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Direito fundamental de apenas ser tributado nos termos da Constituição

CAPÍTULO III DA MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO NA REDAÇÃO DA

3.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos termos da Constituição

Da mesma forma que os contribuintes têm o dever de pagar tributos para colaborar com a manutenção do Estado, devemos observar que são conferidos aos contribuintes uma série de direitos e garantias, uma vez que a atividade de tributar deve também respeitar o direito fundamental de manutenção da propriedade.

Neste sentido, é garantido ao contribuinte direitos fundamentais pertinentes à estrita legalidade e à “não surpresa”, de forma que o Estado somente poderá atentar

155 GRECO, Marco Aurélio. LORENZO, Ana Paola Zonari de. ICMS: materialidade e princípios constitucionais. In: Curso de Direito Tributário. v.2. MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Belém: CEJUC, 1993, p. 147-148. Apud CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 71.

contra o patrimônio privado quando devidamente autorizado e nos estritos termos da lei.

Conforme já tratado, verificamos a existência de outra garantia individual, qual seja a de apenas ser tributado nos estritos termos da competência conferida ao ente político, devendo-se respeitar, em nível infraconstitucional, o permissivo superior, pertinente à materialidade de cada tributo.

Seguindo no que se propõe o presente trabalho, buscamos agora observar quanto à existência de direito individual, decorrente daquele inerente ao conceito de competência tributária, qual seja a garantia de apenas ser tributado nos estritos termos demarcados pelo legislador constitucional originário.

Preliminarmente, devemos destacar que estamos tratando de direito fundamental que não encontra previsão expressa na Constituição, mas que pode ser facilmente verificado, como a seguir o faremos.

3.1.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos estritos

termos da redação original da Constituição Federal

Como já visto, a competência tributária consiste na faculdade que tem o Estado de criar unilateralmente tributos, de forma abstrata. Por sua vez, a tributação consiste na faculdade do Fisco de interferir no patrimônio do particular, retirando compulsoriamente parcela deste. Este é o entendimento que se compreende de Geraldo Ataliba, a partir do que segue de sua obra:

A tributação é a transferência compulsória de parcela da riqueza individual para os cofres públicos; daí sua conexão com a propriedade. É, também, forma de controle ou indução da liberdade individual, enquanto instrumento – deliberando ou não – de estímulo ou desestímulo de comportamentos, quando não de compulsão.156

156 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 10.

Em assim sendo, a competência encerra uma permissão de interferência do Estado no patrimônio do particular, a qual deverá ser exercida em respeito ao direito fundamental de proteção ao patrimônio, presente no artigo 5º inciso XXII da Constituição Federal e protegido pelo sistema constitucional por meio do artigo 60, §4º, inciso IV, do mesmo Diploma, como uma “cláusula pétrea”, uma vez que garantia individual inserida no sistema constitucional.

Por conseguinte, uma vez imutável a garantia de preservação da propriedade, entendemos que não poderá ser admitida tributação que extrapole as hipóteses descritas pelo poder constituinte irrestrito, o qual prestigiou o conceito de patrimônio e, neste sentir, pormenorizou em relação aos casos em que seria permitida interferência do Estado.

Nesse diapasão, devemos distinguir o que seria um “Poder Tributário”, que entendemos no Brasil não existe, e o que é competência tributária, como vemos presente em nosso ordenamento. O “Poder Tributário” foi apenas detido pela Assembleia Nacional Constituinte, esta sim detentora de um poder ilimitado. Por sua vez, a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Carta de 1988, usou de forma ampla seu poder tributário e entregou a competência tributária para os legisladores em termos muito limitados.

Ainda no sentido de esgotar, noutro enfoque, a criação de tributos em abstrato, a competência tributária, o legislador constitucional cuidou das possibilidades de criação de novos tributos, para tal positivando pelos seus critérios.

Assim consta do artigo 154, da Carta Magna:

Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

Podemos abstrair do extrato de legislação acima, algumas informações que também definem limites à competência residual, quais sejam: a) somente a União pode instituir novos tributos; b) os tributos em questão deverão ter natureza de

impostos; c) deverão ser instituídos por meio de lei complementar; d) deverão ser não-cumulativos; e) não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição; ou, f) na iminência ou no caso de guerra externa.

Encerra, negativamente, também neste contexto, norma no sentido de que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem criar outros tributos senão aqueles descritos na Constituição.

