicativos, passaram a facilitar a venda pessoa a pessoa, sem o alto custo do intermédio de um jornal.

Apesar de não mais sustentá-la em 2020, a solução de financiar a indústria jornalística a partir da exibição de publicidade para grandes audiências pautou (e ainda pauta) o modus operandi do jornalismo online. Esse raciocínio pode ser visto tanto na ponta da produção jornalística, que busca indiscriminadamente por todos os cliques que puder alcançar, como na da audiência, que reclama quando precisa pagar por notícias no meio digital.

Foram os efeitos sociais do mantra cultural "a informação será livre" – não estritamente a materialidade da internet – que forjaram o torno econômico em que o jornalismo se encontra hoje espremido. Os jornais foram obrigados, por razões culturais, a renunciar à compensação pela força de trabalho que criava seu complexo produto. Só então se tornou economicamente impossível compensar os jornais pelo declínio da publicidade. Ao mesmo tempo, a feroz concorrência no mercado emergiu de novas formas de negócios – blogs agregadores de notícias – que podiam distribuir jornalismo sem pagar os custos de produção. Não é de admirar que as despesas com jornais tenham começado a exceder as receitas. O torno forjado pela tecnocultura começou a apertar. Os resultados dos jornais começaram a colapsar (ALEXANDER, 2016, p.7, tradução nossa82).

81 Entidade que reúne os principais anunciantes, veículos de comunicação e agências de publicidade do país. Cálculos feitos com base nos painéis divulgados pela Cenp em 2017, 2018 e 2019. Disponíveis em:

https://www.cenp.com.br. Acesso em 20 maio 2020.

82 “The social effects of the cultural mantra “information will be free” – not the materiality of the Internet stricly considered – forged the economic vise within which journalism finds itself squeezed today. Newspapers were compelled – for cultural reasons – to forgo compensation for the labor power that created their complex product. Only then did it become economically impossible to compensate newspapers for declining advertising. At the same time, fierce Market competition emerged from new business forms – news-aggregating blogs that could commoditize journalism without paying production costs. No wonder newspaper expenses began to far exceed

Desse modo, é preciso mostrar ao anunciante qual a audiência naquele site ou em cada página. Assim, surgiram – e se desenvolveram com rapidez – diversas ferramentas de aferição de audiência, que inicialmente informavam ao setor comercial quantos cliques e usuários havia em um site a cada momento. No entanto, essas ferramentas passaram a ser usadas também pelos editores, para averiguar quais as matérias mais clicadas. Quanto mais cliques, mais distribuição de publicidade — ou seja, mais dinheiro para o negócio. O crescente uso de ferramentas de aferição de audiência para guiar o trabalho dentro das redações a fim de aumentar os números de cliques – que se repete em outros modelos de negócio – torna parte do trabalho do jornalista também garantir a sustentabilidade econômica do veículo.

Outra questão que contribui para o problema de financiamento dos jornais é uma crise de circulação. A queda na venda de exemplares impressos nos Estados Unidos é perceptível, especialmente se comparada com o crescimento populacional.

Nos Estados Unidos, a circulação dos jornais vem caindo, per capita, em um ritmo constante desde 1960. Os jovens não estão lendo os jornais. Enquanto eles dizem que “olham” os jornais online, não fica claro quanto eles realmente o fazem. Nós podemos muito bem estar vivendo em meio a uma grande mudança no modo como nós enfrentamos o mundo, como nós absorvemos suas questões e produzimos sentido delas, uma mudança comparável àquela da cultura oral para a escrita entre os gregos, e a substituição para a impressão com tipos móveis na Europa dos séculos XV e XVI (GITLIN, 2011, posição 2094, tradução nossa83).

