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3 PÓS-TUDO: OS CONTEXTOS DE UM MUNDO EM ESPIRAL

3.5 PÓS-VERDADE, VIÉS DA CONFIRMAÇÃO E FAKE NEWS

Ainda que não seja comum nos trabalhos acadêmicos, aqui esta pesquisadora pede licença para contar uma situação vivida em março de 2020. Em meio à pandemia do novo coronavirus (Covid-19), eu estava no período de doutoramento sanduíche na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, Portugal. Há muitos grupos de Whatsapp compostos por bolsistas de doutorado da Capes, criados para apoio mútuo e dividir informações – mas que, como todo grupo, acaba servindo muito mais para trocas de piadas, figurinhas, notícias e debates políticos. A questão é que um deles – chamado Doutorandos em Lisboa –, tem uma política muito restritiva de acesso: o sujeito que quer participar precisa comprovar à mediadora que já está em solo português e que realmente é pesquisador. Portanto, todos os seus membros, naquela altura, cerca de 80, teoricamente são estudantes de pós-graduação ou concluíram recentemente seu curso de doutoramento, são brasileiros e estão ou estiveram recentemente residindo em Lisboa.

Na sexta-feira, 13 de março, o colunista do jornal O Dia Leandro Mazzini (2020) publicou matéria, apontando fonte ligada ao presidente, que Jair Bolsonaro teria testado positivo para o novo coronavírus e estaria aguardando o resultado de um segundo teste. A suspeita veio após membros da comitiva do Planalto que viajou aos Estados Unidos terem sido diagnosticados com a doença. No mesmo dia, Bolsonaro afirmou que o teste dera resultado negativo, entretanto, novos testes seriam feitos para confirmação. A imprensa nacional e internacional, em matérias online e no Twitter, teve reações diversas e divergentes, algumas com confirmações de positivo e outras de negativo. O caso mais célebre foi da rede americana Fox News, que confirmou o laudo positivo apontando Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, como fonte (BULLA, 2020). Depois de Eduardo Bolsonaro ir ao Twitter desmentir a emissora americana, a Fox News divulgou o novo posicionamento, entretanto sustentou que a primeira informação teria vindo diretamente do deputado (IRVINE, 2020). O jornalista do The Intercept

Glenn Greenwald realizou reportagem extensa sobre o ocorrido. Na matéria (GREENWALD, 2020), membros do próprio canal Fox News afirmam que Eduardo Bolsonaro mentiu ao canal americano. Há muitas especulações a respeito de todo esse episódio. Alguns dizem que Bolsonaro tentava esconder resultado do seu exame, outros que a intenção foi, mais uma vez, desacreditar a imprensa frente ao público.

Em meio a essa confusão, o link da matéria do jornal O Dia circulou nas redes sociais e também no Whatsapp. No sábado, quando toda a questão da Fox News estava em pleno curso, um membro do grupo citado no começo desta história enviou o link do O Dia. Imediatamente, outra pessoa respondeu dizendo “fake news”, conforme é possível ver na figura abaixo – que teve os nomes e contatos das pessoas suprimidos.

Figura 12 - Printscreen mensagens grupo Doutorandos em Lisboa (1)

Fonte: a autora, 2020

Expliquei que aquela era uma notícia que estava desatualizada, mas não uma fake news, por definição, e que a disseminação desse termo era prejudicial ao jornalismo. Em vão. Então tentei argumentar, trouxe alguns dos conceitos de fake news – que apresento a seguir – e apelei para o fato de todos sermos pesquisadores, da necessidade de cientistas apoiarem a visão acadêmica desse tipo de questão. Ainda em vão:

Fonte: a autora, 2020

Episódios como esse certamente não ocorreram apenas comigo. Entretanto, utilizo aqui esse caso para demonstrar três coisas: 1. O entendimento geral sobre o que é fake news é difuso, complexo e equivocado, inclusive dentro das comunidades mais privilegiadas; 2. As ciências sociais aplicadas são muitas vezes desprezadas enquanto ciência por parte da população acadêmica (como podemos resolver isso?); 3. A propaganda “contra a imprensa” faz vítimas em todas as camadas. Enquanto jornalista, acadêmica e professora, considero minha obrigação esclarecer informações falsas ou entendimentos equivocados quando tocam a minha área de estudo, sempre tentando manter calma e serenidade. Entretanto, estamos a chegar em um ponto complexo dessa questão, também motivadora deste trabalho. Como voltar para próximo da população – de toda ela – a ponto de melhorar seu entendimento e seu respeito sobre e com o jornalismo? É impressionante como, quando pesquisamos, nossas questões de investigação nos assombram o tempo inteiro.

