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Razão da constituição da obrigatoriedade de lançamento de uma OPA

CAPÍTULO II OPA OBRIGATÓRIA

2. Obrigação de lançamento de OPA universal

2.2. Razão da constituição da obrigatoriedade de lançamento de uma OPA

X. Uma primeira explicação para a constituição da obrigação de lançamento tem sido a necessidade de proteger os sócios outsiders. Essa proteção seria realizada de duas formas distintas: (i) dando-lhes oportunidade para exercer um direito de saída239 ou de exoneração240

235 Veja-se o Relatório sobre Application of Directive 2004/25/EC on takeover bids, da Comissão EuropeiaCOM

347 final, 2012, p. 13, disponível em www.ec.europa.eu, para uma ideia do impacto das disposições da Diretiva nas sociedades de estrutura concentrada ou dispersa. Enquanto, nas sociedades de estrutura concentrada, a Comissão Europeia concluiu que as regras da OPA obrigatória, sell-out e breakthrough são as mais protetoras dos acionistas, nas sociedades de estrutura dispersa o estabelecimento a proteção conferida por aquelas regras é menos intensa, sendo a mais protetora a regra da ownership transparency.

236 Para o presente estudo, o artigo mais relevante da Diretiva 2004/25/CE é o 5.º, por ser aquele que atende à

proteção dos acionistas minoritários quando a sociedade seja sujeita a controlo. No entanto, não define o que se deva entender por controlo, remetendo, no artigo 5.º, n.º 1, para a escolha pelos Estados-Membros do método de cálculo e o quantitativo relevante dos direitos de voto. Estabelecendo que o controlo é o pressuposto fundamental subjacente ao regime, a Diretiva 2004/25/CE permite uma ampla discricionariedade quanto à concretização do controlo por parte dos Estados-Membros, nem sequer determinando o que se deva entender por

partes que com ele agem em concertação (artigo 5.º, n.º 1). Destacando que a Diretiva não determina a

percentagem relevante de direitos de voto a ser detidos para se considerar que o controlo foi atingido, MIKE C. BURKART/FAUSTO PANUNZI, Mandatory Bids, Squeeze-out, Sell-out and the Dynamics of the Tender Offer

Process, ECGI — Law working paper n.º 10/2003, 2003, p. 13, disponível em www.ssrn.com/abstract=420940.

237 Sobre as complicações e adversidades que foram sofrendo os vários projetos de Diretivas, até finalmente ser

aprovada a quarta proposta modificada de Diretiva, de 2 de Outubro de 2002, vide ANTÓNIO MENEZES

CORDEIRO, Direito Europeu... cit., pp. 515-520 e A 13.ª Directriz do Direito das Sociedades (ofertas públicas de

aquisição), in ROA 64, 2004, pp. 97-111, disponível em www.oa.pt, onde ainda são abordados os seus projetos.

A OPA obrigatória era um dos temas mais discutidos, incluindo o aspeto da contrapartida, dificultando a adoção da Diretiva. Curiosamente, o próprio Reino Unido, que como notou JOÃO CUNHA VAZ, As OPA na União

Europeia... cit., p. 104, corresponde ao mercado com maior experiência de OPAs, também se recusava a adotar

uma Diretiva que o obrigasse a mudar o seu sistema, dado o carácter flexível e não legal, i.e. «corporativo» do

Takeover Code.

238 B

LANAID J.CLARKE, Takeover Regulation... cit., p. 4, que afirmou ainda, relativamente à adopção do sistema da OPA obrigatória pelos países da UE: «many EU Member States had only recently adopted regulations

governing takeovers. Indeed, many of the provisions in these more recent pieces of national legislation reflect responses to issues being debated in the context of the Directive. For example, Germany’s Takeover Act was introduced in 2002 and contained a mandatory bid rule. Prior to that time, Germany had been a staunch opponent of the inclusion of a mandatory bid rule in any Directive». Até ao famoso caso Vodafone Airtouch / Mannesmann, a Alemanha era contra a adoção do sistema da OPA obrigatória na Diretiva, pois confiava que as

suas sociedades tinham capacidade de adotar medidas contra OPAs hostis.

239 Embora a natureza do direito de saída do sócio seja controvertida. Sobre o assunto, vide III — 1.2. nota 357

aquando da alteração do controlo da sociedade sobre a qual detêm participações e, (ii) permitindo a divisão do prémio de controlo por todos os sócios.

