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O jornalismo do qual falaremos neste trabalho é aquele produzido no contexto digital. E, um dos objetos de pesquisa é uma redação que produz jornalismo para a internet, bem como para o impresso. De fato, é um campo e uma atividade que tem princípios, técnicas e fins; independente dos meios onde são veiculadas, há particularidades nas notícias produzidas para cada plataforma. Quando falamos aqui de um jornalismo contemporâneo, compreendemos que ele sofre o impacto do surgimento da internet comercial, na década de 1990; de sua popularização, nos anos 2000; e do surgimento das redes sociais, a partir do começo deste milênio.

Em um novo ambiente, o jornalismo — bem como toda a comunicação social — precisa atualizar sua praxis, atingir seu público em locais diversos e conquistá-lo com narrativas, conteúdos e linguagens inovadoras. Tanto o jornalismo que se faz para jornal impresso, como para rádio, e mesmo os noticiários da televisão: todos sofreram impacto da internet e se inseriram em um universo em que o digital existe – o que provoca drásticas mudanças. Ainda que grande parte da população mundial não tenha acesso à rede, as tendências

de comportamento e comunicação são ditadas pela parcela que tem — o que significa que a indústria da informação se transforma baseada nessa influência.

A crise do jornalismo, portanto, se manifesta em todos os meios. Mas para efeitos desta pesquisa, compreendemos que o jornalismo online29 é um objeto adequado através do qual analisá-la — por trazer características próprias, concentrar outras linguagens, ser um dos meios centrais pelos quais se tem acesso à informação na atualidade, e estar no epicentro desse momento crítico.

Entre o surgimento da web30 e a internet das coisas31, o jornalismo enfrenta as transformações causadas pelo ambiente online. Segundo Canavilhas (2006, p. 4), no momento em que a web comercial começa a se popularizar, as empresas já haviam investido em digitalizar a edição dos jornais — o que permitiua transposição desse conteúdo sem custos adicionais:

No sector da emissão, as dificuldades inerentes à viabilização económica dos meios online levou as empresas a recorrerem aos conteúdos já existentes e o elemento comum aos vários meios – imprensa escrita, rádio e televisão – é o texto que serve de base às notícias. Desta forma, foi com alguma naturalidade que o jornalismo na web se desenvolveu num modelo muito semelhante ao do jornalismo escrito, adoptando as mesmas técnicas de redacção usadas na imprensa escrita.

Cabrera González (2001) identifica quatro fases distintas durante a entrada do jornalismo na web. A primeira seria a facsimilar: a reprodução exata do conteúdo impresso para o meio digital. Foi a primeira abordagem de um jornalismo na internet — quando os jornais encerravam a edição do dia, transformavam-na em arquivo eletrônico, como um PDF, e a divulgavam no meio online como simples cópia da versão impressa.

A seguir, emerge o que a autora designa modelo adaptado: “onde algumas das características do meio online, como o uso de hipertextos ou links, são integradas, ainda que de forma simples e não-processada” (CABRERA GONZÁLEZ, 2001, p. 75, tradução nossa32). Aqui já existe também um layout próprio para a internet, ainda que o volume excessivo de texto permaneça.

29 Há muitos termos usados para tratar do jornalismo que se faz na internet. Aqui, usaremos jornalismo online, webjornalismo e jornalismo digital como sinônimos por entendermos que estamos falando de todo o jornalismo feito para plataformas digitais online ou offline (em aplicativos, por exemplo). O termo aqui, portanto, é usado de modo abrangente, como os autores consultados e citados para embasamento também o fazem.

30 A internet enquanto possibilidade de rede nasce nos anos 1960, mas é na década de 1990 que surge a web comercial, plataforma pela qual pessoas e empresas começam a se conectar ao redor do mundo. Por isso, consideramos este um marco para a comunicação mundial.

31 Termo que identifica a conexão de internet utilizada por objetos conectados, como smart TVs, geladeiras com internet, tomadas inteligentes, e outros.

32 “[...] donde se integran, aunque de manera sencilla y poco elaborada, algunas de las características propias del medio on line, como el uso de hipertextos o enlaces.”

A terceira fase descrita por Cabrera González (2001, p.75, tradução nossa33) é a do modelo digital. Nesta, os jornais já passaram a produzir em layout dedicado e planejado para aproveitar as características e potencialidades do meio digital, sem qualquer relação com o impresso:

Os jornais que atendem a esse modelo são mais interativos, visuais e oferecem serviços e conteúdos diferentes dos jornais impressos. Desta forma, a edição online do jornal realmente se torna um complemento da versão impressa.

