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CAPÍTULO II – ANÁLISE DO ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DO ICMS-

2.1 Antecedente normativo

2.1.1.3 Vocábulo mercadorias

Mercadoria, por sua vez, consiste no bem móvel sujeito à operação de mercancia, ou seja, operação que se sujeita às regras do direito comercial.

Nenhum bem é mercadoria por sua natureza, serão mercadorias aqueles bens que sejam objeto de operações regidas pelo regime jurídico do direito comercial, que sejam bens móveis, de forma que a qualificação como mercadoria dependerá do destino a ser dado pela operação mercantil.

Em assim sendo, o vocábulo mercadorias restringe com mais especificidade as operações que se sujeitam ao ICMS, de maneira que são mercadorias os bens corpóreos objeto da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante107. Cleber Giardino e Geraldo Ataliba também destacam a importância do vocábulo em questão na definição da materialidade do ICMS, nos seguintes termos:

(....) só há mercadoria para o Direito, onde existam regras jurídicas que a definam e dêem critérios para o seu reconhecimento (mercadorias são coisas qualificadas pelo Direito, em função de sua

106 BORGES, José Souto Maior. O Fato Gerador do ICMS e os Estabelecimentos Autônomos. In: Revista de Direito Administrativo, v. 103. São Paulo, p. 33-48.

destinação); destarte inexiste mercadoria onde inexista ato juridicamente regrado108.

Em assim sendo, consideramos correta a lição de Roque Antonio Carrazza, para o qual o conceito de mercadoria que deve ser trazido para fins de definição da hipótese de incidência do ICMS é aquele vigente no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988109, o qual se encontrava indicado na disposição do artigo 191 do Código Comercial, atualmente revogado.

Art. 191 - O contrato de compra e venda mercantil é perfeito e acabado logo que o comprador e o vendedor se acordam na coisa, no preço e nas condições; e desde esse momento nenhuma das partes pode arrepender-se sem consentimento da outra, ainda que a coisa se não ache entregue nem o preço pago. Fica entendido que nas vendas condicionais não se reputa o contrato perfeito senão depois de verificada a condição (artigo nº. 127).

É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso; compreendendo-se na classe dos primeiros a moeda metálica e o papel moeda, títulos de fundos públicos, ações de companhias e papéis de crédito comerciais, contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante.

Nestes termos, o conceito legal de mercadoria que constava do ordenamento quando da publicação da Constituição Federal de 1988 é de caráter legal vinculado à finalidade de compra e venda, quando estatui que “é unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis e semoventes para revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar seu uso”, etc..

Paulo de Barros Carvalho destaca, em relação ao termo mercadoria, assinalando quanto à origem deste vocábulo, o qual deriva do latim “mercatura”, tendo por significado coisa corpórea e móvel que pode ser objeto de compra e venda. Ainda de acordo com o mesmo autor, a predicação mercadoria não se refere à característica do objeto, mas do destino que se dê ao bem110. Ou seja, será

108 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). In: Revista de Direito Tributário, n. 25-26. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983, p. 105.

109 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 49.

110 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e Método. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 648.

considerado mercadoria o bem que tiver destinação comercial, que se sujeite à atividade de mercancia.

Em assim sendo, pela utilização em nível constitucional de termo naquele significado dado pela legislação comercial, entendemos que resta cristalizada a definição empregada na Constituição, uma vez que, se assim não fosse, seria possível a alteração de materialidade tributária por meio da legislação infraconstitucional, o que não podemos admitir.

Também não podemos admitir a ideia de um conceito em aberto em nível constitucional, uma vez que este entendimento menospreza a intenção do legislador constitucional que houve por bem escolher o vocábulo “mercadoria” ”, bem como repartir as competências tributárias. Além disso, este entendimento atenta contra garantia patrimonial, o que veremos adiante se tratar de direito fundamental. O direito fundamental a somente ser tributado nos estritos termos do que definiu o legislador constituinte originário.

Nos termos acima expostos, por exemplo, não serão considerados mercadoria os bens que sejam objeto de operações de transferência de produtos111 ou bens do ativo fixo, bem como não serão consideradas mercadorias os bens móveis destinados à exposições, feiras, etc..

