• Nenhum resultado encontrado

Princípio da proibição de tributação com efeito de confisco

CAPÍTULO I – SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

1.5 Princípios que devem ser observados

1.5.2 Princípios especialmente relacionados em matéria tributária

1.5.2.3 Princípio da proibição de tributação com efeito de confisco

Ainda no sentido de impor limite quanto à instituição de tributo, verificamos a norma constante do inciso IV, artigo 150, da Constituição Federal, o qual prescreve da seguinte forma:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

O que chama atenção do dispositivo em tela é que por meio dele se impõe limite ao poder de tributar, de maneira que este não poderá ostentar característica confiscatória. Inexistindo conceito predeterminado do que seria confisco, a doutrina muito debate a respeito do alcance desse vocábulo, o qual se faz decisivo para verificarmos o alcance deste instituto.

A conceituação do que se pode compreender por confisco deverá, então, ser construída pelo intérprete da norma, bem como pelo legislador, a partir de conceitos que se encontrem, necessariamente, no âmbito da própria Constituição.

Neste sentido, devemos ter presente que a atividade tributária consiste em autorização constitucional de interferência sobre o patrimônio do contribuinte, por parte do Estado, uma vez que a Constituição garante, nos termos do artigo 5º, inciso XXII, proteção à propriedade privada. Em assim sendo, compreendemos que o limite concebido como confisco consiste exatamente na necessidade de respeito à manutenção da propriedade, de forma que a imposição de tributo não acarrete perecimento de sua fonte produtora, ou seja, a extinção do patrimônio.

A respeito do que pode ser compreendido por confisco, Renato Lopes Becho refere designação específica para estes termos em matéria tributária, conforme vemos adiante:

Confisco, em termos tributários, pode ser visto como a transferência total ou de parcela exagerada e insuportável do bem objeto da tributação, da propriedade do contribuinte para a do Estado. Expliquemos esta asserção.

Toda tributação significa a transferência de riqueza, objeto da exação, da propriedade do particular, seu contribuinte, para o Estado. A tributação deve ser realizada de modo a não retirar o bem ou inviabilizar o direito de propriedade, pois não se espera que o Estado atue contra seus sócios, os partícipes da organização social67.

No entanto, muito embora seja possível percebermos que o legislador constitucional teve por intenção a proteção do patrimônio do contribuinte, não é tão fácil a delimitação do que se pode compreender por interferência exagerada sobre a propriedade, admissível por meio da tributação. O tema do limite quanto ao alcance do que se pode considerar por confisco, na posição de Paulo de Barros Carvalho68, ainda carece de definição, nos seguintes termos:

A temática sobre as linhas demarcatórias do confisco, em matéria de tributo, decididamente não foi desenvolvida de modo satisfatório, podendo-se dizer que sua doutrina está ainda por ser elaborada.

67 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 418.

68 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 213.

A intuição, que sabemos ser poderoso instrumento cognoscitivo, indica-nos alguns casos flagrantes. Todavia, não oferece diretriz segura.

Mais adiante, no sentido do que pode ser considerado por confisco, é possível traçarmos relação com o direito penal, pois também nesta seara é observada hipótese de perda patrimonial, conforme caso presente na própria Constituição. Dispõe o inciso XLVI, art. 5º, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

(...)

b) perda de bens; (....)

Temos, portanto, embora indiretamente, indicação constitucional do que pode ser considerado confisco. No direito tributário também encontramos situações onde se é penalizado com o perdimento de bens, como é o caso de algumas sanções aduaneiras, como em casos de fraude.

No entanto, devemos fazer atenção ao fato que em ambos os casos onde o perdimento das mercadorias é autorizado, inclusive na própria Constituição, estamos tratando de situações de penalização por ato ilícito, o que por definição o tributo não é69. Ou seja, outra interpretação que se pode abstrair do princípio do não-confisco é que a partir deste não é permitido ao Estado promover subtração do patrimônio, a título de tributo, que tenha o mesmo efeito do quanto decorre de fato ilícito70.

