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Para além das concepções racionais e definições científicas, a produção de sentido passa por aspectos que vão além de seus conceitos. Esta pesquisa olha para essa complexidade de significado sob a ótica do imaginário, através da elaboração teórica de Juremir Machado da Silva.

Essa perspectiva está implícita em toda a exposição feita aqui em camadas de reflexão: imaginário é aquilo que sobra, um excedente de significação extraído daquilo que se viveu por um processo de seleção cognitiva e emocional do aparelho psíquico (SILVA, 2017, p. 168).

Parte da conceituação do jornalismo – e, portanto, da definição das suas funções – passa pelo imaginário. Ou pelos imaginários, no plural. Qual o excedente de significação percebido por cada camada da sociedade? Como esse imaginário se transformou ao longo dos tempos? É possível identificar o que seria o jornalismo imaginário? Ou o imaginário do jornalismo? De acordo com o autor, não existe um imaginário único; há sentidos múltiplos e interpretações diversas. Mas há também imaginários comuns, coexistentes.

[O imaginário] Serve de agregador social, de organizador de práticas grupais, de cola tribal, de motivador existencial, de horizonte individual ou simplesmente de parâmetro de investigação" (SILVA, 2017, p. 42).

Desse modo, qual seria a aura do jornalismo – e do jornalista – para seus públicos? Se em tudo com o que nos relacionamos há também um relacionamento através do imaginário, qual seria o curso de um imaginário acerca do jornalismo no século XXI? Por mais que se tente

reduzir essa noção a algumas imagens possíveis, não é possível traçar a caricatura – ou uma única caricatura – capaz de abranger o que o jornalismo é, em seu significado, e também no excedente desse significado; no que ele é ao exercer sua definição. Neste trabalho, no entanto, exploraremos imaginários possíveis — para que possamos compreender um possível choque entre o jornalismo e a pós-modernidade.

O imaginário é algo sentido (SILVA, 2017), e não uma única verdade. Mas esse sentimento certamente provoca ações; é inerente ao modo como recebemos as notícias. O imaginário sobre a Rede Globo faz parte das notícias lidas pelo apresentador do Jornal Nacional. O sentido além do significado do jornalista William Bonner, e tudo o que envolve seu nome, e o que as pessoas pensam (e sentem) sobre ele, está intrínseco em seu discurso enquanto lê as notícias do Jornal Nacional. Se é publicada uma matéria sobre sua nova namorada, isso passa a fazer parte do imaginário acerca de William Bonner — que estará presente quando sua imagem aparecer na televisão, e sua voz ler as notícias. Se for uma notícia sobre divórcio, provavelmente o contexto do final do seu relacionamento com a também jornalista Fátima Bernardes, e seu novo namoro, vão pipocar na mente do telespectador. Tudo pode fazer parte do imaginário.

O imaginário, porém, é um agendamento paradoxal: não se pode ter certeza do curso das águas nem do momento em que se dará a acumulação, o represamento, a onipresença, a formação temporal do rio cuja saliência se fixará como uma aura (SILVA, 2017, p. 100).

Que tem isso a ver com credibilidade? O sujeito puramente racional – inexistente, meramente hipotético – diria que é um absurdo qualquer informação ser relevante para a escolha de um ou outro veículo de comunicação, senão credenciais como: a qualidade de seus profissionais, prêmios recebidos, e sua capacidade de trazer informação exclusiva e atualizada, com análises aprofundadas. O bom jornalismo é indiscutível e absolutamente objetivo – em sua teoria.

O sujeito racional e consciente não passa de um imaginário cartesiano disseminado pela ciência e louvado pela lógica da produção. De certo modo, o que se destaca nesse ser árido é exatamente a sua falta de imaginário. Ele imagina, sonha e acumula imagens, mas não se submete. Ou, dito com a cautela do condicional, não se submeteria ao império selvagem dos imaginários que sujeitam como paixões e dominam como tiranos. O imaginário triunfa sobre o racional, engloba o irracional, o não racional, o emocional, o passional, a intuição e o fantástico. Faz sentido. Fazer sentido quer dizer construir significado (SILVA, 2017, p. 64).