Aquando da aquisição de ações, o investidor sabe que, se houver uma concentração, que resulta do normal funcionamento do mercado241, lhe é garantida a saída da sociedade. E, como notou Pedro Pais de Vasconcelos242, «[e]ste poder de exoneração só é verdadeiramente eficaz, se o sócio puder apartar-se da sociedade mediante uma contrapartida determinada com equidade, quer dizer, que corresponda ao justo valor da sua parte». O direito de exoneração funda-se no artigo 46.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, (doravante denominada de CRP), traduzindo-se numa manifestação da liberdade negativa de associação.

O exercício do direito de exoneração confere aos sócios outsiders a possibilidade de sair em situações de alteração do domínio da sociedade, os quais, em caso contrário, poderiam ser forçados a suportar o risco do fracasso de uma mudança de controlo. Mas será que o pequeno acionista, ao investir as suas poupanças, se preocupa com a gestão da sociedade e com as mudanças de controlo? Parece que não. Além disso, este argumento levaria a que o sistema da OPA obrigatória fosse integrado no CSC relativamente às sociedades fechadas, onde é muito mais difícil a circulação de participações sociais243. Repare-se que «[o] regime da exoneração é mais liberal nas sociedades de pessoas e mais restritivo nas de capitais»244, justificando que

240

Neste sentido, por exemplo, PEDRO COSTA GONÇALVES, «Fixação da Contrapartida por Auditor Independente em OPA», in Revista de Legislação e Jurisprudência, Braga, ano 140, n.º 3964, 2010, p. 55, em comentário ao Acórdão de 6 de Fevereiro de 2010 do Tribunal Central Administrativo do Sul, processo n.º 06029/2010, relator Coelho da Cunha, para quem, «a raison d’être da obrigação de lançar a OPA (...) reside, em especial, na protecção dos pequenos accionistas da sociedade visada» (realce no original). A alteração de controlo acaba por «despertar nos accionistas minoritários da sociedade visada um interesse legítimo na saída desta e na alienação das respectivas participações».

241

Contra parece ser PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, «Concertação de Accionistas, Exoneração e OPA Obrigatória em Sociedades Abertas», in DSR, Coimbra, Almedina, 2010, ano 2, vol. 3, p. 20 [11-48], ao afirmar que «[o]s investidores que adquirem acções no mercado fazem-no na pressuposição que, pelo menos no que a essas acções respeita, esse mercado continue a funcionar normalmente. Essa pressuposição é frustrada se ocorrer a concentração».

242 P

EDRO PAIS DE VASCONCELOS, «Concertação... cit., p. 21.

243 Assim, M

ENEZES FALCÃO, «A OPA obrigatória... cit., p. 196. Mais acertado parece ser o argumento que funda o direito de exoneração na necessidade de impedir as situações em que, por falta de liquidez, o acionista minoritário ficasse preso à sociedade, dada a desvalorização das suas participações devido ao novo controlo formado sobre aquela. CARMEN ESTEVAN DE QUESADA, Tomas de Control… cit., p. 104, exemplifica com a entrada da sociedade num grupo que o mercado não considere tão atrativo quanto a sociedade na sua independência, ou no grupo anterior.

244 P

EDRO PAIS DE VASCONCELOS, «Concertação... cit., p. 15. O autor justifica a afirmação com a maior ou menor abertura do elemento pessoal da sociedade, uma vez que nas sociedades de pessoas, por haver um maior controlo por parte dos sócios sobre a entrada de novos sócios, haverá um regime menos rígido de exoneração. Deve ainda ser considerado o facto de no mercado se ter vindo a verificar que, por falta de procura, nem sempre o sócio consegue vender a sua participação social, criando depois vários conflitos burocráticos (sabemos que o direito à informação pode ser uma arma muito poderosa no que toca a estes combates) e judiciais por forma a exercer pressão sobre os insiders para estes lhe comprarem a sua participação, como explicou o autor (p. 16).

a OPA obrigatória se encontre apenas regulada para estas sociedades. Garantir o direito de saída245 parece ser a razão mais importante246, o que deverá ser tomado em conta nas soluções que viermos a adotar.

