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Separação entre propriedade e controlo: Exercício do controlo através de estruturas económicas de controlo Referência genérica.

3. O lugar dos BPC na realidade empresarial Vantagens e desvantagens.

3.3. Separação entre propriedade e controlo: Exercício do controlo através de estruturas económicas de controlo Referência genérica.

VIII. A separação entre a propriedade e controlo das empresas tem sido um dos fundamentos da ordem económica dos últimos três séculos111, a par da limitação de responsabilidade. Repare-se que a dispersão de capital, i.e. a separação entre propriedade e controlo, acaba por ser um meio para atingir o fim da limitação de responsabilidade — pois para confiar o negócio a outrem, é necessária confiança —, mas também de limitação do investimento pelo acionista controlador. Os instrumentos de separação entre titularidade e controlo levaram a um reexame da relação entre a estrutura acionista e perante esta e a própria sociedade112, tendo, posteriormente, surgido a necessidade de uma nova análise à relação estabelecida entre a estrutura acionista e a capacidade de performance de uma sociedade,

111C

LIFFORD G.HOLDERNESS, «A Survey of Blockholders … cit., p. 51.

112 Neste sentido, a separação entre propriedade e controlo no âmbito das participações sociais é potencialmente

geradora de situações problemáticas a nível dos BPC. Porém, a doutrina tem destacado outros problemas associados a esta situação, com especial destaque para as situações de empty voting. HENRY T.C.HU eBERNARD

BLACk desenvolveram os temas de empty voting e hidden ownership ao longo de um estudo dividido em três obras: «The New Vote Buying: Empty Voting and Hidden (Morphable) Ownership», Southern California Law

Review, n.º 79, 2006, pp. 811-908; «Empty Voting and Hidden (Morphable) Ownership: Taxonomy,

Implications, and Reforms», Business Lawyer, vol. 61, 2006, pp. 1011-1070; e «Hedge Funds, Insiders, and the Decoupling of Economic and Voting Ownership, Empty Voting and Hidden (Morphable) Ownership», in ECGI, law working paper n.º 56/2006, 2006, todos disponíveis em www.ssrn.com. Nas situações de empty voting, «[e]stá em causa o desalinhamento dos interesses próprios dos sócios com o interesse da sociedade: trata-se de assegurar que a votação em assembleia geral não é condicionada pela intervenção de sujeitos que, apesar de formalmente titulares de participações e do voto, têm interesse económico não correspondente ou até contrário ao da sociedade (entendido como o interesse dos sócios titulares de uma posição económica efetiva), conduzindo a decisões suscetíveis de reduzir o valor da empresa», como afirmou MADALENA PERESTRELO DE OLIVEIRA, «Instrumentos financeiros… cit., p. 558 [537-602]. Este desalinhamento dos interesses poderá motivar os sócios a votar, na reunião da assembleia geral, no sentido de obter vantagens pessoais em prejuízo da sociedade. Estas vantagens poderão corresponder a BPC, quando o sócio (ainda que o seja apenas formalmente, após a venda das suas acções) votante seja ainda controlador na reunião, não obstante já ter transmitido o controlo após a record

date. PAULA COSTA E SILVA,em«O conceito de accionista e o sistema de record date», in IVM, DVM, vol. VIII, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 450 e ss. [447-460], destaca que esta situação é causada pelo facto de, apesar de o artigo 72.º, n.º 4, do CVM estabelecer que durante o período de vigência do bloqueio de valores mobiliários para o exercício de direitos, v.g. de votação na assembleia geral (artigo 72.º, n.º 1, alínea a)), «a entidade registadora não pode (...) registar uma operação a débito na conta de registo individualizada que subtraia, desta conta, os valores bloqueados», o registo realizado na record date não tem efeitos constitutivos, pelo que não se estabelece nenhuma proibição de transmissão desses valores. Neste artigo 74.º, n.º 1, do CVM estabelece meras presunções de titularidade dos valores mobiliários e não a qualidade de acionista, pois o registo é apenas uma «realidade representativa».

porquanto a maioria dos estudos existentes apenas atendia à propriedade das ações e não à titularidade do controlo113. Porém, depressa se descobriu que um acionista, mesmo que minoritário, pode ser titular do controlo de uma sociedade, v.g. se tiver o poder de nomear os membros do órgão de administração114. Neste sentido, a separação entre propriedade e controlo tem sido um dos problemas nucleares do corporate governance115.