É o culto à objetividade extrema (SILVA, 2017), à imparcialidade, à necessidade de mostrar os dois lados. Ao mesmo tempo, o monopólio, as inclinações ideológicas, o poder econômico e político, os erros; todos estes também são parte do que se percebe sobre jornalismo para além das notícias.

Um jornalismo racional e preciso, útil e agregador, só existe no imaginário dos repórteres e editores. Esse jornalismo quer matar a subjetividade, exterminar a ambiguidade, acabar com a corrupção e as fake news. É a perfeita figura do homem moderno: racional, utilitarista, progressista e positivista. Essa projeção que se quer real, do salvador da sociedade e da democracia, é o que se quer transmitir através do jornalismo. No entanto, não há controle sobre o que mais é colocado sobre sua imagem idealizada.

O real expressa o céu cinzento enquanto o imaginário transforma as nuvens em utopia. O imaginário sempre escapa. É aquilo que se acrescenta inconscientemente ao acontecido, mas que se torna, depois de fixado, a única consciência possível do existente (SILVA, 2017, p. 58).

O jornalismo se faz imagem, como um Dom Quixote enfrentando moinhos de vento. Mas tal como a personagem, está perdido na ilusão de si mesmo — tão inebriado com sua própria autoimagem que não percebe como essa imagem se relaciona com o restante do mundo. Na evolução da sociedade industrial, esse salvador foi necessário. Era importante acreditar no watchman, uma entidade que zelasse pelo que era certo, como o jornalismo se pretendia. Aquele jornalismo, que espalhava as informações mais importantes, mantinha vigiados os políticos, agendava as conversas e formava a opinião do público. O imaginário de um jornalismo sólido foi indispensável para o progresso da modernidade.

O imaginário se dá a ver por meio de imagens, não as suas imagens, mas figuras de abordagem, analogias de aproximação. O imaginário é um filme que precisa ser revelado. Uma película com aura (SILVA, 2017, p. 139).

Contudo, os tempos mudaram. Nas palavras de Michel Maffesoli, os tempos retornaram e o zeitgeist22 do presente não é mais o do progresso: é o da progressividade. A imagem do jornalismo, cunhada na modernidade, resiste ao olhar pós-moderno?

Mais tarde, esse sagrado foi projetado na política, no Estado, nas instituições. Mas as religiões seculares do século XIX (marxismos ou socialismos) mantiveram uma estrutura idêntica: é no amanhã que poderemos gozar a vida sem ser alienados pelas imposições político-econômicas (MAFFESOLI, 2012, p. 26).

Ao longo da história dos produtos culturais, repetidamente se almejou retratar a imagem do jornalismo. Nesta pesquisa, acreditamos que olhar para o que a cultura pop reflete acerca de algo ou alguém pode nos trazer indícios sobre o imaginário em torno desse objeto.

Só se pode ter acesso ao imaginário por analogia, por metáfora, por aproximações que tateiam, por pinceladas sucessivas. Nesse sentido, a força do imaginário está na sua irredutibilidade ao racional (SILVA, 2017, p. 147).

22 Palavra em alemão que significa “o espírito de uma época” ou “o espírito do tempo”, utilizada para abranger o clima intelectual e cultural de um período.

Além das citadas anteriormente, outra teoria do jornalismo é a denominada gnóstica, e se refere à cultura do jornalista: seus jeitos, seus vocabulários, seus valores. Discorre sobre o que dá identidade de grupo aos jornalistas. Algo que é passado de geração a geração: “Acredito que a identidade da comunidade jornalística é formada por uma estrutura gnóstica. Não no sentido religioso, mas sim no caráter fáustico e restritivo de seus costumes, vocabulário e ritos de iniciação” (PENA, 2010, p. 139). O jornalista é um ser que reconhece a si e a seus companheiros. Os profissionais dessa área seguidamente se casam com colegas de redação, onde também estão seus melhores amigos, ex-companheiros, padrinhos de seus filhos, e até inimigos — todos misturados em uma grande comunidade que liga uma redação e outra. O efeito desse compartilhamento de cultura no jornalismo como instituição, e como produto, nos leva a crer que compreender a finalidade do jornalismo passa também por considerar a figura por trás da notícia.