A necessidade de haver jornalismo passa por mais do que a manutenção da democracia, visto que as informações cotidianas nos inserem no contexto histórico, econômico, político e cultural (CHRISTOFOLETTI, 2019). Ele é formador da identidade, cola social dos indivíduos, construtor da realidade comum que partilhamos (TUCHMAN, 1978).

No entanto, é justamente essa “realidade comum” que está em sendo colocada em questão. Nesse contexto pós-moderno (MAFFESOLI, 2012), em que vivemos em bolhas (PARISER, 2012) formadas pelos algoritmos que distribuem as informações – nem sempre jornalísticas – de acordo com as preferências do público, a própria realidade é relativizada pelos indivíduos.

O jornalismo como o conhecemos, praticamos, estudamos e ensinamos é um produto do Iluminismo, conceitual e literalmente. Ele se apoia na crença de que a verdade pode ser descoberta, observada e gravada. E, também, que pode ser comunicada e entendida por esses cidadãos que, desse modo, podem debater livremente e agir a partir dessas informações recebidas, se assim desejarem. A verdade, nesse ponto de vista, é dicotômica – algo que ou é verdade, ou não é – mas não é imutável; novas informações, na forma de descobertas científicas ou novos acontecimentos, ou simplesmente reportagem mais confiável podem levar a novas verdades. Pensadores do Iluminismo estavam tranquilos em relação à subjetividade de opinião; de fato, as vozes que expressavam visões diversas, contraditórias ou mesmo – especialmente na América e na França – revolucionárias aumentaram progressivamente ao longo desse período. Mas a ideia de subjetividade da verdade era um oximoro (SINGER, 2019, p. 2, tradução nossa)

Quando informações diferentes alimentam pessoas diferentes, a convergência de assuntos, crenças e, por que não, verdades é cada vez menor. As discussões não ocorrem mais baseadas no cérebro, mas no estômago. Como dito anteriormente, o emocional toma conta. Governos e políticos autoritários se beneficiam desse tipo de ambiente, trazendo à tona os

preconceitos e medos da sociedade para, sobre eles, criar soluções mágicas e cortinas de fumaça para convencer e confundir a população.

Primeiro, as pessoas não funcionam racionalmente e sim a partir de emoções. As pesquisas mostram cientificamente que a matriz do comportamento é emocional e, depois, utilizamos nossa capacidade racional para racionalizar o que queremos. As pessoas não leem os jornais ou veem o noticiário para se informar, mas para se confirmar. Leem ou assistem o que sabem que vão concordar. Não vão ler algo de outra orientação cultural, ideológica ou política. A segunda razão para esse comportamento é que vivemos em uma sociedade de informação desinformada. Temos mais informação do que nunca, mas a capacidade de processá-la e entendê-la depende da educação e ela, em geral, mas particulamente no Brasil, está em muito mau estado (CASTELLS, 2019)

A crise no jornalismo é uma crise também em outros diversos aspectos da sociedade e da democracia, como visto. E o Brasil, com todos os problemas estruturais de uma sociedade com a história que tem, sofre por uma educação deficitária, uma cultura da competição e um capitalismo selvagem.

Essas realidades paralelas que se vão criando dentro da própria sociedade – ainda por cima das realidades paralelas geradas pelos abismos da desigualdade social e econômica – , resultam em uma sociedade altamente fragmentada, outro terreno fértil para governos autoritários. Dentro de cada pedacinho da sociedade, se algo não está a contento, é taxado de fake news73, e em grupos de Facebook e Whatsapp as diferentes versões da realidade vão circulando conforme a preferência do freguês. Matéria da Folha de S. Paulo mostrou que, nas eleições brasileiras de 2018, houve envio maciço ilegal de mensagens políticas e partidárias pela rede social Whatsapp (MELLO, 2019) em grande parte informações falsas, com a intenção de enganar o eleitor e fazê-lo votar em um candidato ou odiar o outro. Sem a intermediação de jornalistas que possam contestar as informações falaciosas, as mentiras circulam livremente, muitas vezes inclusive travestidas de reportagens, pegando de empréstimo o que resta da credibilidade jornalística e a destruindo no processo.