A circulação por habitante caiu 48% entre 1950 e 2004 (PICARD, 2010, posição 160). No período de apenas um ano, entre 2017 e 2018(NEWSPAPERS FACT..., 2019), os estadunidenses viram a circulação dos seus jornais impressos caírem 12% nos dias de semana e 13% aos domingos. Mesmo contabilizadas as edições digitais, ainda houve queda de 8% e 9% no ínterim, atingindo a marca mais baixa desde 1940. De acordo com reportagem da revista Forbes (ADGATE, 2020), a queda na receita de anúncios do começo da crise econômica mundial de 2008 até 2018 foi de 62%. Os dois maiores grupos de jornalismo impresso do país se fundiram em 2019. Em fevereiro do ano seguinte, aquele que então se tornara o segundo maior grupo declarou falência. Apesar de o cenário geral apresentar tendência de queda, o jornal The New York Times apresentou um crescimento mais acentuado no número de assinantes digitais logo após a eleição de 2016, fenômeno que foi apelidado de Trump bump (FROMMER,

revenues. The vise forged by Techno-culture began to tighten its grip. The bottom lines of newspapers caved in.”

83 “In the United States, newspaper circulation has been declining, per capita, at a constant rate since 1960. The young are not reading the papers. While they say they “look” at the papers online, it is not clear how much looking they do. We may well be living amid a sea change in how we encounter the world, how we take in its traces and make sense of them, a change comparable to the shift from oral to written culture among the Greeks and the shift to printing with movable type in fifteenth-and sixteenth-century Europe.”

2017). Essa aceleração foi observada até o segundo bimestre de 2017, quando o crescimento voltou ao ritmo registrado anteriormente (MOLLA, 2018). No Brasil, entretanto, essa derrocada dos impressos ocorre em outro ritmo.

Os efeitos da crise dos impressos só seriam sentidos no Brasil depois de 2000, com quedas sucessivas na primeira metade da década e alguma recuperação na segunda, conforme dados da ANJ. Susto maior viria em 2017, quando a circulação caiu para 5,6 milhões de cópias/dia. Entre 2013 e 2017, as perdas acumuladas chegaram a um terço do mercado (33,2%). O tombo foi grande entre 2016 e 2017: de 7,17 milhões de exemplares/dia, passamos a 5,66 milhões (- 21%). (CHRISTOFOLETTI, 2019, posição 174).

A queda de circulação de edições impressas se manteve em 2018 e 2019. De acordo com dados do Instituto Verificador de Comunicação (IVC)84, as dez maiores publicações do Brasil perderam 12,1%, o equivalente a 78,8 mil exemplares. Todavia, se somadas as edições digitais e impressas, o resultado brasileiro em 2018 e 2019 foi de recuperação. De acordo com o IVC, quatro dos cinco maiores jornais brasileiros tiveram circulação ampliada entre 2017 e 2018 (SACCHITIELLO, 2019) com algumas altas taxas de elevação, como 56% do O Estado de S. Paulo, e 74% do jornal O Globo. Em 2019 (SACCHITIELLO, fev. 2020), a tendência de crescimento entre as grandes empresas, puxada pelos números do digital, se manteve em três dos cinco maiores jornais do país, mas com taxas mais modestas. Folha de S. Paulo, líder em circulação no Brasil, cresceu 6,4%, e O Globo, segundo colocado, 7,2% em relação a 2018. A avaliação do setor no Brasil a respeito do crescimento é parecida com o ocorrido no The New York Times, atribuindo à conturbada situação política pós-eleição de Jair Bolsonaro o crescimento pelo interesse em veículos de notícias (SACCHITIELLO, jan. 2020).

Entretanto, o crescimento de audiência online não significa equilíbrio das contas, especialmente nas publicações que mantém os formatos impresso e digital ao mesmo tempo. Os altos custos fixos de um jornal em papel, cuja estrutura é usada para manter também os sites e aplicativos, não são supridos pela demanda cada vez menor do produto e nem pela demanda crescente do ambiente digital, que paga valores muito menores. O resultado disso é o crescente número de demissões de jornalistas, precarização do trabalho e a morte de muitos títulos, assuntos que serão tratados em específico mais adiante.