O jornalismo é uma das profissões em que se encontram mais pessoas inquietas, insatisfeitas, revoltadas ou cinicamente resignadas, em que se exprimem muito comumente (sobretudo ao lado dos dominados, evidentemente) a cólera, o asco ou o desencorajamento diante da realidade de um trabalho que se continua a viver ou a reivindicar como “não como os outros”. Mas se está longe de uma situação em que essas amarguras ou esses repúdios poderiam tomar a forma de uma verdadeira resistência, individual e sobretudo coletiva (BOURDIEU, 1997, p. 53-54).

Jornalistas, como todos os outros seres humanos, podem ser vistos de diferentes formas. A visão de Pierre Bourdieu sobre esses profissionais não está longe da realidade. É

uma realidade. Outra, é uma imagem romântica de que esses profissionais, de fato, têm uma

função social que os diferencia de outros. Outra realidade.

Como já foi sugerido, a nossa proposta teórica reconhece que o trabalho jornalístico é altamente condicionado, mas também reconhece que o jornalismo, devido a sua “autonomia relativa”, tem “poder”, e, por consequência, os seus profissionais têm poder. Os jornalistas são participantes ativos na definição e na construção das notícias, e, por consequência, na construção da realidade (TRAQUINA, 2005, p. 26).

Talvez os jornalistas não tenham o poder de construir a realidade única e absoluta, mas eles podem ajudar a construir uma realidade, a que os seus leitores percebem – ainda que, às vezes, a descubram justamente para crer no exato oposto. Um aspecto continuadamente exigido é a objetividade, tema de debates extensos nas redações — e que segue os profissionais nas mesas de bar e nas universidades. É frequentemente entendida como princípio fundamental do jornalismo, além de uma técnica a ser exercida. Contudo, para Kovach e Rosenstiel (2014, p. 10, tradução nossa23), essa noção de objetividade jornalística foi distorcida de sua real função:

23 “Objectivity was not meant to suggest that journalists were without bias. To the contrary, precisely because journalists could never be objective, their methods had to be. In the recognition that everyone is biased, in other words, the news, like science, should flow from a process for reporting that is defensible, rigorous, and

Objetividade não significa sugerir que os jornalistas não poderiam ter um viés. Ao contrário, precisamente porque os jornalistas jamais poderiam ser objetivos, os seus métodos precisavam ser. Em reconhecimento de que todo mundo tem um viés, em outras palavras, as notícias, como a ciência, deveriam fluir de um processo de reportagem que é justificável, rigoroso e transparente – e esse processo é ainda mais crítico na era das redes.

As questões em torno da objetividade jornalística, da imparcialidade e mesmo debates sobre a importância da verdade no jornalismo são diversas. Tuchman (1999), conforme discutimos anteriormente, aponta para as rotinas jornalísticas – e suas adversidades – como tentativas dos profissionais de buscar um distanciamento dos fatos a ponto de leva-los ao público do modo mais objetivo possível. Amaral (1996) explora a dicotomia entre objetividade e subjetividade, entre a existência de um fato em si ou apenas a partir da experiência do sujeito em relação a ele. Gomes (2009) aponta para a perspectiva, ou seja, tudo o que é experienciado só o é feito a partir do sujeito que olha, da sua visão e perspectiva, e essa condição é inerente ao humano.

Independente da visão teórica que se assuma acerca do papel da objetividade jornalística, essa imagem do “jornalista imparcial” é intrínseca ao imaginário de jornalismo, ainda que essa ideia de imparcialidade seja um conceito ele próprio difícil de definir: “Quem consome as informações também o faz porque acredita que o produto jornalístico é o resultado de um trabalho comprometido, que condiz, pelo menos em algum grau, com a verdade dos fatos” (HENRIQUES, 2018, p. 257).

Com efeito, é sempre desde interesse jornalístico que jornalista vem a ser um sujeito que acredita que tudo aquilo que é trágico tem mais valor, e que acidente de trânsito vem a ser notícia jornalística, na forma como diariamente vem a ser, para dar apenas um exemplo. No jornalismo, o fato, que costuma ser compreendido como equivalente a objetividade nela mesma, e a perspectiva, que costuma ser entendida como um elemento posterior que é acrescentado pela subjetividade do jornalista, são, na verdade, ontologicamente uma mesma realidade que se dá num único e mesmo ato. Na perspectiva jornalismo, tanto os acontecimentos quanto os jornalistas se mostram e se realizam de uma certa, e não de outra, maneira. Os dois termos só são desde essa perspectiva inaugural (HENRIQUES, 2018, p. 266).

