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CAPÍTULO I – SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

1.4 Diferença entre princípios e regras constitucionais

Conforme visto, a noção de sistema constitucional prevê o conceito de que as normas têm competências e hierarquias diferenciadas, de forma que algumas têm prevalência sobre as outras em função da posição ostentada dentro do sistema. No ponto mais alto da hierarquia em questão, encontra-se a Constituição, a qual irradia fundamento ao sistema.

No mesmo sentido, ao nos aproximarmos das normas do sistema que se encontram na própria Constituição, devemos observar que algumas normas são também diferenciadas em relação às demais, devendo-se distinguir em nível constitucional as regras constitucionais e os chamados princípios constitucionais.

Não devemos, contudo, compreender que e existência de princípios poderá ser verificada em outros níveis do sistema, também, como princípios legais, infralegais, etc.. No entanto, aqui cuidaremos dos princípios constitucionais, pelo fato de que estes operam função singular no sistema que buscamos analisar no presente estudo.

Por princípios compreendemos os valores do ordenamento jurídico, aquilo existente no sistema dando origem a este, pelo que não devemos confundir por normas sem caráter normativo. Os princípios, os que entendemos, são normas para todos os fins, mais gerais que as demais, mas que demonstram este caráter em função de serem invocados, como as demais normas, no sentido de regular determinada situação, especialmente nos casos onde desempenham a função de preencher lacunas do sistema.

Dessa forma, os princípios irão emanar seus efeitos por todo o ordenamento, na função de orientar a interpretação das demais normas, as quais não poderão transgredir o campo semântico de qualquer dos princípios constitucionais. A respeito da relação de supremacia dos princípios em função das demais normas, também constitucionais, bem ilustrou Celso Antonio Bandeira de Mello, verbis:

Usurpar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos36. Os princípios se diferenciam das demais normas constitucionais por se tratarem de normas de maior abstração, as quais se constituem em estruturas a serem observadas tanto na produção quanto na aplicação das normas.

Destacamos a posição de Mariz de Oliveira sobre o que são princípios:

Os princípios dão ordem ao ordenamento, no sentido de estabelecer a necessária coerência entre as várias normas e regras que compõem, além de lhes dar suporte de validade. Daí os princípios serem verdadeiramente alicerces de toda estrutura normativa, devendo ser respeitados pelo próprio legislador e pelos destinatários, aplicadores e interpretes das normas e regras do ordenamento jurídico, a ponto de Celso Antonio afirmar que o desrespeito a um princípio é mais grave do que o desrespeito a uma norma, eis que representa violação de todo o sistema37

.

Portanto, os princípios são as normas que dão razão às demais dentro do sistema explicado até aqui, constituído de normas de diferentes hierarquias e funções, mas que neste sentido sempre deverão ser interpretadas segundo os princípios constitucionais.

Neste mesmo diapasão, destaca Luis Roberto Barroso:

O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que instituiu. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à da regra concreta que vai reger a espécie38.

A diferenciação entre princípios e regras é tarefa árdua da doutrina, já tendo despertado a opinião de diversos doutrinadores, dentre eles Dworkin39, para o qual a

36 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31.ed. São Paulo: Ed Malheiros, 2014, p. 943.

37 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 400.

38 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2014, p. 91.

diferença se percebe na forma como as regras são aplicadas. De acordo com a doutrina do referido autor, diferentemente dos princípios, as regras encerram comandos do tipo “tudo ou nada”, uma vez que automaticamente instalado o vínculo obrigacional. Os princípios, no entanto, não oferecem comando imediato, não se subsumem a uma hipótese de incidência presente no antecedente da norma, o princípio oferece um fundamento que deverá ser sopesado com outros quando da decisão.

Ainda no sentido de promover distinção entre princípios e regras, o mesmo autor refere que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso que se exterioriza na hipótese de colisão, quando o princípio com maior valor sobrepõe-se ao outro, sem que o princípio mais fraco perca sua validade.