Uma das alternativas procuradas por jornais são as referidas assinaturas digitais – o modelo de paywall85. Apesar de amplamente experimentado, até o presente momento não há

84 Interpretados pelo site Poder360. PODER360 (A EVOLUÇÃO..., 2020).

85 Tradução literal: muro de pagamento. É um limite colocado pelos jornais para que, depois de acessar um número determinado de páginas ou conteúdos que o jornal identifica como exclusivos para assinantes, o usuário se depare com uma página de compras, em que ou paga para ter acesso àquela matéria em que clicou, ou deixa o site. Alguns jornais permitem que o leitor se conecte através de uma rede social e acesse um número, ainda limitado, mas maior de conteúdos.

claros indícios de que esse método terá capacidade de subsidiar a atividade jornalística noticiosa no meio digital para a maioria dos veículos. Na verdade, de acordo com o Digital News Report de 2020 (NEWMAN et al., 2020, p. 23), as pistas apontam para que esse modelo funcione melhor em jornais já grandes e conceituados, com marcas fortes e coberturas generalistas. Não é o caso dos jornais locais, por exemplo, ainda que uma minoria de leitores esteja começando a assinar também esses veículos para ter acesso ao noticiário de sua região. Segundo o relatório, ainda, cresceu a quantidade de pessoas que pagam por notícias ao redor do mundo, chegando a 13% em 2020. O relatório do ano anterior (NEWMAN et al., 2019), mostrava que a maioria dessas pessoas tinham propensão a pagar por apenas um veículo, e muitas já demonstravam uma “fadiga de assinaturas86”, ou seja, um esgotamento na sua disposição de pagar. Em 2020, muito do cenário de aumento nas assinaturas pode estar ligado à pandemia do coronavírus e, portanto, ser um comportamento passageiro, alertam os pesquisadores.

O jornalismo está competindo com outros serviços digitais, não só pela atenção, mas também pelo dinheiro do consumidor final – e a tendência é que perca. Os pesquisadores do Reuters Institute pediram que os entrevistados em 201987 decidissem, diante de um cenário em que precisassem escolher uma só, que assinatura digital teriam pelos próximos 12 meses. Nos grupos com mais de 45 anos, apenas 15% escolheram serviços de notícias. Nos mais jovens o cenário é ainda mais dramático: apenas 7% afirmam que manteriam assinaturas de jornais. Ou seja, jornalismo não é prioridade. Em 2020 (NEWMAN et al., 2020, p.22), o relatório trouxe um olhar mais apurado para aqueles países com um maior índice de assinantes. Nos Estados Unidos, houve um crescimento de quatro pontos percentuais em relação ao ano anterior, chegando a 20%. Na Noruega, o aumento foi de oito pontos e atingiu 42%. Ainda assim, vemos que é uma parcela muito pequena da população que paga por notícias.

No geral, os fatores mais importantes para aqueles que assinam [jornais] são a exclusividade e qualidade do conteúdo. Os assinantes acreditam que estão recebendo informações melhores. Entretanto, um grande número de pessoas está perfeitamente contente com as notícias que acessa de graça, e se observa uma alta proporção de não-assinantes (40% nos EUA e 50% no Reino Unido) que dizem que nada os poderia persuadir a pagar (NEWMAN et al., 2020, p. 11, tradução nossa88)

86 Tradução nossa. No original, “subscription fatigue” (NEWMAN et al., 2019, p.34).

87 Esta aferição específica não foi feita com grupos do Brasil. Os países pesquisados para esta questão foram: Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália, Irlanda, Noruega, Suécia, Finlândia, Bélgica, Holanda, Suíça, Áustria, Japão, Austrália e Canadá. (NEWMAN et al., 2019, p.12).

88 “Overall, the most important factor for those who subscribe is the distinctiveness and quality of the content. Subscribers believe they are getting better information. However, a large number of people are perfectly content with the news they can access for free and we observe a very high proportion of non-subscribers (40% in the USA and 50% in the UK) who say that nothing could persuade them to pay.”