XI. A divisão do prémio de controlo é uma manifestação do princípio de igualdade. Repare-se que, como afirma, António Menezes Cordeiro247, «o igual tratamento é um princípio cuja vigência geral nas sociedades anónimas levanta dúvidas», mas por estarmos perante sociedades abertas, o CVM veio, no seu artigo 15.º, estabelecer a igualdade entre acionistas cujas ações pertençam à mesma categoria. É, aliás, este princípio que fundamenta a adoção entre o sistema de OPA facultativa ou do sistema da OPA obrigatória. Neste último caso, existiriam potenciais efeitos negativos que iriam resultar no tratamento desigual dos acionistas externos em relação aos acionistas transmitentes do controlo. Tal deve-se a, como se sabe, as ações que asseguram a maioria de controlo terem valor superior ao das outras. «O regime das ofertas públicas de aquisição obrigatórias assenta na ideia geral de que os benefícios da aquisição do domínio sobre uma sociedade aberta devem ser compartilhados pelos acionistas outsiders» — Considerando n.º 12 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro. Esta é a razão de se tratar de uma OPA universal, cumprindo o princípio da universalidade da oferta, ou, como se denomina no ordenamento jurídico do Reino Unido,

equal oportunity rule — os General Principles do Takeover Code iniciam-se justamente com

os princípios de igualdade de tratamento dos sócios e de proteção dos outsiders: «[a]ll holders

of the securities of an offered company of the same class must be afforded equivalent

245 Ainda assim, como explicou P

AUL DAVIES, «The Notion of equality in European takeover regulation», in

PAYNE,JENNIFER, Takeovers in English and German law, Oxford, Hart Publishing, 2002, p. 6, disponível em www.ssrn.com/abstract=305979, nunca um sócio minoritário está completamente protegido. Mesmo face a uma oferta pública de aquisição, ele encontra-se numa situação de indecisão, conhecida como o «dilema do prisioneiro»: Citando o ProfessorBEBCHUK, PAUL DAVIES explicou que poderão existir três resultados possíveis de uma oferta, do ponto de vista de um sócio minoritário: (i) a oferta é rejeitada; (ii) a oferta é aceite pela maioria dos acionistas, incluindo o sócio; ou (iii) a oferta é aceite por uma maioria dos acionistas, não incluindo esse sócio. O acionista pode preferir o primeiro resultado, mas considerar o terceiro como tão indesejável que prefere votar a favor do segundo resultado, por forma a evitá-lo.

Não obstante, o acesso ao mercado dos valores mobiliários por muitas sociedades é prejudicado pelo sistema de OPA, porquanto existe o receio dos respetivos acionistas de controlo de reduzirem a liquidez das suas participações.

246 Também assim, A

NTÓNIO MENEZES CORDEIRO, «OPAs obrigatórias: pressupostos e consequências da sua não-realização», in RDS III, 2011, 4, p. 963 [927-984].

247 A

NTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito das Sociedades… cit., vol. II, p. 619. No sentido de que é um princípio essencial de todo o Direito das Sociedades, JAVIER GARCÍA DE ENTERRIA,La OPA Obrigatória,

Madrid, Editorial Civitas, S.A., 1996, pp. 139 e ss., destacando que bastará partir da noção do contrato de sociedade para pressupor que a igualdade há-de ser a vontade que normalmente será desejada pelos sócios.

treatment; moreover, if a person acquires control of a company, the other holders of securities must be protected». Após a aquisição de controlo, a procura das ações da sociedade

visada poderá diminuir, pois deixará de ser possível influenciar a gestão da sociedade.

XII. Uma outra explicação adiantada para a consagração da OPA obrigatória é a do objetivo da proteção da transparência do mercado mobiliário, através da tutela de interesses difusos, evitando fraudes à lei e prevendo processos de aquisições parciais especulativos248. Como explica Menezes Cordeiro249, a realização de uma OPA «dá lugar — ou pode dar — a uma grande circulação de ações, de tal modo que se perde o contacto entre o comprador e os vendedores. Tornam-se, assim, inviáveis negócios simulados, negócios aparentes e negócios fiduciários, com ou sem recurso a denominadas “testas de ferro”. Também o pagamento oculto de mais-valias — “luvas”, “comissões” ou “prémios não declarados” — ficará inviabilizado».

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