• Nenhum resultado encontrado

Nesta seção contamos a história do jornalismo do ponto de vista de sua função na sociedade; seus propósitos. Para tanto, recorremos aos quatro paradigmas históricos descritos por Jean Charron e Jean de Bonville (2016). Entendemos que há harmonia entre a perspectiva evolução do produto jornal e sua função social, para esses pesquisadores, e os objetivos desta pesquisa. Tais paradigmas são: jornalismo de transmissão, de opinião, de informação e de comunicação, que serão detalhados adiante. Os autores elegem a definição dos quatro paradigmas com o objetivo de designar o jornalismo como prática discursiva concreta, situada em um tempo e lugar particulares. Para uma descrição mais detalhada de paradigma jornalístico, os autores remetem à definição de sua própria autoria:

28 Uma pesquisa feita em 2016 com mais de 370 milhões de interações no Facebook mostrou que as pessoas buscam notícias que tendam a comprovar o que elas já acreditam. Essa questão será tratada com maior profundidade no próximo capítulo (ANDERSON; RAINE, 2017).

Um sistema normativo criado por uma prática fundamentada no exemplo e na imitação, constituído de postulados, de esquemas de interpretação, de valores e de modelos exemplares com os quais se identificam e se referem os membros de uma comunidade jornalística em um dado âmbito espaço-temporal, que unem os integrantes à comunidade e servem para legitimar a prática (CHARRON; BONVILLE 1996, apud CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 68).

Aqui fazemos, bem como os autores, uma salvaguarda para reiterar: não se trata de uma definição estanque e excludente, com datas definidoras e transformações abruptas. Ao contrário; tratam-se de denominações que nos ajudam a compreender as metamorfoses que o jornalismo sofreu em sua função, sem esquecer de que, mais do que deixar de ser algo e se transformar em outro, a atividade foi ganhando novas cores, que se sobrepuseram e destacaram em relação às antigas, mas sem apagá-las.

Desde sua profissionalização, na Europa do início do século XIX, o jornalismo já carregava consigo a tarefa de unir como sociedade uma população recém aglomerada em grandes cidades, por conta da industrialização — embora talvez não intencionalmente.

Os primeiros jornais que surgem no século XVII se devem a impressores que recolhem, consignam e difundem em suas gazetas correspondências, anúncios e outras informações que lhes são enviadas. Nesse jornalismo de transmissão, o impressor age, essencialmente, como um elo entre “fontes” e leitores. Não tem propriamente falando direito à palavra; se acontecesse de dirigir-se por sua conta aos leitores, ele geralmente o faz sob pseudônimo e sob o estatuto de correspondente. Nem o gazeteiro, nem o jornalista têm nessa época uma verdadeira identidade discursiva, que só vai ser assumida com o jornalismo de opinião, no início do século XIX (CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 28-29).

Disseminar informações sobre o que acontecia naquele espaço compartilhado, dar conta do que era feito por instâncias superiores de poder – isso herdado da acta diurna romana, de 69 ac –, além de entreter e criar um assunto comum através dos romances-folhetim: todas essas funções foram moldando um papel social para o jornalismo desde o início.

Para Charron e Bonville (2016), esse é o primeiro tipo: o jornalismo de

transmissão. A partir do seu aparecimento, no século XVII, sua função era transmitir

informações diretamente ao público. Não há aqui, portanto, uma ideia de qualificar a audiência ou influenciá-la. De acordo com os autores, em seu surgimento, o jornal era apenas o intermediador entre as informações e as pessoas.

Com efeito, a sociedade se forma e transforma a partir das décadas seguintes. Cada vez mais aglutinados em cidades, e com a evolução da indústria e do consumo massivo, o jornal se transformou de um papel que apenas transmite informações para uma ferramenta a serviço de lutas políticas. Era o instrumento de formação do pensamento coletivo – embora se referisse a uma elite branca e masculina, com acesso a direitos civis e alfabetização. Esse é, portanto, o

jornalismo de opinião. Surgido no início do século XIX, ele se torna uma efetiva ferramenta

a serviço das lutas políticas do setor da sociedade que o dominasse.

