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Da necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema

No documento MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (páginas 147-151)

CAPÍTULO IV ANÁLISE QUALITATIVA DA PROTEÇÃO SOCIAL

4.2. Da Renda Mensal Inicial do benefício – Análise qualitativa

4.2.5. Da necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema

Outro problema que se visualiza quando do estudo da renda mensal inicial do benefício está na necessidade de manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário nacional. A questão ganha relevância neste estudo em razão da sua influência direta sobre a renda inicial de determinados benefícios.

A preservação do equilíbrio financeiro do sistema corresponde à necessidade manutenção do equilíbrio de curto prazo, relativo à suficiência de recursos aptos a saldar as despesas com os benefícios imediatos. O equilíbrio atuarial, por outro lado, é adotado para o longo prazo, e leva em conta critérios como a expectativa de vida, taxas de natalidade e mor- talidade, número de contribuintes e nível de crescimento econômico, fatores que podem influ- enciar a manutenção futura do sistema previdenciário.

243 Para estas datas, o período básico de cálculo corresponde às últimas 36 contribuições, apuradas dentro das

148 Segundo Domingos Ugatti244, a ciência atuarial essencialmente estuda eventos aleatórios – como morte, invalidez, doença, natalidade, etc. – e, por meio de conhecimentos matemáticos e estatísticos, procura instituir mecanismos econômicos e financeiros para com- pensar os inerentes desequilíbrios.

A preservação do equilíbrio financeiro e atuarial está ligada à ideia de equilí- brio orçamentário da previdência social e da seguridade social como um todo. O equilíbrio orçamentário é a equalização de receitas e de gastos, harmonia entre a capacidade contributiva e legalidade, redistribuição de rendas e transparência orçamentária, desenvolvimento econô- mico e universalidade245.

Introduzido no texto constitucional por meio de Emenda Constitucional nº 20/98, este preceito teve como propósito direto estabelecer uma meta de equilíbrio entre as receitas e despesas do sistema previdenciário que, à época da edição de referida emenda, já era considerado deficitário pelo Poder Executivo.

Não obstante o regramento constitucional estabelecido através da Emenda constitucional supramencionada, a legislação infraconstitucional já tratava da questão, sendo expresso no artigo 96 da Lei nº 8.212/91 que:

Art. 96. O Poder Executivo enviará ao Congresso Nacional, anualmente, a- companhando a Proposta Orçamentária da Seguridade Social, projeções atu- ariais relativas à Seguridade Social, abrangendo um horizonte temporal de, no mínimo, 20 (vinte) anos, considerando hipóteses alternativas quanto às variáveis demográficas, econômicas e institucionais relevantes.

Este preceito, no nosso entendimento, é intrínseco aos modelos de proteção so- cial que adotam um regime de repartição, baseado no pacto intergeracional. Isto porque, neste modelo, o pagamento dos benefícios atuais é financiado pelas contribuições vertidas pelos segurados e outros atores sociais direta ou indiretamente beneficiados pelo regime. O contí- nuo desequilíbrio destes modelos tem como consequência inevitável a ruptura ou a incapaci- dade de arcar com as despesas de pagamento dos benefícios.

As transformações no mercado de trabalho, originadas de alterações micro e macro econômicas, mudanças na estrutura etária – derivadas da queda da taxa de fecundidade,

244 UGATTI, Uendel Domingues. O princípio constitucional da contrapartida na seguridade social. São Paulo:

LTR, 2003, p. 76/77.

245 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito financeiro e tributário. Vol. V. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,

149 aumento na expectativa de sobrevivência da população e a incapacidade de absorção pelo mercado de toda a mão de obra –, aliadas a má gestão e desvios de recursos financeiros, leva- ram diversos sistemas previdenciários ao redor do mundo a se defrontarem com o desafio de encontrar saídas e soluções para déficits estruturais sistêmicos.

No âmbito do sistema previdenciário esta adaptação às novas conjunturas e consequente preservação do regime pode se dar de distintas formas, dentre as quais se desta- cam: a) elevação da alíquota contributiva; b) redução do valor dos benefícios; c) ampliação dos requisitos para a concessão dos benefícios; ou d) mudança do regime como um todo246.

A alteração de qualquer destes elementos, inegavelmente, irradia ruído em todo o ambiente social, não sendo tarefa fácil ao legislador adaptar o regime às novas realidades sociais. Em nosso ordenamento, as medidas mais recentes de enfrentamento desta nova con- juntura socioeconômica tiveram início com as alterações introduzidas pela Emenda Constitu- cional nº 20/98 e Lei nº 9.876/99, que explicitaram o caráter contributivo e a necessidade de observância do equilíbrio financeiro e atuarial ao regime previdenciário, ampliaram o período básico de cálculo e instituíram o fator previdenciário.

Analisada sob a perspectiva da renda dos benefícios previdenciários, estes pre- ceitos e medidas buscaram garantir que o regime se mantenha o seu equilibrado e se mantenha apto a resguardar as gerações futuras. Este tem sido e será, por um longo período, o principal ponto de conflito axiológico dentro da previdência social.

O efeito da manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial sobre a renda dos benefícios escapa aos critérios objetivos diretamente relacionados ao segurado, passando a influenciar o valor inicial da prestação também a partir dos recursos disponibilizados pelo sistema e de questões sociais, como a expectativa de sobrevivência da população.