Por último, Cabrera González (2001) fala do modelo multimídia, que faz do site do jornal um veículo totalmente diferente do impresso — tanto em termos visuais, como também de conteúdo.

Sua principal característica é o uso máximo das possibilidades de interatividade e multimídia do novo meio, através do qual a informação pode ser oferecida em diferentes formatos (som, imagem fixa ou em movimento e texto) (CABRERA GONZÁLEZ, 2001, p. 75, tradução nossa34).

Essa categorização, no entanto, implica sites jornalísticos originados em redações de jornais impressos. Canavilhas (2006, p. 2) propõe uma ampliação de categorização, a fim de abranger a transição de veículos dos demais meios (televisão, rádio) para a internet. “Podemos restringir o processo a duas fases fundamentais: jornalismo online e webjornalismo/ciberjornalismo”. Canavilhas chama de jornalismo online aquele cujo conteúdo mantém características essenciais do seu meio de origem:

No caso dos jornais, as versões online acrescentam a actualização constante, o hipertexto para ligações a notícias relacionadas e a possibilidade de comentar as notícias. No caso das rádios, a emissão está disponível online, são acrescentadas algumas notícias escritas e disponibilizam-se a programação e os contactos. As televisões têm também informação escrita, à qual são acrescentadas notícias em vídeo, a programação do canal e os contatos (CANAVILHAS, 2006, p. 2).

No webjornalismo (ou ciberjornalismo), as notícias passam a ser produzidas com recursos de linguagem constituídos por palavras, sons, vídeos, infografias e hiperligações — combinados para que o público possa escolher seu próprio percurso de leitura (CANAVILHAS, 2006). O pesquisador caracteriza o webjornalismo a partir de sete particularidades que distinguem esse de outros tipos de jornalismo (CANAVILHAS, 2014). São eles: hipertextualidade, multimedialidade, interatividade, memória, instantaneidade, personalização e ubiquidade.

33 “Los periódicos que se ajustan a este modelo son más interactivos, visuales, y ofrecen servicios y contenidos diferentes a los del periódico en papel. De esta forma, la edición en línea del periódico se convierte realmente en un complemento de la versión impresa.”

34 “Su principal característica es el máximo aprovechamiento de las posibilidades de interactividad y multimedialidad del nuevo medio, mediante las cuales, se puede ofrecer la información en distintos formatos (sonido, imagen fija o en movimiento, y texto).”

A hipertextualidade é a forma como se navega na web e é uma característica que acompanha a internet desde o seu surgimento. Canavilhas (2014, p. 6) estuda diversos significados da palavra hipertexto para chegar em sua proposta: “De forma mais ou menos complexa, as definições incluem sempre dois elementos nucleares: nós e links, ou seja, blocos informativos e hiperligações. Um texto com hiperlinks, em que os blocos formativos que se complementam – mas se bastam separadamente – são ligados dessa forma faz parte da gramática do webjornalismo, como de todo texto online.

A capacidade do jornalismo feito na web de comunicar para todos os sentidos é chamado aqui de multimedialidade. É a possibilidade de usar diversas linguagens, como texto, áudio, vídeo, fotografia, infográficos e outros para transmitir as informações.

Para que a informação multimédia seja atrativa e inteligível para o público é necessário que os elementos que a compõem estejam devidamente interligados. o texto, o som, as imagens e o vídeo, assim como outros elementos que possam surgir no futuro, devem estar devidamente coordenados para que o resultado seja harmonioso (SALAVERRÍA, 2014, p. 40).

A interatividade é um conceito chave no jornalismo digital e na web como um todo. Trata da ligação entre conteúdos, seus produtores e seus consumidores.

A interatividade é um conceito ponte entre o meio e os leitores/utilizadores, porque permite abordar esse espaço de relação entre ambas as partes e analisar as diferentes instâncias de seleção, intervenção e participação nos conteúdos do meio. Insere-se nessas zonas de contacto entre jornalistas e leitores, que as tecnologias têm alargado e simplificado (ROST, 2014 p. 54)

No entanto, há diversos tipos de interatividade, do contato mais superficial com o leitor ao mais complexo. Tudo varia de acordo com quão complexa é a trama tecida pela combinação entre conteúdos gerados pelo usuário e conteúdos produzidos pelos jornalistas.

