CAPÍTULO III – DO CÁLCULO DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS
3.2. O salário de contribuição
3.2.2. Dos limites mínimo e máximo dos salários de contribuição
A legislação previdenciária, dentro do seu propósito de tutela de seus benefici- ários, estabelece um limite contributivo mínimo e um limite contributivo máximo, com refle- xo no cálculo dos benefícios e na própria proteção previdenciária.
Esta limitação, no âmbito da relação jurídica de custeio, define uma faixa con- tributiva para os segurados sobre a qual incidirá a respectiva alíquota. No âmbito da relação jurídica de proteção previdenciária, reflete nas parcelas que integrarão o período básico de cálculo do benefício, nos limites do salário de benefício e também na renda mensal do benefí- cio.
80 A existência destes limites se fundamenta no princípio constitucional da distri- butividade e nos próprios fundamentos da Previdência Social, enquanto subsistema da Segu- ridade Social.
Segundo Aguinaldo Simões:
A fim de não ficar reduzido a um indesejável ‘subseguro’, o seguro social deve garantir prestações adequadas, que evitem graves desajustamentos eco- nômicos, psicológicos e até males patológicos. Isto significa que a quantia das prestações em dinheiro precisa situar-se entre um limite mínimo (flat ra-
te of subsistence benefit) mais ou menos equivalente ao menor salário de
contribuição, e um limite máximo, que corresponda a um razoável nível de subsistência da classe média. Se uma quantia muito baixa pode causar os de- sajustamentos e outros males a que acima nos referimos, uma quantia muita alta, além de falsear o mutualismo do seguro social e encarecer-lhe o custo, desvia a instituição de sua verdadeira finalidade, porque cria atrativos para aposentadorias prematuras e enfraquece a vontade de voltar ao trabalho nos casos de auxílio-doença e nos de removível incapacidade de trabalho pela reabilitação profissional149.
O limite mínimo dos salários de contribuição dentro do RGPS está previsto § 3º do artigo 28 da Lei nº 8.212/91 nos seguintes termos:
Art. 28 §3º: O limite mínimo do salário-de-contribuição corresponde ao piso salarial, legal ou normativo, da categoria ou, inexistindo este, ao salário mí- nimo, tomado no seu valor mensal, diário ou horário, conforme o ajustado e o tempo de trabalho efetivo durante o mês.
No âmbito dos benefícios previdenciários, o artigo 135 da Lei nº 8.213/91 es- tabelece que os salários-de-contribuição utilizados no cálculo do valor de benefícios serão considerados respeitando-se os limites mínimo e máximo vigentes nos meses a que se refe- rem.
O limite mínimo do regime corresponde ao valor do salário mínimo nacional vigente em cada competência. A referência ao piso salarial, legal ou normativo é relevante apenas para o segurado empregado, avulso e doméstico. Nesta hipótese, uma vez estabelecido pela categoria profissional ou por um Estado da Federação um piso salarial em valor superior ao fixado para o salário mínimo nacional, este montante deverá ser considerado como o piso mínimo do salário de contribuição.
81 No período de 07/08/1987 a 06/1989 foi criado um mecanismo duplo de salá- rio mínimo, cada um com uma função específica, com reflexos distintos no âmbito previden- ciário: o primeiro mecanismo, denominado piso nacional de salário, era destinado a regular o valor da contraprestação mínima devida e paga a título de salário. O segundo mecanismo, o salário mínimo de referência, era utilizado para fins de reajuste de valores que estavam vincu- lados ao salário mínimo. Estes dois institutos estavam disciplinados pelo Decreto-Lei nº 2.351/87 que estabelecia:
Art. 1º Fica instituído o Piso Nacional de Salários, como contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador, como tal definido na Consolidação das Leis do Trabalho, a todo trabalhador, por dia normal de serviço.
§ 1º O valor inicial do Piso Nacional de Salários será de Cz$ 1.970,00 (hum mil novecentos e setenta cruzados) mensais.
§ 2º O valor do Piso Nacional de Salários será reajustado em função do disposto no "caput" deste artigo e da conjuntura sócio-econômica do País, mediante decreto do Poder Executivo, que estabelecerá a periodicidade e os índices de reajustamento. § 3º Ao reajustar o Piso Nacional de Salários, o Poder Executivo adotará índices que garantam a manutenção do poder aquisitivo do trabalhador e proporcionem o seu aumento gradual.