Uma vez presente que o conceito de mercadoria implica, necessariamente, a presença de uma operação negocial, devemos atentar que não são todas as operações mercantis que importam à tributação pelo ICMS, mas somente aquelas que impliquem “circulação” destes bens, ou seja, que se relacionem com a transferência jurídica do bem, de uma pessoa para outra.

Por este motivo, é o termo mercadorias que indica que as circulações escolhidas para serem tributadas pelo ICMS serão aquelas que implicarem na tradição do bem.

O ICMS-Importação, na atual redação constitucional, refere que serão objeto de tributação por este imposto qualquer ingresso de bens do exterior, sendo descartados os conceitos de operações e mercadorias, sendo para o ICMS- Importação irrelevante a destinação do bem ou qualificação quanto à operação que

111 STJ, Súmula 166: Fato Gerador - ICMS - Deslocamento de Mercadoria - Estabelecimento do

Mesmo Contribuinte. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de

promove a entrada do bem em território nacional. Sobre este ponto, destaca José Eduardo Soares de Melo:

Também poderá incorrer o ônus tributário nos casos de admissão temporária concernentes a bens que devam permanecer no país durante prazos determinados, em razão de diversificadas situações, tais como feiras, exposições, congressos, pesquisas científicas, espetáculos artísticos, competições esportivas, promoções, reposição e conserto em virtude de garantia.112

Sobre o tema, no mesmo sentido esclarece Clélio Chiesa, nos seguintes termos:

O art. 155, §2º, IX, a, da Constituição Federal, contempla três situações distintas: a) a primeira consiste na tributação do evento importar bem ou mercadoria para revenda, comercialização, ou industrialização; b) a segunda, prevê a tributação de serviço prestado no exterior, cabendo imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço; c) a terceira tem como evento tributado a aquisição de bens por pessoa física ou jurídica que não pratica atos de comércio com habitualidade.113

Em relação à alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, passou a constar que o ICMS poderá incidir sobre a mera entrada de bens, independentemente do intuito comercial. É exatamente nesta ponto que acreditamos ter o legislador constitucional extrapolado, o que resta nítido ao trazer o conceito de bem, como busca explicar Christine Mendonça, nos seguintes termos:

(IV) BEM – objeto móvel

Diverso do que foi tratado no item anterior, a expressão “bem”, constante da alínea “a” do inciso IX do art. 155, é bem mais abrangente do que “mercadoria”, pois, enquanto esta deve ser objeto de transações habituais e em volume que caracterize atividade de mercancia, aqueles se refere a toda e qualquer coisa móvel, independente se a operação de deu entre pessoas físicas ou jurídicas, independentes se é para o uso próprio ou para revenda. Em síntese, caso seja realizado um negócio jurídico (operação) que tenha como objeto a transferência de titularidade (circulação) de um

112 MELO, José Eduardo Soares de. Importação e Exportação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. 3.ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 33.

113 CHIESA, Clélio. ICMS: Sistema Constitucional Tributário – algumas inconstitucionalidades da LC 87/96. São Paulo: Editora LRT, 2007.

bem móvel proveniente do exterior, sujeito a mercancia ou não, gerará incidência do ICMS-Importação.114

Verificamos, portanto, que o critério material do ICMS-Importação se confunda com o mesmo critério relacionado ao imposto de importação, compreendemos que esta coincidência não deveria ser recepcionada pelo sistema tributário constitucional vigente no Brasil, por se tratar de alargamento inconstitucional da competência dos Estados e do Distrito Federal, promovida pelo legislador constituinte derivado, bem como por se tratar de sobreposição à competência reservada à União, nos termos do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal.

Em relação à referida incoerência, trataremos mais propriamente a seguir, ao tratarmos especificamente das inovações promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001. No entanto, já adiantamos que somos do entendimento que a materialidade possível do ICMS-Importação, nos termos da redação original da Constituição, é o ingresso de bens no ciclo econômico nacional, seja por meio do ingresso de mercadoria, seja por meio do ingresso de bens que serão consumidos ou agregados ao ativo imobilizado de empresa, contribuinte do ICMS.