Com tecnologias da informação, que suportam o mercado global, e bio- tecnologias, que fantasiam melhorar a vida humana, na confluência umas e outras de “desejo, valor e simulacro” (Foucault, in Klossowski, 1997: 9), temos a crise da razão histórica, ou seja, a crise das grandes narrativas (Lyotard: 1979), e também a crise do narrador (Benjamin, 1936-1939), com a consequente crise da verdade, e simultaneamente o “empobrecimento da experiência” (Benjamin, 1933), a qual se esgota em excitação, efervescência, espectáculo, euforia, simulacro, meros “guardiões do sono” da razão, como assinalou Guy Debord (1992: n. 21)2. (MARTINS, 2011, p.27)

Em 2016, o termo post-truth (pós-verdade) foi escolhido pela Oxford Dictionaries a palavra de língua inglesa do ano. Ela se refere a um contexto “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do

que apelos à emoção e a crenças pessoais” (FÁBIO, 2016). As pessoas tendem a acreditar no que lhes convém, o que desenha um fenômeno chamado de “viés da confirmação”.

A bolha dos filtros tem de amplificar drasticamente o viés da confirmação – de certa forma, é para isso que ela serve. O consumo de informações que se ajustam as nossas ideias sobre o mundo é fácil e prazeroso; o consumo de informações que nos desafia a pensar de novas maneiras ou a questionar nossos conceitos é frustrante e difícil. É por isso que os defensores de uma determinada linha política tendem a não consumir a mídia produzida por outras linhas. Assim, um ambiente de informação baseado em indicadores de cliques favorecerá o conteúdo que corrobora nossos sonhos existentes sobre o mundo, em detrimento de informações que elas questionam (PARISER, 2012, p. 62).

A pós-verdade e a polarização de opiniões, em que discussões políticas soam como apaixonados debates futebolísticos, desafiam aquele jornalismo com premissa na verdade e na informação, descrito no capítulo anterior.

A verdade e a objetividade por vezes não agradam. Uma prova disso é que, no artigo "Com Facebook, blogs e fake news, adolescentes rejeitam ‘objetividade’”, a pesquisadora Regina Marchi concluiu que a atual geração de jovens prefere textos opinativos a informativos. Mais uma vez, esses argumentos, usados por autores de opinião, parecem mais uma ferramenta para reforçar ideários já construídos. É um sistema que se retroalimenta dentro de um mesmo grupo de pessoas e pensamentos, de forma que se torna quase impenetrável para a imprensa que diverge dele ou aponta, por meio de fatos, incoerências nessa base argumentativa (FILGUEIRAS, 2018, posição 138).

Nesse cenário, a tendência do mercado é disponibilizar ao público veículos de informação – e aqui focamos no jornalismo, mas há iniciativas em diferentes áreas – que tragam notícias e artigos de opinião com viés, para atrair este ou aquele público. Isso não é novidade. A linha editorial e os artigos de opinião voltados a grupos específicos existem no jornalismo desde o seu surgimento. Conforme vimos, historicamente, em diversos momentos, a opinião foi incentivada e abafada dos periódicos, conforme o desenvolvimento do negócio de jornais e seus interesses comerciais. No entanto, vemos algumas características específicas deste momento, aqui estudado pela ótica dos jornais digitais. A primeira delas é a predileção por reportagens com assunto, abordagem ou mesmo viés político específico, não por ser crença ou interesse do veículo, mas por resultar em maior volume de audiência para o site onde foram publicadas. A consequência é a proliferação de artigos polarizados, que incentivam a já profunda divisão da sociedade. Ponderação, argumentação racional e respeito não geram cliques. É uma versão atualizada do “publicar a opinião que vende mais”, em outros tempos, aquela que agradasse aos anunciantes; hoje, cada vez mais dependentes do dinheiro do leitor, a que agrada ao público-alvo – ou o desagrada tanto que o faz clicar e compartilhar indignado, transformando-o em distribuidor do conteúdo para outros.

No extremo desse fenômeno – mas ainda no espectro do jornalismo –, estão sites que usam informações incompletas ou distorcidas para atrair mais cliques, buscam notícias ou informações antigas e as republicam em outro contexto, por exemplo.