Jeff Jarvis (2019) prevê que o modelo de paywall, ou de assinaturas, só deve mesmo funcionar para alguns veículos — aqueles que conseguirem provar o valor do conteúdo pelo qual se está pagando: “O erro que muitas empresas que aderem ao paywall cometem é de não entender o que pode motivar pessoas a pagarem pelo conteúdo” (JARVIS, 2019, tradução nossa89). Outra preocupação é que, na hipótese de escolher apenas um título, os assinantes optem por aqueles que já são os maiores do mercado, aumentando cada vez mais a concentração. O pesquisador acredita ser possível e necessário construir um modelo de negócio para o jornalismo digital baseado em valor real, a partir da compreensão das necessidades e motivações das pessoas para que o jornalismo possa servi-las. Entretanto, Jarvis (2019) chama a atenção quanto a três pontos: enquanto a maioria dos jornais aposta em paywall a propensão do público para pagar por conteúdo chega está no limite; muito do conteúdo pelo qual se cobra não vale a pena; e a maioria do conteúdo oferecido pode ser encontrado de graça em outros lugares. Os públicos já representam a fonte mais importante de dinheiro para 50% dos executivos de jornais (NEWMAN, 2020, p. 10), e outros 35% consideram publicidade e assinaturas particulares origens igualmente importantes de fluxo de caixa. Conforme era de se esperar, apenas para 14% dos entrevistados a verba publicitária ainda é vista como a principal. A necessidade de atrair públicos que paguem por informação está intimamente atrelada à obrigação de conquistar esses públicos para o consumo de jornalismo. Mas esse entendimento ainda é nebuloso em muitos produtos, em particular aqueles que vivenciaram a lógica de massa. A intenção dos veículos de comunicação, antes da internet ou agora, sempre foi atrair o maior número possível de pessoas. A migração desses veículos para o ambiente digital trouxe o desafio de continuar sendo crucial para as grandes audiências — mesmo que elas agora não sejam mais passivas, e sim ativas no consumo do conteúdo que a elas interessa (JENKINS, 2009).

Em vista disso, mesmo que os jornais tenham adotado esse modelo de paywall — em que o assinante tem acesso a todo o conteúdo produzido, mas o público não-pagante tem acesso limitado —, a mentalidade da busca por cliques não se desfez. Em redações e congressos do setor se ouve a analogia de que o site de um jornal deve funcionar como um shopping: quanto mais gente entrar e circular por ele, maior a chance de alguém parar em uma loja (ou no paywall) e, eventualmente, fazer uma compra. Desse modo, os jornais têm tentado atrair cada vez mais gente – indiscriminadamente – para seus ambientes digitais. Isso ocorre através das matérias caça-clique: textos que tratam de assuntos curiosos, bizarros; que não atendem aos

valores-notícia clássicos, ligados ao papel social do jornalismo, mas sim à atratividade de audiência. Ademais, o público acaba enxergando utilidade no acesso e não no conteúdo (se paga para poder “passar pela porta”, não necessariamente por aquilo que há atrás dela), o que afasta a percepção de valor para longe da notícia. Assim, o argumento de que determinada notícia é encontrada gratuitamente em outro veículo vence com facilidade, pois não se percebe estar pagando pelo conteúdo de qualidade – e também porque muitas vezes ele não tem essa qualidade –, mas pela entrada. Quando o que está do lado de dentro do paywall é um texto exclusivo de colunista, temos uma maior percepção de valor, de estar pagando por um conteúdo exclusivo. Todavia, ao refletir a percepção de que apenas a coluna de opinião é um conteúdo que tem valor (mesmo financeiro), o jornal contribui para uma supervalorização do jornalismo opinativo, novamente, e uma desvalorização de outros papéis do jornalismo. Outra preocupação, refletida também no relatório Reuters (NEWMAN et al.,2019), é de que apenas as elites econômicas possam consumir conteúdos de qualidade na internet e em papel, aumentando ainda mais o abismo de acesso à informação entre as populações ricas e pobres. Voltaremos à ideia de valor em seguida.

A maioria (73%) dos executivos de empresas jornalísticas entrevistados pelo Reuters Institute (NEWMAN, 2020) diziam se sentir muito confiantes sobre as perspectivas de suas empresas em 2020. Entretanto, menos da metade (46%) desse mesmo grupo se dizia confiante acerca do jornalismo de modo geral. “Estou preocupado que tradicionais jornais locais estão soterrados por dívidas corporativas, verba publicitária em queda e uma transição lenta para receitas digitais”, disse aos entrevistadores Jeremy Gilbert, Diretor de Iniciativas Estratégicas do Washington Post (NEWMAN, 2020, p. 9, tradução nossa90). Esses dados nos parecem mais uma demonstração de que a indústria não enxerga as crises do jornalismo como desafios que se deve enfrentar de modo coordenado em prol da sobrevivência de uma atividade fundamental para a democracia, mas sim, como problemas individuais de fluxo de caixa a que cada empresa