Essa discussão, que parece ultrapassada em um primeiro momento, muitas vezes é utilizada para descrever a profissão do jornalista, e o jornalismo. E se o jornalista não é aquele que tem objetividade, que olha com retidão para os fatos e os traduz como são, é quem?

A realidade, e os fatos, estão sob questionamento, como veremos no próximo capítulo. E se a realidade e os fatos são a matéria-prima do jornalismo, no momento em que são questionados, parece que não resta mais matéria-prima para trabalhar. O próprio jornalista se encontra nesse meio do caminho, na falta de certezas e de objetivos. Novamente, qual a função do jornalismo e do jornalista? No jornalismo da pós-modernidade, não há chão. E, no meio de

tantas verdades — pois não há uma só —, o profissional se perde outra vez mais. A única verdade que parece dominar é o famoso tapinha nas costas, o like nas redes sociais, o retweet.

Há mais de um século, Honoré de Balzac, em seu texto Monografia da Imprensa Parisiense — incluso no livro Os Jornalistas —, tipificou estes profissionais em caricaturas que, lidas nos dias de hoje, continuam fazendo sentido, especialmente para quem frequenta as redações. A diferença talvez seja que ao invés de escondidos atrás de máquinas de escrever ou grandes bancadas, os profissionais estão agora nas redes sociais, e são alvo de ataques e bajulações, com o ego à vista e ansiosos por likes e compartilhamentos.

Há, entre os tipos delineados por Balzac, o gênero “O Publicista”, que assim é descrito: “De generalizador sublime, de profeta, de pastor das ideias que era outrora, o Publicista é agora um homem ocupado com os compassos flutuantes da Atualidade” (BALZAC, 2015, p. 22). Deste, ramificam-se cinco variedades; destacamos a primeira, o Diretor-Redator-em-chefe-proprietário-gerente:

Um jornal, para ter uma longa existência, deve ser uma reunião de homens de talento, ele deve fazer escola. Infelizes os jornais que se apoiam em apenas um talento! Na maior parte do tempo, o diretor fica com ciúmes de pessoas de talento que lhe são necessárias, cerca-se então de pessoas medíocres que o bajulam e lhe fazem seu jornal bem barato. Morre-se sempre sendo o jornal mais bem-feito de Paris (BALZAC, 2015, p. 25).

Quem é o jornalista de talento hoje em dia, quando a diferença entre um veículo e outro não parece tão visível e, ao decidir qual dos jornais ler, o leitor escolhe uma verdade, e não um jornalista.

E o jornalismo, se não é como outras profissões em certos aspectos, é igual em outros. Um deles é a impressão de que qualquer um sabe como ser jornalista e fazer jornalismo. Dentro de todo brasileiro tem um treinador de futebol, um médico, um advogado, um juiz e um jornalista; e melhor do que todos os outros. A profissão não tem defendido a si mesma como poderia: quanto mais “leitores-repórteres” aparecem, menos o “repórter-repórter” é necessário. O jornalismo atual está na vitrine, que de receptora constante de críticas, passa a ser totalmente ignorada. Se essa não serve, outra trará a verdade; a minha verdade.

O jornalismo moderno, no seu jargão asfixiante, cobria os eventos para descobrir os fatos. O jornalismo pós-moderno descobria a cobertura como uma forma de desconstrução da sua própria narrativa técnica. O jornalismo hipermoderno está nu. Nada, porém, emana da sua visibilidade excessiva, salvo um brilho sem mais reflexão (SILVA, 2012b; § 22).

Despido de sua técnica, que já não serve; de seu status, que já não existe; e de sua especialidade, que a todos já parece comum, o jornalista nu se agarra à sua moral.

Todo jornalista, do ocasional cidadão sentinela ou freelancer na redação, ao administrador que visita a sala das reuniões de pauta, deve ter um senso pessoal de

ética e responsabilidade – um guia moral. E mais, jornalistas têm a responsabilidade de expressar sua consciência pessoal em voz alta e permitir que outros a sua volta também o façam (KOVACH; ROSENSTIEL, 2014, p. 272, tradução nossa24).