Fora do escopo do jornalismo, mas geradoras de graves problemas para o campo, estão as chamadas notícias falsas, ou fake news. A definição de fake news para Allcot & Gentzkow (2017, p.213, tradução nossa):

Nossa definição inclui artigos noticiosos intencionalmente fabricados, como o amplamente compartilhado artigo do agora extinto website denverguardian.com com a manchete “Agente do FBI suspeito no caso do vazamento dos email de Hillary é encontrado morto em aparente caso de homicídio-suicídio”. Isso também inclui muitos artigos que foram originalmente publicados em sites humorísticos mas que poderiam ser mal entendidos como verdadeiros, especialmente quando vistos isoladamente em feeds de Twitter ou Facebook (ALLCOT & GENTZKOW, 2017, p.213, tradução nossa74)

Entretanto, há diversos pesquisadores que preferem se afastar do já popularizado termo. Para os pesquisadores Claire Wardle e Hossein Derakhshan (2017), estamos em tempos de desordem informacional, um conjunto de fatores que representam uma conjuntura de:

Poluição informacional em escala global, uma rede completa de motivações para criação, disseminação e consumo dessas mensagens ‘poluídas’; uma miríade de tipos de conteúdos e técnicas para amplificar conteúdos; inúmeras plataformas acolhendo e reproduzindo esse conteúdo; e velocidade estrondosa de comunicação entre pares de confiança (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017, p.4, tradução nossa75)

Wardle e Derakhshan (2017) chamam a atenção para um contexto que favorece a desinformação. Para eles, o termo fake news deve ser evitado por dois motivos: ser limitado demais para explicar um fenômeno tão complexo; ter sido cooptado por políticos e pessoas poderosas que desejam suprimir a liberdade de imprensa. Wardle e Derakhshan (2017) propõem, portanto, o termo guarda-chuva “desordem informacional”, que compreende diferentes fenômenos componentes desse cenário de caos informativo.

74 “We define “fake news” to be news articles that are intentionally and verifiably false, and could mislead readers. We focus on fake news articles that have political implications, with special attention to the 2016 US presidential elections. Our defi- nition includes intentionally fabricated news articles, such as a widely shared article from the now-defunct website denverguardian.com with the headline, “FBI agent suspected in Hillary email leaks found dead in apparent murder-suicide.” It also includes many articles that originate on satirical websites but could be misunder- stood as factual, especially when viewed in isolation on Twitter or Facebook feeds.”

75 “information pollution at a global scale; a complex web of motivations for creating, disseminating and consuming these ‘polluted’ messages; a myriad of content types and techniques for amplifying content; innumerable platforms hosting and reproducing this content; and breakneck speeds of communication between trusted peers”.

Figura 14 - Diagrama da desordem informacional

Fonte: (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017, p.5, tradução nossa)

Os pesquisadores dividem esse complexo contexto em duas dimensões de conteúdo, aqui traduzidas como: falso e prejudicial. Dentro dessas dimensões, há três tipos de informação: a informação errada (mis-information), a má-informação (mal-information) e, no centro, a desinformação (dis-information):

Informação errada é quando uma informação falsa é compartilhada, mas não há intenção de prejudicar ninguém; desinformação, é quando uma informação falsa é compartilhada com a intenção de causar danos; má-informação é quando uma informação verdadeira é compartilhada com a intenção de causar prejuízo, frequentemente divulgando algo que fora produzido originalmente para a esfera privada na esfera pública (WARDLE; DERAKHSHAN, 2017, p.5, tradução nossa76).

Além do conteúdo em si, Wardle e Derakhshan (2017) argumentam que é preciso analisar também outros elementos, como os agentes envolvidos (oficial ou não, nível de organização, tipo de motivação, automação, audiência pretendida, intenção de prejudicar, intenção de enganar); as características na mensagem (duração, precisão, se é legal ou não, tipo de falsificação, alvo da mensagem); e o interpretante (leitura da mensagem, se é hegemônica, oposicionista ou de centro, e que ações ela provoca). Ademais, também se deve atentar, de acordo com os autores, ao que chamam de três fases da mensagem: a criação, a reprodução (quando vira um produto midiático) e a distribuição (quando é publicado). Para Wardle e Derakhshan (2017, p.6), o agente que produz pode ser diferente daquele que distribui o conteúdo falso, e cada um pode ter a sua própria motivação. Do mesmo modo, é preciso

76 “Mis-information is when false information is shared, but no harm is meant; Dis-information is when false information is knowingly shared to cause harm; Mal-information is when genuine information is shared to cause harm, often by moving information designed to stay private into the public sphere.”

compreender as diferentes formas como essas mensagens são consumidas e as motivações para sua circulação.