Art. 2º O salário mínimo passa a denominar-se Salário Mínimo de Referência. § 1º Ficam vinculados ao Salário Mínimo de Referência todos os valores que, na data de publicação deste Decreto-lei, estiverem fixados em função do valor do salá- rio mínimo, especialmente os salários-profissionais de qualquer categoria, os salá- rios normativos e os pisos salariais fixados em convenção ou acordo coletivo de trabalho, bem assim salários, vencimentos, vantagens, soldos e remunerações em geral de servidores públicos civis e militares da União, dos Estados, do Distrito Fe- deral, dos Territórios e dos Municípios e respectivas autarquias e, ainda, pensões e proventos de aposentadoria de qualquer natureza, penalidades estabelecidas em lei, contribuições e benefícios previdenciários e obrigações contratuais ou legais. § 2º O valor do Salário Mínimo de Referência é de Cz$ 1.969,92 (hum mil nove- centos e sessenta e nove cruzados e noventa e dois centavos) mensais.
§ 3º O Salário Mínimo de Referência será reajustado em função da conjuntura só- cio-econômica do País, mediante decreto do Poder Executivo, que estabelecerá a periodicidade e os índices de reajustamento.
§ 4º Ao reajustar o Salário Mínimo de Referência, o Poder Executivo adotará índi- ces que garantam a manutenção do poder aquisitivo dos salários.
Art. 3º Será nula, de pleno direito, toda e qualquer obrigação contraída ou expres- são monetária estabelecida com base no valor ou na periodicidade ou índice de rea- justamento do Piso Nacional de Salários.
Este divisão gerou diversas discussões quanto à forma de sua aplicação nos be- nefícios previdenciários, tendo influência sobre a fixação do limite mínimo dos salários de contribuição e critérios de reajuste dos benefícios.
Durante a vigência do Decreto-Lei nº 2.351/87, os benefícios previdenciários foram reajustados pelo salário-mínimo de referência, pois a este estavam vinculados as pen- sões e proventos de aposentadoria de qualquer natureza, a teor do parágrafo 1º, do art. 2º. No
82 mesmo período, o limite mínimo dos salários de contribuição ficou atrelado ao piso nacional de salários.
Esta sistemática de duplo salário mínimo se manteve até a edição da Lei nº 7.789, de 03/07/1989, que extinguiu o salário mínimo de referência e o piso nacional de salá- rios, vigorando, a partir de então, apenas o salário mínimo nacional.
Opondo-se ao limite mínimo, encontramos em nossa legislação o limite máxi- mo do salário de contribuição, aplicável às contribuições sociais devidas pelos segurados do Regime Geral de Previdência Social, bem como na hipótese em que integra o período básico de cálculo para fins de apuração do salário de benefício150.
Segundo Mario L. Deyeali,
No estudo objetivo dos princípios que devem reger a atividade estatal no campo da previdência, não há necessidade de impor restrições quanto ao va- lor dos benefícios a conceder, mas é preciso não esquecer alguns limites que dizem respeito à essência da previdência social, pelo menos segundo a con- cepção que dela tem os países de civilização ocidental.
A previdência social não deve anular o sentido de previdência social e soli- dariedade familiar. (...) Do ponto de vista econômico cabe considerar que os recursos da previdência social são necessariamente limitados; daí a necessi- dade de utilizá-los somente em casos justos. (...) Além do mais, a observân- cia desse limite reduz grandemente, por motivos óbvios, o perigo de abusos de parte dos segurados.
Um excesso de seguridade anula o sentido de responsabilidade pessoal e, portanto, reduz, quando não anula, não somente o desejo de economizar, mas também o estímulo para melhorar a posição pessoal e familiar151.
O limite máximo dos salários de contribuição, portanto, se respalda na própria função do modelo protetivo vigente, que não se propõe a resguardar um elevado poder aquisi- tivo dos segurados, mas protege-los, dentro de um padrão econômico adequado, das necessi- dades sociais eleitas pelo legislador.
No período anterior à Constituição Federal de 1988, o limite máximo dos salá- rios de contribuição era atrelado a um determinado número de salários mínimos. A Lei nº 3.807/60152 estabelecia como limite máximo do salário de contribuição cinco salários míni-
150 Referido limite não se aplica quando analisamos o salário de contribuição enquanto base de cálculo da contri-
buição social devida pela empresa, conforme preceitua o artigo 22, incisos I e II da Lei nº 8.212/91.
151 DEYEALI, Mário L. Lineamientos de Derecho del Trabajos 3ª ed. Buenos Aires: TEA, p.109.
152 Art. 69. O custeio da previdência social será atendido pelas contribuições: a) dos segurados, em geral, em
porcentagem de 6% (seis por cento) a 8% (oito por cento) sobre o seu salário de contribuição, não podendo inci- dir sôbre importância cinco vezes superior ao salário mínimo mensal de maior valor vigente no país.
83 mos. O Decreto-lei nº 66/66153 ampliou o limite máximo para o valor de 10 (dez) salários mí- nimos e a Lei nº 5.890/73 majorou o teto dos salários de contribuição para 20 (vinte) salários mínimos154, sistemática mantida pelas Leis nº 6.332/76 e 6.950/81155.
