• Nenhum resultado encontrado

5 ESTRANHAMENTO, ENTRANHAMENTO, DESENTRANHAMENTO

5.4 ENTRANHAMENTO 1: CRISES ECONÔMICAS

Do lado das crises financeiras – ou econômicas – do jornalismo, nos indagamos a cerca de suas consequências para o ambiente da redação. Como um modelo de negócio diferente do exercido até agora, um que tente resolver as crises econômicas, impacta no fazer jornalístico dentro de uma grande redação? A busca por essa resposta está representada no canto inferior esquerdo da figura 18. Abaixo em detalhe.

Figura 20 - Mapa mental: parte empírica - crises econômicas

Fonte: a autora, 2020

Para responder a essa pergunta de pesquisa foi elaborada uma etapa de pesquisa de campo realizada no jornal O Globo, a ser detalhada no próximo item deste capítulo. A investigação foi guiada por duas hipóteses principais elaboradas pela pesquisadora:

Quadro 2 - Hipóteses campo 1

Tema Pergunta Metodologia Hipótese

Crises econômicas

Como um modelo de negócio diferente do exercido até agora, um que tente resolver as crises econômicas, impacta no fazer jornalístico dentro de uma grande redação?

Observação participante (ANGROSINO, 2009) Análise Discursiva dos Imaginários (SILVA, 2019) 1. O modelo de negócio por assinaturas deixa o jornalismo mais próximo de seu papel social.

2. A substituição da corrida por cliques pela corrida por assinantes permite maior relacionamento com o leitor.

Fonte: a autora, 2020

É importante destacar que, como a formulação das perguntas de pesquisa e das hipóteses são anteriores à conclusão da pesquisa bibliográfica, de modo que há fontes

pesquisadas a posteriori, as hipóteses refletem uma primeira ideia da influência do modelo de negócio por assinaturas nas redações digitais de grandes jornais. Outro fator que contribuiu para a formulação dessas perguntas e hipóteses foi a primeira análise, relatada na banca de qualificação, em abril de 2019. Ao levar as observações dos avaliadores em consideração, foi possível desconstruir a análise já feita, reconstruir a trajetória de pesquisa, incorporando mais referências bibliográficas e documentais, transformar aquelas primeiras impressões em hipóteses e voltar a avaliar o material coletado, agora sob nova e melhor fundamentada ótica metodológica.

Ambas as hipóteses formuladas para este campo são de confirmação (SILVA, 2019), ou seja, partem “dos fatos, do real, do concreto, do vivido” (SILVA, 2019, P. 32). Com base nas primeiras leituras e na experiência profissional e formação já relatadas anteriormente neste capítulo, a primeira hipótese formulada como possível resposta à pergunta de pesquisa vai ao encontro da ideia de que o modelo de negócio por assinaturas, uma das saídas encontradas como alternativa à crise financeira do jornalismo, deixaria o jornalismo mais próximo do seu papel social, de ser ferramenta da democracia. Essa hipótese se justifica porque é possível seguir um caminho lógico de pensamento: o modelo de assinaturas favorece o que é melhor para o leitor – e não apenas o que atrai mais anunciantes.

A segunda, que também se pode identificar como uma hipótese de confirmação (SILVA, 2019), diz respeito a algo que perpassa muitas das crises do jornalismo, o relacionamento com o leitor. Na mesma linha da crença anterior, a suposição aqui era de que, uma vez que os jornais precisariam conhecer melhor os leitores para lhes convencer de comprarem assinaturas, isso forçaria as redações a se relacionarem mais com os seus públicos. Na busca por encontrar respostas, confirmar ou refutar estas hipóteses, ou mesmo descobrir novas possibilidades saímos ao primeiro campo, descrito a seguir.

5.4.1 Observação participante em O Globo

Além de observar através de pesquisa bibliográfica o status do mercado jornalístico dos jornais digitais no Brasil, esta pesquisa busca uma leitura das consequências dessa crise – e das novas tentativas de modelo de negócio – no próprio jornalismo praticado dentro das redações. Por isso, é imperativo compreender a relação entre o modelo de negócio do jornalismo digital e as tomadas de decisão editoriais nas redações. Essa questão foi estudada em etapas: em 2018, foi feita uma Etnografia e Observação Participante (ANGROSINO, 2009) na redação do jornal O Globo. Para produzir sentido através dos diários de campo e do resultado

das entrevistas complementares foi usada a metodologia de Análise Discursiva dos Imaginários (SILVA, 2019). Aqui, a proposta é a montagem de um cenário acerca do processo de redescoberta das possiblidades de financiamento do mercado noticioso, em particular nas grandes redações. A pesquisa de campo, neste caso, tem como objetivo compreender o efeito no processo do jornalismo de um dos modelos de negócio que mais cresce em adesão por redações, o de assinaturas digitais.

Conforme a pesquisa avança, solicita atitudes distintas a cada momento. Ao analisar a crise do jornalismo atual, era preciso compreender o que ocorre dentro de redações. Um dos fatores determinantes para a crise do jornalismo, conforme a pesquisa avançou, foi a relação entre profissionais, empresas e aferição de audiência. Contudo, apenas ler sobre isso não era o bastante: era preciso estar em uma redação.

Se tiver tempo, habilidade, liberdade e talento, crie sua metodologia. Lembre-se de que, morinianamente falando, o método não é o caminho, mas a caminhada, ou seja, a narrativa do “como”, a descrição do que foi feito para tornar descoberto o encoberto (SILVA, 2019, p. 36-37).

A partir disso, foi feito um entranhamento: um mergulho na redação do jornal O Globo, no Rio de Janeiro, entre os dias 5 e 8 de fevereiro de 2018. Lá, a pesquisa tomou forma de observação do ambiente, principalmente durante as reuniões de pauta do jornal.

Esse entranhamento foi feito a partir da postura etnográfica compilada por Michael Angrosino (2009). Aqui cabe dizer que, apesar de não se estar observando os jornalistas como grupo social, mas o seu trabalho, tais noções são úteis — uma vez que as relações entre jornalistas, seu trabalho, a audiência, e as crises do jornalismo como um todo, se dão de modo orgânico. A redação é o habitat do jornalista e, mesmo que a intenção fosse observar um aspecto do seu trabalho, pareceu que apenas entrevistá-los seria insuficiente. Os olhares e as palavras escolhidas para falar sobre as matérias importavam; e havia a intuição de que presenciar as reuniões enriqueceria a coleta. Há muito de intuição na pesquisa; contudo, a estruturação do preparo para ir a campo também é importante, e ajuda o pesquisador a organizar seu material.

Os etnógrafos coletam dados sobre as experiências humanas vividas a fim de discernir padrões previsíveis do que de descrever todas as instâncias imagináveis de interação ou produção (ANGROSINO, 2009, p. 31).

Por isso, aqui falamos de uma metodologia inspirada na observação etnográfica. Diferente da visão clássica desse método, não era ambição descrever um povo e seu modo de vida (p. 34), mas sim um aspecto específico dessa comunidade, que era sua relação com o jornalismo digital, e as possíveis consequências do modelo de negócio por assinaturas no seu trabalho.