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CAPÍTULO II – ANÁLISE DO ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DO ICMS-

2.1 Antecedente normativo

2.1.3 Critério temporal da regra matriz

Ao mesmo tempo em que o critério espacial nos fornece subsídio de local pertinente ao acontecimento da hipótese tributária, o critério temporal nos fornece subsídio de momento, ou seja, de quando estará instalado o fato imponível, uma vez coexistentes todos os critérios da regra matriz.

O critério temporal define o momento exato em que devemos considerar consumado o fato imponível, o que indica a importância deste critério, sempre que inaugurada a obrigação tributária.

Definindo o critério temporal da regra matriz, Paulo de Barros Carvalho esclarece:

Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária121.

Geraldo Ataliba, a respeito do aspecto temporal da hipótese de incidência, refere quanto ao grau de positivação em nível legal, a respeito do tema, o qual por vezes deverá ser reconhecido implicitamente:

35.8 Enfim, é o legislador que discricionariamente estabelece o momento que deve ser levado em consideração para se reputar consumado um fato imponível. E esta indicação legislativa (que pode ser, repita-se, explícita ou implícita) recebe a designação de aspecto temporal da h.i.

35.9 Se o legislador se omitir, estará implicitamente dispondo que o momento a ser considerado é aquele em que o fato material descrito ocorre (acontece). Deve-se entender, pois, que sempre há aspecto temporal da h.i. Este é, em todos os casos, disposto pelo legislador, ainda que nem sempre explicitamente122.

Obviamente, o critério temporal indicado pelo legislador infraconstitucional deverá guardar coerência com a materialidade do tributo, de acordo com a previsão constitucional.

Por este motivo que a legislação infraconstitucional refere-se ao critério temporal pelo termo fato gerador, o mesmo utilizado para determinar o critério material, dentre suas diversas acepções. É exemplo disso o artigo 19 do Código Tributário Nacional, que trata do imposto de importação. Vejamos:

Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional.

No que diz respeito ao ICMS incidente sobre operações mercantis, o critério temporal escolhido pelo legislador infraconstitucional corresponde ao momento de saída da mercadoria do estabelecimento do vendedor dessas mercadorias, conforme se observa do artigo 12, inciso I, da Lei Complementar nº 87 de 1996:

121 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 331.

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:

I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular123;

No entanto, embora a saída seja critério coerente com a materialidade do tributo, como momento escolhido para o nascimento da obrigação tributária, devemos observar que a saída importante para o ICMS somente poderá ser aquela que corresponda a uma saída em operação mercantil.

No caso do ICMS, a menção do vocábulo circulação, importante na construção da materialidade do tributo, bem como em função da confusão que por vezes existe entre o critério temporal e o fato gerador como um todo, poderá levar à equivocada compreensão que qualquer saída deverá ser considerada para fins de incidência do ICMS. Sobre esta distinção, coerentes as conclusões de Roque Antonio Carrazza:

Se a saída de mercadorias fosse realmente a hipótese de incidência do imposto em pauta, o comerciante furtado em mercadorias – como frisa Aliomar Baleeiro – teria não só que suportar os prejuízo, como pagar o ICMS devido por elas. E, mais: se não levasse a ‘notícia criminis’ ao conhecimento da autoridade fazendária estaria praticando uma evasão tributária já que estaria escondendo ao fisco a ocorrência do fato imponível do ICMS.

Vejamos outro exemplo: um incêndio ameaça destruir o estabelecimento comercial. Para evitar que o fogo consuma as mercadorias, o comerciante, ajudado por seus empregados e por transeuntes, providencia para que elas sejam postas na rua. Houve a saída das mercadorias. É devido o ICMS por isso? Parece-nos claro que não124.

Desta forma, em elação ao ICMS incidente sobre operações com mercadorias, diversas são as saídas irrelevantes para fins de incidência do ICMS, uma vez que embora importem em saídas físicas, não apresentam conteúdo jurídico de negócio com natureza mercantil.