IX. À partida, poder-se-á concluir que os incentivos económicos para o acionista controlador extrair benefícios dos não controladores serão diretamente proporcionais à separação entre a titularidade e controlo, porquanto, quanto maior a diferença da separação entre propriedade e controlo, maiores vantagens este retira pela não partilha dos lucros com os restantes acionistas, nomeadamente, a título de dividendos. É que se o acionista detém apenas 35% do capital social (sendo, ainda assim controlador), se ele consegue extrair BPC dos restantes acionistas, no valor χ, pelo exercício do controlo sobre uma sociedade, caso ele se abstenha de extrair essa valor e o divida com os restantes acconistas, ele apenas irá beneficiar de 35% do valor χ no futuro, a título de dividendos116. Por outro lado, o controlador poderá ter ainda uma grande capacidade para supervisionar os membros do conselho de administração

113S

TIJN CLAESSENS,SIMEON DJANKOV e LARRY H.P.LANG, The Separation of Ownership and Control in East

Asian Corporations, 1999, p. 31, disponível em www.ssrn.com/abstract=206448.

114 Por essa razão temo-nos abstido de chamar aos sócios que não participam no controlo de «minoritários»,

preferindo adotar os termos «acionistas externos» ou «outsiders». Por outro lado, tal significará que o sócio titular de uma participação maioritária não será certamente o controlador, o que nos motivou a adotar as expressões «acionista controlador» ou «insiders», ao invés de «maioritário». Fazendo cabalmente a distinção, PEDRO MAIA, Voto e corporate governance…cit., pp. 796 e797, nota 1245.

115 A

LESSIO M. PACCES, Featuring Control Power… cit., p. 41, defendendo que tem sido mesmo o seu núcleo fundamental.

116 Na verdade, o controlador poderá nem receber nada, a título de dividendos, caso a sociedade não reúna os

requisitos para a distribuição de dividendos e reservas voluntárias. Como notou JOÃO DIAS LOPES,«Governo da sociedade anónima… cit., p. 87 [77-165], «[a] remuneração ou reembolso do seu investimento apenas se verifica em momentos específicos [distribuição de lucros de exercício (artigo 33.º, n.º 1, 294.º e 297.º do CSC), distribuição de bens aos acionistas (artigo 32.º do CSC) ou com a liquidação da sociedade (artigos 146.º e ss.)] e desde que a posição dos credores sociais esteja salvaguardada através do cumprimento de requisitos de capital para a distribuição de lucros de exercício (artigos 33.º e 294.º e ss. do CSC) ou de bens de acionistas (artigos 32.º e 31.º do CSC)». A distribuição dos lucros do exercício aos sócios está desde logo limitada pelo princípio da intangibilidade do capital social (artigo 32.º so CSC), embora se verifique na lei uma tentativa de proteção dos sócios minoritários, na medida em que, ao abrigo dos artigos 217.º e 294.º do CSC, havendo lucros de exercício, pelo menos metade do lucro de exercício distribuível não poderá deixar de ser distribuído aos sócios, exceto se o contrário for previsto em cláusula contratual ou adotado mediante uma deliberação tomada por três quartos dos votos correspondentes ao capital social. Neste sentido, PAULO DE TARSO DOMINGUES, Do capital social: noção, princípios e funções, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 254.

(afinal, ele é o controlador da sociedade), mas também aqui, o seu incentivo económico para o fazer ser diminuto, exatamente pelas mesmas razões117.

X. São tradicionalmente destacados essencialmente os seguintes mecanismos de separação entre controlo e propriedade118: (i) differential voting rights; (ii) pyramids119; (iii)

cross-ownership. O primeiro mecanismo consiste em alterar a proporcionalidade entre o

número de participações sociais e os direitos de voto que respetivamente atribuem ao seu titular, com vista a que o controlador limite risco do seu investimento120. O segundo consiste em criar grupos de sociedades através dos quais se estabelecem estruturas de controlo indireto, por vezes, tão complexas, que não permitem desvendar que «no topo da pirâmide» se encontra um controlador comum, a quem são imputáveis indiretamente participações sociais de vários acionistas. Finalmente, o terceiro mecanismo consiste em ter participações recíprocas — tal como previsto no artigo 485.º do CSC, embora aqui só relevem as participações que atinjam 10% do capital das participadas —, criando relações horizontais que, quando envolvem mais do que apenas duas sociedades, formam grupos económicos de estruturas complexas que permitem a dissociação entre propriedade e controlo121.

117 Comissão Europeia, Impact Assessment… cit., p. 31, onde apresenta os control-enhancing mechanisms

(mecanismos que permitem a separação entre a propriedade e o voto, CEMs). Este estudo tem a vantagens de ter vários exemplos dos mecanismos de controlo suscetíveis de ser adotados pelos acionistas, com uma análise a nível europeu (embora Portugal não conste dos países objcto de análise) da sua utilização e efeitos, embora não concluindo num sentido claro quanto à censurabilidade dos CEMs.

Com exemplos de estruturas piramidais, como Luis Vuitton, Telecom Itália e Porche), FRANCISCO JOSÉ LEÓN

SANZ, Los Mecanismos de Control Reforzados en las Sociedades Cotizadas (Control-Enhancing Mechanisms, CEM) el Cambio de Rumbo, working paper IE Law School, WPLS10-08, 2010, p. 6, disponível em

www.catedraperezllorca.ie.edu.