Num contexto de transformação das instituições políticas (debates sobre direito do voto e responsabilidade ministerial, desenvolvimento de um sistema partidário, etc.) o gazeteiro, transformado em editor, põe o jornal a serviço das lutas políticas. Lugar de expressão e de combate políticos, o jornal de opinião prega aos convertidos recrutados na elite política, religiosa e comercial (CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 29).

No entanto, nas últimas décadas deste mesmo século, as transações comerciais se intensificam devido ao avanço da industrialização e de melhores condições de transporte. Com a produção de bens em crescente, tornou-se preciso criar necessidades de consumo nas pessoas; para isso, a publicidade surge. A disseminação da alfabetização aumenta o público potencial dos jornais – e da publicidade neles veiculada –, condições que fazem do jornalismo um negócio potencialmente lucrativo. Inicia-se um processo, particularmente na América do Norte, de despolitização dos jornais. Ao menos na aparência, esses produtos precisam conquistar mais e mais público — o que acaba por pasteurizar abordagens e neutralizar posições ideológicas. Dessa forma, surge o jornalismo de informação, que dá continuidade à coleta de notícias sobre a atualidade, com ênfase nos fatos.

Por outro lado, como vimos, o jornal e o jornalismo se desenvolvem em torno da função econômica da notícia. Não só o jornal tinha função, como se tornou, eventualmente, um produto lucrativo.

Nas últimas décadas do século XIX, as trocas comerciais se intensificam graças à melhoria das condições de transporte e da industrialização da produção de bens de consumo corrente. Com a produção em massa, surgem práticas de comercialização fundadas na marca comercial e no uso intensivo da publicidade. O afluxo da publicidade cria novas “oportunidades de negócios”; o jornal pode tornar-se efetivamente um comércio muito lucrativo. Os empresários percebem que, se abandonarem os debates políticos, fonte de divisão da população, em proveito de conteúdos mais suscetíveis a interessar um grande número de leitores, mesmo entre os menos escolarizados os jornais poderão incrementar substancialmente seu leitorado e, por consequência, os ganhos publicitários. (CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 29).

É tão complexa a trama em que se insere o jornalismo que sua vocação de informar tem também, de acordo com Charron e Bonville (2016), uma origem de negócio. Vender vem antes de informar:

Ora, as condições técnicas e econômicas que tornaram possível a produção e a distribuição de uma vasta escala de bens de consumo corrente permitem também criar uma rede de coleta de notícias sobre a atualidade (ferrovia, telégrafo, telefone, etc.), aumentar as páginas e a tiragem (estereotipia, rotativas, papel barato, etc.) e, enfim, ampliar a distribuição. É assim que o jornalismo de informação aparece nas grandes cidades norte-americanas entre 1880 e 1910 e se generaliza até se tornar a forma dominante de jornalismo a partir dos anos 1920 (CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 29).

O último tipo de jornalismo, para Charron e Bonville, é o jornalismo de

comunicação. Essa nova transformação se dá nas décadas de 1970 e 1980, e seu gatilho é a

diversificação das fontes de informação.

A imprensa escrita cotidiana e as grandes redes de televisão, que dominavam a indústria da mídia, veem suas parcelas de mercado esfacelar-se em proveito de uma nova mídia, mais especializada, mais inovadora e que respeita menos as normas estabelecidas. A digitalização e a miniaturização dos equipamentos, o desenvolvimento das telecomunicações e, mais recentemente, a implantação rápida da internet são técnicas cujo uso tende a colocar em questão as normas e as práticas usuais de produção, de difusão e de consumo da informação que colocam produtores e consumidores de informação em um ambiente midiático em plena mutação (CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 30).

Com superabundância de ofertas e acirrada concorrência, os empresários partem em busca de novos mercados. Isso acarreta uma preocupação cada vez maior com agradar o público, pesquisar suas preferências e atendê-las, e dar espaço à subjetividade. Esse é o jornalismo de comunicação, que seria dominante até os dias de hoje, conforme descrevem:

O hibridismo entre o discurso de imprensa e as outras formas do discurso midiático é tolerado, até mesmo encorajado: a ficção se mistura à realidade; notícias secundárias adquirem o status de acontecimento; a informação se faz entretenimento e adota facilmente o tom do humor ou um tom familiar, de conversa; a efusão e a emoção substituem a explicação; o tom e o estilo do discurso promocional impregnam o discurso de imprensa (CHARRON; BONVILLE, 2016, p. 30).