A memória é algo característico do webjornalismo por diversos motivos. Como não há limites de tamanho nas matérias – e nem elas precisam desaparecer no dia seguinte da publicação –, se recorre constantemente a textos anteriores como links de referência:

Uma importante consequência desse crescente potencial para o uso de recursos de memória verifica-se na estruturação e edição dos textos jornalísticos. Não somente tornou-se mais fácil para os jornalistas incorporarem elementos de memória na produção do texto (comparações, analogias, nostalgia, desconstrução etc.), mas igualmente tornou-se praxe uma forma de edição que remete à memória. Textos relacionados passam a ser indexados hipertextualmente (Leia mais; Veja também; Notícias relacionadas etc.), seja através de um trabalho de edição humana, seja por um processo (nem sempre bem-sucedido!) de associação algorítmica, através de tags e palavras-chave dos textos estocados nos arquivos e bases de dados dos veículos (PALACIOS, 2014, p. 97).

A memória também aparece como algo presente na interação entre os usuários e os veículos. Com frequência, os leitores encontram reportagens do passado que foram publicadas

em buscas por temas específicos, ou mesmo quando participam de uma matéria especial relembrando algum episódio famoso ao dizer o que faziam naquele momento, por exemplo.

Um dos efeitos mais debatidos acerca do jornalismo na web é a instantaneidade – e seus efeitos. A velocidade sempre fez parte do jornalismo e ser o primeiro a noticiar um fato é um ativo muito presente na profissão. Contudo, no webjornalismo essa instantaneidade se intensifica, mas se transforma, influenciada pela necessidade de conquistar o leitor com questões de valor mais facilmente identificável.

Todavia, a velocidade precisa ser complementada com a profundidade que as pessoas estão dispostas a pagar, seja diretamente por assinaturas e doações, ou indiretamente, via eventos ou filantropia. Como é frequente se ouvir em discussões sobre a nova tecnologia: não é como ter a escolha entre uma coisa e outra, mas sim a habilidade de escolher e combinar velocidade e profundidade no tempo correto com o objetivo certo (BRADSHAW, 2014, p. 134).

A personalização é a possibilidade de fazer conteúdos diferentes para consumidores diferentes. Na web, há tantas publicações que fica mais fácil encontrar um conteúdo especificamente como o leitor quer.

A personalização de experiências informativas pode apresentar várias formas e extensões, sendo a mais habitual deixar o utilizador selecionar os temas mais relevantes para a criação de uma página com base em preferências pessoais (LORENZ, 2014, p. 142).

Por último, temos a ubiquidade. Esse complexo conceito trata da capacidade do webjornalismo de ser disponibilizado em diversos lugares ao mesmo tempo.

No contexto da mídia, ubiquidade implica que qualquer um, em qualquer lugar, tem acesso potencial a uma rede de comunicação interativa em tempo real. Quer dizer que todos podem não apenas acessar notícias e entretenimento, mas participar e fornecer sua própria contribuição com conteúdos para compartilhamento e distribuição global. Além disso, o conteúdo noticioso emana de uma variedade de fontes cada vez mais ubíquas, incluindo câmeras de segurança ou vigilância bem como sensores de muitos tipos e formatos, frequentemente ligados à internet. (PAVLIK, 2014, p.160).

O que Canavilhas (2006; 2014) nomeia webjornalismo, que trataremos neste trabalho por jornalismo digital; este materializa o objeto de estudo desta pesquisa, a crise do jornalismo. É o jornalismo que foi transformado a ponto de possuir características e conteúdos próprios no meio online que analisaremos, através de um mergulho no que Ignacio Ramonet (2011) chama de explosão do jornalismo, para emergir do caos com novos olhares e caminhos.

Como demonstrado, a relação entre democracia e as noções de liberdade de expressão, e de ferramenta fiscalizadora do Estado existe desde que o conceito de democracia passa a ser debatido; segue presente conforme a democracia, enquanto projeto político, se desenvolve; e está atrelada ao exercício desse pensamento e dessa organização social até hoje. Apesar disso, há sociedades ditas democráticas que não primam pela liberdade de expressão,

ou que têm líderes que questionam o papel da imprensa – os governos Trump e Bolsonaro são exemplos. Estes fatores também contribuem para a crise do jornalismo.

Como exploraremos, a crise do jornalismo se origina em diversos aspectos. Passa pela perda de identidade e credibilidade, e por questões econômicas e sociais. Mas muito dessa decadência pode ser identificada como um sentimento geral de instabilidade que acompanha o jornalismo há muitos anos. Na década de 1990 já se falava nisso, e antes disso também; o surgimento da televisão foi encarado como um momento de crise para o jornalismo muitos anos antes e, mais recentemente, as redes sociais são um ponto crítico para a atividade como um todo.

Aqui encontramos o presente. E, com ele, a crise do jornalismo. Trataremos dela no capítulo quatro, dedicado ao tema. Sob perspectiva análoga, é possível parear a evolução do jornalismo com a da democracia, como ideia e como realidade. Ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX, os dois conceitos foram ligados e são vistos como indissociáveis por determinados autores, conforme exploraremos a seguir.