118 A

LESSIO M. PACCES, Featuring Control Power… cit., pp. 78 e 79,. No entanto, existem mais mecanismos e a realidade empresarial tem demonstrado muita originalidade na criação de mecanismos de separação entre

ownership e control. Para mais exemplos, vide RENÉE ADAMS e DANIEL FERREIRA, «One share, One vote: the empirical evidence», 12 Review of Finance, 2008, pp. 55 e 56 [51-91], disponível em www.personal.lse.ac.uk.

119 Sobre a estrutura piramidal e a obrigação de lançamento de uma OPA, vide A

NA PERESTRELO DE OLIVEIRA, «OPA obrigatória… cit., pp 593-66.

120 Um mecanismo típico para operar esta distinção consiste na emissão de obrigações com voto duplo ficando a

sociedade numa situação de dual class shares. Em Portugal, as ações com voto duplo são proibidas nos termos do artigo 384.º, n.º 5, do CSC, o que não significa que esta separação não se possa realizar através da emissão de ações preferenciais sem voto, previstas no artigo 341.º e ss., do CSC. Porém, outros mecanismos podem atingir os mesmos fins. Um exemplo que recentemente tem vindo a ser destacado é o do recurso a instrumentos derivados. Notando este aspeto, MIKE BURKART e S. LEE, «The one share-one vote… cit., p. 41 [1-49], e MADALENA PERESTRELO DE OLIVEIRA,«Instrumentos financeiros com fins de garantia e exercício de direitos sociais», in ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (coord.) RDS, ano V, n.º 3, 2013, p. 551 [537-602]

121

XI. «However, it should be emphasized that this separation is not such a bad thing»122. Esta tem a virtude de permitir o financiamento por equity com vista a desenvolver novos projetos, sem perda de controlo pelo acionista que não estaria disposto a perdê-lo para obter o financiamento. Note-se que contrariamente aos debt investors, que em virtude do seu crédito são credores comuns da sociedade123, os equity investors passam a ser acionistas desta, e, nessa qualidade, tornam-se credores residuais124, não só em virtude das regras societárias125, como devido ao próprio processo de insolvência onde, em caso de insolvência da sociedade, serão para todos os efeitos titulares de créditos subordinados sobre a massa, nos termos dos artigos 47.º, n.º 4, alínea b) e 48.º, alíneas a) — para os créditos no geral — e g) — para créditos por suprimentos do CIRE, tornando-se evidente a diferença de risco assumida pelo

equity investor e pelo debt investor. Em compensação, e como já foi notado por Alessio

Pacces126, para a sociedade, o financiamento por equity revela-se mais proveitosos, face ao investimento por financiamento, porquanto naquele os pagamentos são realizados pela distribuição de lucros, sem períodos de pagamento próprios e sem execuções coercivas, por não existir incumprimento em caso de falta de pagamento127. Assim, apesar de o acionista ter a suscetibilidade de poder lucrar com os proveitos do exercício da sociedade (sem limites quanto ao montante máximo a auferir, na medida em que sejam respeitadas as regras para distribuição), a verdade é que o credor financiador sempre terá como retribuição «praticamente» certa o pagamento do juro.

122 A

LESSIO M. PACCES, Featuring Control Power… cit., pp. 41 e 42.

123

É aliás comum a exigência de garantias pelos credores no momento do financiamento, o que lhes confere uma segurança adicional ao seu crédito e a qualidade de credores garantidos, ganhando precedência no momento da distribuição dos bens da massa insolvente. O artigo 47.º, n.º 1 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, provado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6 de Fevereiro (CIRE), determina que «declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio». O primado da satisfação dos interesses dos credores — numa aproximação ao sistema creditor friendly, importado da InsolvenzOrdnung, Lei da Insolvência alemã, por contraposição ao

Bankruptcy Code norte-americano, onde se privilegia o «fresh start» do devedor — teve vários reflexos na

legislação do processo de insolvência, nomeadamente pela atribuição aos credores de amplos poderes e de grande autonomia – que passam a assumir um «papel central». CATARINA SERRA, O regime português da

insolvência, Coimbra, Almedina, 2012, p. 54. E embora com a chegada da crise 2007/2008, se tenha alterado o

paradigma da regulação no âmbito do direito da insolvência, passando de um incentivo à liquidação para um incentivo à recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (vide alterações ao artigo 1.º do CIRE, realizadas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril), pode-se no entanto continuar a dizer que os credores continuam a «controlar» o desenrolar do processo de insolvência.

124 J

OÃO DIAS LOPES,«Governo da sociedade … cit., p. 87 [77-165].

125 Cfr. supra nota 116. 126 A

LESSIO M. PACCES, Featuring Control Power… cit., pp. 45 e 46.

127

4. Extração de BPC: mecanismos de extração e de limitação — restrição ao objeto de

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