Na doutrina de Humberto Ávila, no entanto, encontramos divergência em relação à doutrina do autor norte americano, em ambos os pontos aqui destacados. Em relação à ideia do “tudo ou nada”, podemos criticá-la uma vez que esta percebe a solução dos conflitos de forma bastante mecanicista, de maneira que facilmente podemos imaginar casos onde os fatos em conflito se subsumem a determinado comando normativo, mas, no entanto, os efeitos da norma são descartados, em função de especificidades do caso em análise. Neste caso, o que existiria na concepção do autor gaúcho é um sopesamento de regras, onde uma prevalece sobre outra, sem ceifar sua validade.

São essas as palavras do autor:

Embora tentador, e amplamente difundido, esse entendimento merece ser repensado. Isso porque em alguns casos as regras entram em conflito sem que percam sua validade, e a solução para conflito depende da atribuição de peso maior a uma delas. Dois exemplos podem esclarecer:

Primeiro exemplo: uma regra do Código de Ética Médica determina que o médico deve dizer para seu paciente toda a verdade sobre sua doença, e outra estabelece que o médico deve utilizar todos os meios disponíveis para curar seu paciente. Mas como deliberar o que fazer no caso em que dizer a verdade ao paciente sobre sua doença irá diminuir as chances de cura, em razão do abalo emocional daí decorrente? Casos hipotéticos como estes não só demonstram que o conflito entre regras não é necessariamente estabelecido em nível abstrato, mas pode surgir no plano concreto, como ocorre normalmente com os princípios. Esses casos também indicam que a decisão envolve uma atividade de sopesamento entre razões40.

Continuando nas ponderações minuciosas de Humberto Ávila, concordamos quando este propõe uma percepção mais profunda do que são princípios e em relação aos motivos pelos quais estas normas se diferenciam das regras. Na doutrina do autor, a diferença entre as normas não é verificada de forma exclusiva, de maneira que determinado princípio pode ser extraído de suporte fático que também pode suportar uma regra.

Neste sentido, determinadas regras, não todas, poderão ser invocadas de acordo com a situação presente, em função das circunstâncias destas dentro do sistema e, em função do aspecto a ser valorizado no caso, seja de norma ou de princípio.

Como exemplo, citamos o princípio da legalidade em matéria tributária, o qual pode ser verificado tanto como uma regra, impondo condição quanto à necessidade de processo legislativo específico, bem como pelo caráter axiológico da norma, uma vez que corolário da liberdade, da democracia e da república. Em assim sendo, dependerá da construção normativa, promovida pelo exegeta, a percepção de um princípio ou uma regra.

Muito embora observemos divergências nas posições acima adotadas, podemos dizer que a diferenciação entre princípios e regras contém um núcleo semântico mínimo, permitindo afirmar que os princípios diferenciam-se das regras por seu caráter valorativo e sua alta abstração, de maneira que não se reportam, exclusivamente, a condutas a serem reguladas, mas a diretrizes que devem nortear a interpretação das normas em relação a casos concretos. A noção de diretriz confere aos princípios a função de atribuir unidade ao sistema, sendo que uma vez utilizada interpretação segundo princípios, estes irão fornecer coerência em relação às decisões emanadas pelo Poder Judiciário.

Podemos dizer, ainda, que os princípios ostentam papel de prevalência em relação às regras, de modo a serem verificados, preliminarmente, no processo de interpretação a que se dispõe o operador do direito. Neste sentido, destacamos a opinião de Roque Antonio Carrazza, tratando muito bem do tema:

VI - Não é por outras razões que, na análise de qualquer problema jurídico – por mais trivial que seja (ou que pareça ser) –, o cultor do Direito deve, antes de mais nada, alçar-se no altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar em que sentido eles apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto,

jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico-constitucional41.

Verificamos, portanto, que a identificação dos princípios, bem como a correta valoração destes, é fundamental para a correta compreensão dos problemas jurídicos, vez que revelam a intenção do legislador, ou seja, a vontade do Estado (mens legi). Este é o caso das circunstâncias instaladas em função da Emenda Constitucional nº 33 de 2001, no que nos debruçaremos mais adiante.

Primeiro, contudo, a par da importância e do papel desempenhado pelos princípios constitucionais, passemos à análise dos princípios que se relacionam com o tema, dos quais lançaremos mão na análise a que se propõe o presente trabalho.