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Critérios formais da constituição da obrigação de lançamento

CAPÍTULO II OPA OBRIGATÓRIA

3. Critérios formais da constituição da obrigação de lançamento

I. Delimitar qual o critério que abstratamente determina que um sócio detém o controlo sobre a sociedade na qual participa é uma tarefa árdua para os Estados-Membros. Em Portugal, à semelhança do que aconteceu na maioria dos países, incluindo o Reino Unido, foi escolhido o critério da detenção de uma percentagem dos direitos de voto250 (com referência ao capital social da sociedade), sendo irrelevante a natureza do facto constitutivo da obrigação de lançamento251. Note-se que este regime constitui uma exceção ao princípio da liberdade contratual do artigo 61.º da CRP252— e não pode, por isso, segundo os constitucionalistas, ser interpretado restritivamente, por forma a abranger apenas as aquisições a título gratuito.

248 A que P

EDRO PAIS DE VASCONCELOS, «Concertação... cit., p. 20, denomina de proteção objectiva, por contraposição à defesa do acionista investidor, a que chama de subjetiva.

249 A

NTÓNIO MENEZES CORDEIRO, «Ofertas Públicas de Aquisição… cit., p. 279.

250 A escolha do critério deve-se a, cada vez mais, ter surgido mecanismos de dissociação entre ownership e

control. É a escolha deste critério que motiva alguns autores a destacar uma função «disciplinadora» das OPAs.

Assim, JAVIER GARCÍA DE ENTERRIA, Mercado de control… cit., p. 50, que classifica essa dissociação como «el

principal problema del Derecho de sociedades de nuestro tiempo». Um bom exemplo destas técnicas é a

emissão de ações preferenciais sem voto, já referido.

251 Isto é, se se trata de uma aquisição inter-vivos ou mortis causa, gratuita ou onerosa. Sobre a aquisição mortis

causa, vide MANUEL REQUICHA, «O dever de lançamento de OPA nos casos de sucessão mortis causa», in ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (coord.), RDS, n.º 1, ano VI, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 9-58.

252

II. O artigo 5.º, n.º 3, da Diretiva 2004/25/CE, estabeleceu que as percentagens são determinadas pela «regulamentação do Estado-membro em que se situa a sua [da sociedade] sede social»253, evitando demarcar qual a percentagem dos direitos de voto em que se adquire o controlo254. No âmbito do anterior Código, a obrigação de obrigatoriedade de uma OPA integral só existia quando o oferente tivesse adquirido mais do que 50% dos direitos de voto, nos termos da conjugação entre a alínea b) do artigo 527.º com o artigo 528.º do Cód.MVM 255 . As soluções adotadas nos Estados-Membros foram, de certa forma semelhantes. Desde logo, no Reino Unido foi estabelecida na rule 9., a percentagem de 30 % dos direitos de voto256. Em Espanha, as ofertas públicas de aquisição foram reguladas no Real

Decreto 1066/2007, de 27 de Julho257 (Real Decreto 1066/2007), que estabeleceu o limiar de 30% (artigos 3.º e 4.º, n.º 1, alínea a)) para a OPA obrigatória. O Real Decreto 1066/2007 constitui uma regulamentação da Ley 6/2007, de 12 de Abril258, pela qual foi transposta a disciplina da Diretiva para o Ley de Mercado de Valores de 1988259. Na Alemanha, as OPAs encontram-se reguladas no Wertpapiererwerbs- und Übernahmegesetz (WpÜG) 260, onde nas

253 M

ENEZES CORDEIRO, Direito Europeu... cit., p. 504.

254 Na verdade, a própria noção de controlo é muito difícil de determinar. Dever-se-á, por exemplo, ter em conta

a situação em que um sócio tem o poder de impor à administração a adoção de condutas ou bastará, para este efeito, o poder de veto, garantindo apenas que a administração não desempenha determinadas ações? Por outro lado, com a quantidade de CEM’s disponíveis aos acionistas, muitas vezes encontramo-nos perante situações de controlo facilmente camufláveis.