De todo modo, muito embora não constando expresso em nosso ordenamento, podemos seguramente afirmar que a utilização de tributo com efeito de confisco ocorre nos casos onde há transferência total da propriedade, ou de montante exagerado, para o Estado. O exagero deverá ser observado de acordo

69 CTN, art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

70 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 435.

com a capacidade contributiva do contribuinte, caso a caso. Neste sentido, esclarece Roque Antonio Carrazza:

IX - É certo que, a priori, é extremamente difícil, se não, mesmo impossível, precisar a partir de que ponto um imposto passa a ser confiscatório. É igualmente certo, porém, que isso se saberá analisando cada caso concreto, ou seja, averiguando – como lucidamente observa Estevão Horvath – se ele foi criado com finalidades extrafiscais”, qual sua natureza intrínseca”, qual o “tipo de riqueza gravada”, e assim avante.71

A tributação confiscatória também é aquela que desrespeita a capacidade de contribuir. No entanto, o inverso não é verdadeiro, no que concordamos com a opinião de Renato Lopes Becho, mais uma vez. Vejamos:

A pergunta que fazemos, neste momento, é a seguinte: é possível uma lei tributária ferir o princípio da capacidade contributiva, sem ferir o princípio do não confisco? Damo-nos pressa em responder: parece-nos que sim. Em nossa opinião, é possível uma exação fiscal ser inconstitucional por desrespeitar o princípio da capacidade contributiva e não significar, necessariamente, um confisco. Ao menos hipoteticamente.

(...)

Suponhamos, também, que o legislador competente altere a legislação específica, majorando a alíquota do sobredito imposto de 1% para 5%. Conforme pensamos, 5% sobre o valor venal do imóvel, a título de IPTU, pode deixar diversos contribuintes em sérias dificuldades financeiras. A lei estipulou que a majoração poderá ser declarada inconstitucional por ferir o princípio da capacidade contributiva, expresso no Texto Constitucional, art. 145, §1º.72

Desta forma, consideramos que capacidade contributiva constitui um primeiro limite ao legislador inferior, de forma que este não pode tributar de forma excessiva. Outra coisa, no entanto, é a tributação confiscatória, que passa a ostentar feição de atentado à manutenção do patrimônio particular, portanto um segundo limite, ainda mais agressivo.

Ainda no sentido de aclarar em relação aos limites do que pode ser considerado confisco, convém trazermos as lições de Regina Helena Costa, a qual compreende pela existência de princípio maior, qual seja o princípio de não-

71 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 118.

72 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 436.

obstância do exercício de direitos fundamentais por via de tributação. De acordo com este entendimento, albergados no referido princípio, estão todos os direitos fundamentais relacionados à matéria tributária, tais como imunidades e garantias de não intervenção no patrimônio.

Neste entendimento, o princípio do não confisco existe como manifestação daquele, nos seguintes termos:

Portanto, o princípio em foco tem sua eficácia manifestada não somente mediante a instituição de situações de intributabilidade, mas igualmente mediante a observância de outros princípios constitucionais, tais como o da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150, IV), o da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, e 170, III) e o da liberdade de profissão (arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único)73.

No que se relaciona com o ICMS-Importação, na medida das alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, passa a ser permitida incidência do ICMS no caso de quaisquer importações, até mesmo sobre aquelas que não impliquem inserção de bem no ciclo econômico nacional. Nestes casos, não é respeitada a matriz constitucional do ICMS, a qual necessariamente implica tributação não-cumulativa. Ou seja, nos casos em apreço, a tributação passa a subtrair importâncias significativamente superiores, de acordo com previsão constitucional que compreendemos por inadequada.

Nesses casos, diante das elevadas alíquotas de ICMS-Importação, bem como pela técnica de apuração da base de cálculo que faz incluir tanto importâncias estranhas ao conceito de operação mercantil, quanto o próprio tributo, compreendemos tratar-se de prática confiscatória.

No que diz respeito ao princípio da não-cumulatividade, passamos a analisar quanto ao seu conteúdo, bem como conexão com a materialidade do ICMS e com a modulação da carga tributária.

73 COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e Justiça Tributária – Exeqüibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. São Paulo: Ed. Malheiros, 2007, p. 156.