Se o jornalismo precisa se fazer possível na pós-modernidade, e se atualizar, o jornalista também. Sem falsidade, precisa desencastelar, descer do salto, entender o que leva o seu leitor a sentir cada vez mais indiferença por ele. E isso passa por simultaneamente compreender seu lugar no mundo, sua responsabilidade frente à sociedade, e não se julgar maior que ela. As grandes instituições — os castelos —, estão, um a um, a ruir na pós-modernidade, o que veremos no próximo capítulo. Se o jornalismo não quiser ser outro desses cadáveres a deteriorar em praça pública, precisa resgatar seus valores, compreender quais fazem ainda sentido, identificar se há novos valores a agregar — e arregaçar as mangas. A briga do jornalista para voltar a ser reconhecido como personagem significativa da sociedade não pode tornar-se uma briga contra esta. O discurso enérgico do jornalista que quer voltar a ser relevante, mas que ninguém ouve, é a imagem de um velho gritando com uma nuvem.

Figura 3 - Cena de Os Simpsons que mostra um recorte de jornal noticiando “Velho grita com nuvem”

Fonte: OLD MAN..., [20--]

Entre 1998 e 2000, um grupo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) realizou uma pesquisa chamada O Ofício do Jornalista: da sala de redação à tela de cinema. Seu objetivo era:

conhecer a produção cinematográfica sobre jornalismo, sem distinguir filmes em que os jornalistas são os personagens principais ou as salas de redação o cenário da ação,

24 “Every journalis, from the ocasional citizen sentinela or freelancer to the newsroom, to the manager who visits the boardroom, must have a personal sense of ethics and responsibility– a moral compass. What's more,

journalists have a responsibility to voice their personal conscience out loud and allow others around them to do so as well.”

de filmes em que os jornalistas comparecem como personagens secundários (BERGER, 2002, p. 15).

No livro, podemos identificar diferentes amostras das formas como o jornalismo é retratado no cinema, especialmente até o início dos anos 2000. Sobrecarregado e sem família, desleixado com a vida pessoal e a aparência, o jornalista só se importa com a verdade, a justiça e a ética.

Em um estudo sobre a imagem do jornalista no cinema, Stella Senra (1997) relembra a evolução dessa representação. Nos anos 1950, os donos de jornais eram jornalistas e traziam um forte senso justiceiros, de busca pessoal. Nas décadas seguintes, 1960 e 1970, surgem um forte senso de responsabilidade com a população, e a função de watchdog – uma das obras mais lembradas sobre jornalismo, Todos os Homens do Presidente, é de 1976 e ilustra essa característica.

Para a autora (1997, p. 21), é nos anos 1980, quanto o jornalismo entra no capitalismo que a imagem do jornalista também vai se transformando:

Incorporação de padrões racionais de decisão na esfera da produção e circulação de mercadorias em geral, e na ampliação dos respectivos mercados, incorporação e ampliação que se efetivariam também na empresa jornalística, remodelando todo o processo de fatura da notícia.

Se considerarmos a história do jornalismo, essa é a década em que temos um crescimento exponencial da importância mundial da televisão — e também o nascimento da guerra por audiência, que acarreta consequências na produção de jornalismo desse meio e dos demais. É claro que o sensacionalismo não surge com a televisão; a penny press e o jornalismo amarelo – ou marrom – são vistos desde o século XIX no meio impresso. A televisão, no entanto, carrega essa característica ao extremo. O que também ocorre, conforme Senra, é uma intensificação de imagens do jornalismo como técnica em exercício, um mero recolher e interpretar as informações; ou como arte, em que a população é mero público espectador. Interpretando Laymert Garcia dos Santos, a autora fala de uma divisão da visão do jornalismo entre três: como serviço público, como técnica, e como arte. Senra (1997, p. 25) afirma:

Da enumeração dessas três funções o autor aponta uma tendência fundamental para o exame da imagem do jornalista a partir dos anos 80: com efeito, se estas três funções interpelam práticas de diferentes ordens, no jornalismo do período pode-se detectar