255

Repare-se que neste momento já estamos a limitar a nossa análise à OPA subsequente que se encontrava regulada no Cód.MVM, não nos interessando, para este efeito, a OPA prévia.

256 Esta percentagem vigora desde 1976, sendo que antes a percentagem estabelecida era de 40%, como notou

JOÃO CALVÃO DA SILVA, «OPA convencional obrigatória», in Estudos Jurídicos [Pareceres], Coimbra, Almedina, 2001, p. 96 [83-104].

257 Disponível em www.boe.es, tendo sido consultada a redação conferida pelo Real Decreto-Ley 4/2014, de

07.03.2014 e pela Ley 17/2014, de 30.09.2014.

258 A Ley 6/2007, de 12 de Abril (BOE, de 13 de abril de 2007), encontra-se disponível em www.cnmv.es. 259

Esta encontra-se disponível em www.boe.es, tendo sido consultada a versão resultante da modificação operada a 28.04.2015, pela Ley 5/2015, de 27.04.2013 (BOE-A-2015-4607). Sobre o regime resultante de transposição da Diretiva no ordenamento jurídico espanhol, vide JOSÉ MARÍA MUÑOZ PAREDES, in MAUL / MUFFAT-JEANDET /SIMON (coord.), Takeover Bids in Europe – The Takeover Directive and its implementation

in the Member States, Memento Verlag, 2008, pp. 527-549.

260 Publicado em 20.12.2001 (BGBl. I S. 3822), com entrada em vigor em 01.01.2002, tendo sido consultada a

versão traduzida para a língua inglesa disponível em www.bafin.de, com as alterações introduzidas pela Gesetzes vom 7. August 2013 (BGBl. I S. 3154). O WpÜG, que na Alemanha tem uma vocação regulatória geral, teve a sua origem no seguimento da famosa OPA hostil da Vodafone AirTouch plc sobre a Mannesman AG, que teve lugar entre 1999 e 2001 e veio demonstrar a insuficiência do anterior Übernahmekodex der

Börsensachverständigenkommission beim Bundesministerium der Finanzen de 14.07.1995, que assumia natureza

voluntária, na medida em que só tinha aplicação às sociedades que a voluntariamente se submetessem. Neste sentido, GUDULA DEIPENBROCK, The Takeover Directive and German Takeover Law - Some Fundamentals from a Market and Sustainable Development Perspective, University of Oslo Faculty of Law Research Paper No.

2013-06, 2013, p. 7, disponível em www.ssrn.com/abstract=2228649, HARALD BAUM, Takeover Law… cit., p. 4, e JULIA CLOIDT-STOTZ, in MAUL /MUFFAT-JEANDET /SIMON (coord.), Takeover Bids in Europe – The Takeover

definições do § 29 (2) se prevê a ultrapassagem do limiar de 30% dos direitos de voto como conferindo controlo, sendo a aquisição deste que desencadeia a obrigação de lançamento da OPA obrigatória nos termos do § 35 do WpÜG. Este diploma foi posteriormente regulamentado pelo WpÜG-Angebotsverordnung (regulamento da WpÜG), no que respeita aos documentos da oferta, à contrapartida e a derrogações à OPA obrigatória261,262. O regime de OPA obrigatória em Itália (denominada de «offerta pubblica di acquisto totalitária») é também fundado em critérios formais: a ultrapassagem dos 30% dos direitos de voto de uma sociedade, nos termos do disposto no artigo 106, comma 1 do Testo Unico della Finanza (TUF)263.

III. Hoje, no artigo 187.º, n.º 1 do CVM, o legislador escolheu um limiar ligeiramente mais alto do que a generalidade dos outros Estados-Membros264 para a constituição da OPA obrigatória265: um terço266 dos direitos de voto. Este critério estabelece apenas uma presunção

transposição da Diretiva 2004/25/CE só entrou em vigor a 14.06.2006. Recorde-se que a Alemanha foi uma das grandes opositoras à Diretiva 2004/25/CE, por considerar que o seu regime de grupo de sociedades, previsto no

Konzernrecht, protegia devidamente o s acionistas outsiders das suas sociedade, não sendo necessário a

constituição do regime da OPA obrigatória. A OPA Vodafone AirTouch-Mannesman veio demonstrar as insuficiências daquele regime e moldou a regulação alemã das OPAs desde então. Sobre o caso, veja-se www.ec.europa.eu.