Ao que interessa no presente estudo, o ICMS na modalidade importação, a redação constitucional já traz indicação bastante clara, referindo explicitamente em

123 Muito embora seja manifestação do legislador complementar pela possibilidade de incidência do ICMS nos casos e transferência de mercadorias, esta possibilidade não foi recepcionada pelo STJ, como bem entendido por meio da súmula 166 do STJ, verbis:

“Fato Gerador - ICMS - Deslocamento de Mercadoria - Estabelecimento do Mesmo Contribuinte. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

relação ao momento da incidência, escolhendo por bem o momento de entrada do bem ou mercadoria. Repetimos a redação do dispositivo ora mencionado:

IX - incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da

mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 33, de 2001). (grifo nosso)

Como se observa, o legislador constitucional fez referência expressa ao estabelecimento do destinatário da mercadoria, o que deve ser considerada indicação mais do que necessária quanto ao momento em que se pode reputar ocorrido o fato imponível pertinente ao ICMS-Importação. Conforme já dito, compreendemos que somente poderá ser devido o ICMS após o ingresso das mercadorias no ciclo econômico nacional, portanto após a entrada das mercadorias no estabelecimento do importador. Por isso, compreendemos que o legislador nacional desempenhou mal sua função ao prever que o ICMS-Importação pode ser considerado como incidente no mero desembaraço aduaneiro, nos termos do inciso IX, artigo 12, da Lei Complementar nº 87 de 1996125.

Devemos destacar que o Decreto-lei nº 406 de 1968 definia que a entrada da mercadoria no estabelecimento do importador correspondia ao critério temporal da regra-matriz de incidência do ICMS-Importação, sendo que diante de inúmeras iniciativas pela possibilidade de tributação quando do desembaraço aduaneiro levaram à edição da Súmula 577 do STF, posteriormente substituída pela Súmula 661. Referiam as súmulas:

SÚMULA Nº 577

NA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS DO EXTERIOR, O FATO GERADOR DO IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS OCORRE NO MOMENTO DE SUA ENTRADA NO ESTABELECIMENTO DO IMPORTADOR.

SÚMULA Nº 661

125 Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: (...)

IX – do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002).

NA ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR, É LEGÍTIMA A COBRANÇA DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. (grifo nosso)

Muito embora seja opinião emitida pelo Supremo Tribunal Federal por meio de súmula mais recente, não acreditamos que esta interpretação seja do melhor apreço à Constituição, uma vez que adianta a obrigação tributária a momento anterior à efetiva ocorrência do fato imponível. Esta também é a opinião de Roque Antonio Carrazza:

Vai daí que exigir o ICMS no átimo do desembaraço aduaneiro é cobrá-lo antes da efetiva ocorrência de seu fato imponível – fenômeno que nosso ordenamento constitucional tributário não aceita. Qualquer norma neste sentido será inválida, já que nem mesmo em nome dos interesses arrecadatórios se pode antecipar a incidência de qualquer tributo. Fazê-lo implica malferir o princípio da segurança jurídica126.

Da mesma forma compreende Aliomar Baleeiro, para o qual o aspecto temporal da incidência do ICMS-Importação corresponde à entrada dos bens no estabelecimento do importador, nos seguintes termos:

Qual o aspecto temporal da incidência? O Decreto-lei nº 406/1968 definiu-o como o da entrada no estabelecimento do importador. Vários Estados passaram a exigir o imposto, por razões de praticidade, no momento do desembaraço aduaneiro. Essa antecipação ilegítima, contrária às normas gerais estabelecidas no Decreto-lei nº 406/1968, vinha sendo afastada pelos tribunais brasileiros, inclusive pelo STF, (...)127

Nestes termos, advertimos que o desembaraço aduaneiro não passa de ato administrativo que internaliza bens estrangeiros quando do ingresso em território brasileiro, nos termos do art. 571 do Regulamento Aduaneiro128, não havendo como servir de critério informador do ICMS.

Pelas razões acima expostas, a entrada de bem no território nacional e instrumentalizada pelo despacho aduaneiro indica a existência de operação sujeita

126 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 78.

127 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12.ed. São Paulo: Forense, 2013, p. 546. 128 Do Desembaraço Aduaneiro

Art. 571. Desembaraço aduaneiro na importação é o ato pelo qual é registrada a conclusão da

conferência aduaneira (Decreto-Lei n o 37, de 1966, art. 51, caput, com a redação dada pelo Decreto- Lei n o 2.472, de 1988, art. 2o).

ao ICMS, conforme sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo necessária a efetiva recepção (tradição) do bem pelo importador. No entanto, como já nos posicionamos, não compreendemos que esta seja a melhor compreensão do tributo, devendo ser considerado como critério temporal o momento de entrada da mercadoria no estabelecimento do adquirente.