Em assim sendo, temos que não tão eventuais alterações no rol das competências estabelecidas pelo constituinte originário, que não se configuram aos critérios estabelecidos pelo artigo 154, I da Constituição Federal, restam por desrespeitar garantia individual do contribuinte, visto que este tem o direito subjetivo de somente sofrer o ônus da tributação nova, quando presentes os tais critérios.

Pelos motivos acima expostos, a criação de novas exações, a partir de alterações da Constituição Federal, acaba ceifando um direito fundamental conferido, o de apenas ser tributado nos termos do que previu o legislador constituinte originário.

Acreditamos ser esta a melhor interpretação da Constituição, vez que assim prestigia-se a proteção ao patrimônio, a repartição de competências, bem como a criação e competência residual.

Por estes motivos, acreditamos que a criação de novas materialidades tributárias constitui afronta à norma do artigo 60, §4º da Carta Magna, pois prevê a imutabilidade dos direitos fundamentais, sendo matéria em relação a qual não se permite emendar a constituição.

Este é também o entendimento de Roque Antonio Carrazza, nos termos que se observa a seguir ao tratar da inovação promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 no âmbito do ICMS incidente sobre operações de importação:

IIa- Estamos convencidos, no entanto, que por ter alterado a regra- matriz constitucional do ICMS-Importação, a Emenda Constitucional 33/2001 feriu direito fundamental do contribuinte (cláusula pétrea), sendo, neste ponto, inconstitucional157.

No mesmo diapasão compreende Renato Lopes Becho, pela existência de limitação na competência residual, destacando a posição superior do constituinte originário neste aspecto:

Todavia consideramos plenamente discutível a possibilidade de alteração na competência mesmo por Emenda Constitucional. Pode ser que qualquer mudança na composição da competência tributária esteja vedada pelo artigo 60, §4º, IV da CF/88158.

Pelos motivos acima expostos, temos que existe presente no ordenamento constitucional vedação à criação de novos tributos por meio de emenda, visto que esta possibilidade estaria encerrada no âmbito do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal.

Também no mesmo sentido, destacamos a opinião de Tácio Lacerda Gama, para o qual o limite presente no § 4º, artigo 60, da Constituição Federal impede qualquer iniciativa que busca alterar os contornos estabelecidos pelo legislador originário, uma vez que garantia do contribuinte. Vejamos:

A possibilidade de modificar a Constituição por emenda consta autorizada pelo próprio texto constitucional. Cumpridas as formalidades necessárias, é possível inserir modificação no sistema constitucional tributário. Conquanto não estejam sujeitas às mesmas vedações prescritas para toda modificação legislativa do capítulo relativo ao Sistema Tributário, estão sujeitas aos condicionantes materiais das chamadas clausulas pétreas. Neste sentido, é vedado alterar a Constituição para restringir princípios, imunidades e enunciados de autorização que possuam natureza de direitos e garantias do contribuinte. Da mesma forma, importam violações, ao que dispõe o art. 60, § 4º, as propostas de emenda tendentes a modificar a forma federativa de Estado159.

No que diz respeito às razões acima expostas, relacionadas ao tema do presente trabalho, compreendemos que a Emenda Constitucional nº 33 e 2001 extrapolou os limites permitidos ao legislador constituinte derivado, haja vista passar a permitir a tributação sobre novos fatos, antes não incidentes em relação ao ICMS.

Resta clara a intenção do legislador constituinte originário, de somente permitir atentado contra o patrimônio do particular nos estritos casos positivados no âmbito da Constituição. Se assim não o fosse, desnecessária seria a indicação das materialidades tributárias no âmbito da Constituição, podendo-se também dizer que seria apenas necessária a indicação dos entes políticos competentes para a criação de tributos.

158 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 236.

159 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária - Fundamentos para uma teoria da nulidade. 2.ed. São Paulo: Editora Noeses, 2011, p. 281.

Por este motivo, compreendemos que a esta limitação ao Poder do Estado se reveste da qualidade de garantia fundamental do contribuinte, a qual não é permitido ato que vise sua abolição, uma vez que clausula pétrea.

Em relação ao alargamento da competência dos Estados e do Distrito Federal, estudaremos os fatos emblemáticos que passaram a ser tributados pelo ICMS, de acordo com a competência estabelecida por meio da Emenda Constitucional nº 33 de 2001.

3.2 ICMS-Importação incidente sobre a pessoa física e sobre não-