261 Publicado em 27.12.2001 (BGBl. I S. 4263), tendo sido consultada a versão traduzida para a língua inglesa

disponível em www.bafin.de, com as alterações introduzidas pela Gesetzes vom 6. Dezember 2011 (BGBl. I S. 2481). Este foi constituído ao abrigo do § 31 VII do WpÜG, the que atribui ao Ministro das Finanças Federal o poder de através de regulamento e sem consentimento do Parlamento, emitir regras sobre a adequação da contrapartida.

262 Sobre regime resultante de transposição da Directiva 2004/25/CE, J

ULIA CLOIDT-STOTZ, in MAUL /MUFFAT- JEANDET /SIMON (coord.), Takeover Bids… cit., pp. 264-322.

263

Decreto legislativo de 24 febbraio 1998, n. 58 (GU n.71 de 26.03.1998 - Suppl. Ordinario n. 52), versão em vigor a 20.05.2015, disponível em www.normattiva.it, incluindo já alterações realizadas pelo Decreto-Legge de 24.06. 2014, n. 91 (G.U. 24/06/2014, n.144), nomeadamente, no regime da OPA obrigatória. O TUF foi posteriormente regulamentado pelo Regolamento di attuazione del decreto legislativo 24 febbraio 1998, n. 58,

concernente la disciplina degli emittenti, na redacção conferida pelo decreto legislativo n. 19094, de 08.01.2015

(Regolamento emitenti). Especial atenção deve ser prestada aos artigos 44-bis a 50-quinquies, relativos à offerte

pubbliche di acquisto obbligatorie. As alterações introduzidas no TUF pela transposição da Directiva

2004/25/CE entraram em vigor a 28.12.2007.

264

Como foi destacado no Relatório sobre Application of Directive 2004/25/EC on takeover bids, da Comissão EuropeiaCOM 347 final, 2012, p. 5, disponível em www.ec.europa.eu, a maioria dos Estados-Membros adotou o critério de 30% ou de um terço dos direitos de voto, não obstante a liberdade conferida pela Diretiva. Para uma tabela com todos os limites previstos nos Estados-Membros, vide o estudo encomendado à MARCCUS PARTNERS

pela Comissão Europeia quanto à aplicação da Diretiva 2004/25/EC das OPAs, denominado «The takeover bids

directive assessment report», 2010, p. 291, disponível em www.ec.europa.eu.

265

Diferente da solução do legislador britânico do Takeover Code, que escolheu o limiar dos 30%, na rule 9.1 (a) do Takeover Code, tal como fez o legislador italiano no artigo 106, comma 1 do Testo Unico della Finanza (TUF), a título exemplar. Para ver as diversas experiências dos Estados-Membros, consulte-se o Report on the

implementation of the Directive on Takeover Bids, de 2007, em especial o anexo 2, disponível em

ilidível, não constituindo sequer um limite aplicável a todas as sociedades; veja-se que o n.º 4

do artigo 187.º do CVM «acaba por implicar que o regime das ofertas públicas de aquisição, embora valendo para a aquisição de posições relevantes em sociedades abertas, não é uniforme para todas estas»267. Como apenas as sociedades com ações negociadas em mercado regulamentado não podem suprimir o limite de um terço, só para estas estaremos perante um critério que não é supletivo. Ainda assim, o legislador não se ficou pelo estabelecimento de uma presunção ilidível. Determinou outro critério — através de uma presunção, agora

inilidível — para o apuramento do controlo por um sócio de uma sociedade: trata-se da

metade dos direitos de voto. Quando um sócio ultrapassar metade dos direitos de voto (não basta ter 50% destes), verá constituído na sua esfera jurídica a obrigação de lançamento de uma OPA268.

4. Critérios materiais atenuadores — as exceções à obrigação de lançamento — breve

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