Esse complexo contexto descrito pelos autores, que se desenrola em outra camada de classificações para diferentes tipos de conteúdos falsos, seus agentes, mensagens e interpretantes, exibe outro dos desafios que enfrenta o jornalismo na atualidade. Os prejuízos trazidos por essas informações erradas são inúmeros, e entre eles está uma descrença generalizada.

Nessa guerra de fatos contra mentiras, o jornalismo tem de encontrar armas para cumprir a missão de informar. A meu ver, a principal delas seria construir uma relação de confiança na comunidade. Algo que só se consegue quando somos éticos, críticos, inclusive de nós mesmos, e quando buscamos atingir minimamente a imparcialidade, mesmo que ela pareça uma utopia para muitos colegas e leitores (FILGUEIRAS, 2018, posição 127).

Reconhecemos o problema da desordem informacional como algo relevante para a crise do jornalismo. Por qual motivo esse fenômeno ocorre? O público está lendo notícias; contudo, as notícias que consome são falsas. E, muitas vezes, as pessoas sabem que as notícias que leem ou compartilham não são verdadeiras. Por que o leitor prefere se alimentar de informações inverídicas, ao invés das verídicas? Voltamos ao começo desta seção:

O público de hoje é mimado pelos algoritmos das redes sociais e se habitou a só ler aquilo que o agrada, opiniões que reforçam seus pensamentos. Está desacostumado a ser confrontado. Quando lê uma matéria com os dois lados, sente-se contestado. Shyam Sundar, diretor do laboratório de pesquisa em mídias sociais da Universidade do Estado da Pensilvânia, explica que esse fenômeno psicológico é chamado "viés da confirmação" (FILGUEIRAS, 2018, posição 132).

Atentos a esse fenômeno, empresas e governos preferem hoje ter contato direto com seus públicos a fazê-lo através da imprensa. No Brasil, por exemplo, o governo do presidente Jair Bolsonaro, eleito em 2018, usa as redes sociais para se comunicar diretamente com a população – em especial seus eleitores. Christian Fuchs, professor e pesquisador da Universidade de Westminster, no Reino Unido, explicou a tática em entrevista ao jornal O Globo:

O Twitter combina com líderes autoritários, pois favorece o narcisismo e o individualismo. As redes sociais são como grandes agências publicitárias em busca de lucro, não se importam com o conteúdo que fazem circular. O triunfo da lógica individualista e publicitária das redes sociais coincidiu, em muitos países, com a ascensão de novos nacionalismos e direitas autoritárias que são reações à crise global. A ocupação das redes sociais pela extrema-direita é um sintoma desta nova fase do capitalismo, que chamo de capitalismo autoritário (FUCHS, 2019).

Esse tipo de estratégia exclui a imprensa como meio de comunicação entre governo e população e contribui para a circulação de informações inverídicas. Sendo assim, o cidadão

fica sem a análise e checagem feitas pela imprensa, tomando por verdade apenas a versão oficial.

Usando novas tecnologias, o governo tem mais e mais ferramentas para subverter a imprensa ao tentar substituí-la com o seu próprio conteúdo e, ao mesmo tempo, censurá-la. Essa lista de ferramentas inclui a criação de pseudojornalismo na forma de sites de notícias falsos, lançamento de notícias em vídeo, subsídio a personalidades midiáticas que aceitem dinheiro para promover uma política, e outros. Os ocupantes de cargos de governo, do presidente aos vereadores, agora mantêm seus próprios canais diretos, que geram a impressão de que muitos eventos oficiais não precisam de “cobertura” da mídia porque já são “públicos”. O governo Obama, além disso, usou tecnologia para lançar uma rede ampla e tentar identificar, processar e intimidar funcionários do governo que falassem com a imprensa (KOVACH; ROSENTIEL, 2014, p.18, tradução nossa77).

Mas essa não é uma transformação tecnológica: é cultural. A sociedade pós-moderna é essa sociedade da autoverdade e da autoética, e nesse ponto é que tecnologia, sociedade e contexto se misturam. A internet e as redes sociais são o ambiente em que se