Um dos problemas do estudo da renda a partir desta perspectiva é, justamente, identificar o ponto de equilíbrio do sistema e qual o limite de influência deste elemento sobre o cálculo dos benefícios.

Soma-se a isto a impossibilidade de se definir com clareza quais são as receitas e as despesas a serem consideradas para fins de promoção do equilíbrio. Isto porque, não exis-

246 Podemos citar como exemplo desta mudança em regimes previdenciários o sistema implantado no Chile,

baseado em um modelo de previdência privada obrigatória, assumindo nítidos contornos de regime de capitaliza- ção individual. Também se visualiza como exemplo o modelo misto implantado no Uruguai e México, no qual a Previdência se subdivide em: a) seguro de invalidez e vida, baseado no modelo clássico de seguro social, ado- tando um regime de repartição, em que todos os segurados contribuem para um fundo único; e b) seguro de apo- sentadoria, que adota um regime de capitalização individual.

150 tem regras orçamentárias nítidas que indiquem quais valores integram efetivamente as receitas do Regime Geral de Previdência Social, cujo caixa encontra-se inserido dentro do orçamento da Seguridade Social como um todo.

Ademais, há no Regime Geral de Previdência Social benefícios de natureza ni- tidamente securitária, desvinculados de contribuição direta ao sistema, situação que fere o caráter contributivo do regime e a regra da contrapartida prevista no artigo 195 §5º da CF. Ao lado destes benefícios, encontramos outros nitidamente destinados à redistribuição da renda, inseridos dentro do que chamamos de regime diferenciado, que, analisados isoladamente, apresentam um enorme desequilíbrio entre as receitas provenientes das contribuições e as despesas com o pagamento de benefícios.

Além disso, a existência de mecanismos de desvinculação de receitas da União - DRU247, que autorizam a tredestinação de recurso do orçamento da seguridade social, torna ainda mais obscura a identificação das balizas do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.

Em nosso Regime previdenciário, diversos mecanismos já foram utilizados de forma a relacionar o valor do benefício à quantidade de recolhimentos efetuados pelo segura- do, como a vinculação do coeficiente de cálculo ao número de anos completos de contribui- ção, a sistemática de cálculo relativa ao menor valor teto, a limitação de aumentos salariais no período imediatamente anterior à concessão do benefício, além de outros mecanismos ocultos de controle orçamentário248.

Recentemente, os principais mecanismos de preservação do equilíbrio financei- ro e atuarial foram estabelecidos pela Lei nº 9.876/99, que ampliou o período básico de cálcu-

247 O fundamento legal da DRU atualmente em vigor é a Emenda Constitucional nº 68, de 2011, que deu nova

redação ao artigo 76 do ADCT. Em síntese, esta norma desvinculou de órgão, fundo ou despesa, até 31 de de- zembro de 2015, 20% da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico já instituídos ou que vierem a ser criados, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. A lei de diretrizes orçamentárias tem ressalvado desta desvinculação de receitas as contribuições sociais do trabalhador e do em- pregador destinadas ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Plano de Seguridade Social dos Servido- res Públicos, em observância ao disposto no inciso XI do art. 167 da Constituição Federal. Em relação às demais contribuições sociais, no entanto, o poder constituinte derivado autorizou a desvinculação de 20% do total arre- cado, possibilitando a sua alocação em qualquer despesa, inclusive fora do orçamento da seguridade social, a- brindo as portas do orçamento securitário e viabilizando, assim, a transferência de recursos arrecadados por meio de contribuições sociais do orçamento da seguridade social para o orçamento fiscal da União.

248 Fazemos referência a mecanismo oculto, pois no período anterior à 1994 e, principalmente, no período anteri-

or à Constituição Federal de 1988, muito embora não houvesse previsão expressa de mecanismos de equilíbrio atuarial, a Previdência Social se valia da ausência de recomposição integral dos índices inflacionários para fins de redução dos encargos com pagamento de benefício, situação reconhecida por Reinhold Stephanes, ex-ministro da Previdência Social, conforme citam Carlos Alberto P. Castro e João Lazzari, na obra Manual de Direito Pre-

151 lo dos benefícios e incorporou na sistemática de cálculo da aposentadoria por tempo de con- tribuição e aposentadoria por idade (nesta última de forma opcional) o fator previdenciário249. Especificamente quanto ao fator previdenciário, buscou-se estabelecer uma re- lação direta entre tempo de contribuição, a idade e a expectativa de sobrevida, com o valor inicial do benefício.

Analisando a sua influência sobre a renda dos benefícios previdenciários, ob- serva-se que há uma desvinculação parcial entre a remuneração do segurado, a necessidade social objeto de proteção e o valor do benefício, que passa a se sujeitar a fatores de ordem econômica e social.

A Tabela F anexa ao presente trabalho demonstra percentual a ser aplicado so- bre a média contributiva do segurado a título de fator previdenciário, de acordo com as variá- veis idade e tempo contributivo. Conforme pode ser observado, os efeitos do fator previdenci- ário sobre a renda mensal inicial dos benefícios pode gerar sensíveis reduções no valor do benefício, retirando a integralidade da prestação.

Assim, do ponto de vista da qualidade da prestação previdenciária, o fator pre- videnciário, não obstante cumpra a relevante função de equilíbrio atuarial do sistema, gera uma inadequada proteção previdenciária, merecendo maior atenção legislativa.

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