No período de vigência do mecanismo duplo de salários mínimos, o teto previ- denciário ficou vinculado ao salário mínimo de referência, vinculação que se manteve até 30.06.1989, quando foi revogado pela Lei nº 7.787/89, que reduziu o teto de 20 para 10 salá- rios mínimos (tendo como base o piso nacional de salários), sujeitando-se, a partir de então, a atualização de acordo com índices oficiais de inflação, nos termos de artigo 20 de citada lei.
A Lei nº 8.212/91, de 24/07/1991, regulamentou o limite máximo dos salários de contribuição em seu artigo 28 §5º156, elevando o teto contributivo ao patamar de 10 (dez) salários mínimos, mas desindexando-o do mínimo para efeitos de reajustamento. O teto pre- videnciário passou a se sujeitar a reajustes na mesma data e com os mesmos índices dos bene- fícios previdenciários.
A Emenda Constitucional nº 20, de 16/12/1998, e a Emenda Constitucional nº 41, de 31 de dezembro de 2003 estabeleceram dois reajustes extraordinários ao limite máximo dos salários de contribuição vigentes à época de suas edições, de modo distinto daquele esta- belecido no artigo 28 da Lei nº 8.212/91.
Referida mudança reajustou os limites máximos dos salários de contribuição em percentual superior ao reajuste dos benefícios em geral, fixando-se, respectivamente, em R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais) e R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais). Os reajusta- mentos subsequentes mantiveram a sistemática prevista do artigo 28 da Lei nº 8.212/91157.
Cumpre-nos analisar, ainda, uma peculiaridade quanto ao limite máximo do sa- lário de contribuição estabelecida na lei nº 8.212/91, em sua redação original, aplicada aos segurados trabalhadores autônomos e equiparados, empresários e segurados facultativos.
153 Art. 18. O artigo 69 da Lei nº 3.807, passa a ter a seguinte redação: Art. 69. O custeio da previdência social
será atendido pelas contribuições: I - dos segurados, em geral, na base de 8% (oito por cento) do respectivo salá- rio-de-contribuição, não podendo incidir sobre importância que exceda de (10) dez vezes o salário-mínimo men- sal de maior valor vigente no país;
154 O artigo 1º de citada lei deu nova redação ao art. 76 da lei nº 3.807/60, nos seguintes termos: Entende-se por
salário-de-contribuição: I - a remuneração efetivamente percebida, a qualquer título, para os segurados referidos nos Itens I e II do artigo 5º, até o limite de 20 (vinte) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
155 O art. 4º de referida lei dispunha que: “O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei n. 6.332/76, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no país”. 156 O limite máximo do salário-de-contribuição é de Cr$ 170.000,00 (cento e setenta mil cruzeiros), reajustados a
partir da data da entrada em vigor desta lei, na mesma época e com os mesmos índices que os do reajustamento dos benefícios de prestação continuada da Previdência Social.
84 Conforme dispunha o artigo 28, inciso III da Lei nº 8.212/91, que repetia re- gramento legal constante no artigo 137 do Decreto nº 89.312/84, para o trabalhador autônomo e equiparado, empresário158 e facultativo o salário de contribuição consistia no salário-base.
Conforme leciona Wladimir Novaes:
O salário-base é o regime contributivo de certos segurados obrigatórios e fa- cultativos da Previdência Social. O legislador adotou esse título salário-base para exprimir a medida do fato gerador da cotização desses segurados. Não se trata, porém, de salário e sim de valor base que se presta ao cálculo da contribuição159.
Segundo Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Junior, até o adven- to da Lei nº 9.876/99 a escala de salário-base correspondia a uma espécie autônoma de salário de contribuição, uma ficção legal, não constituindo um mero limite ao salário de contribui- ção160.
Este instituto era regulamentado pelo artigo 29 da Lei nº 8.212/91 que, em sua redação original, estabelecia uma escala que deveria ser observada pelo trabalhador autôno- mo, empresário e facultativo para fins de apuração do limite máximo do salário de contribui- ção, nos seguintes termos:
Art. 29. O salário-base de que trata o inciso III do art. 28 é determinado con- forme a seguinte tabela:
ESCALA DE SALÁRIOS-BASE161
Classe Salário-Base Número mínimo de meses de permanência em cada classe (Interstícios)
1 1 salário-mínimo 12 2 Cr$ 34.000,00 12 3 Cr$ 51.000,00 12 4 Cr$ 68.000,00 12 5 Cr$ 85.000,00 24 6 Cr$ 102.000,00 36 7 Cr$ 119.000,00 36 8 Cr$ 136.000,00 60 9 Cr$ 153.000,00 60 10 Cr$ 170.000,00 -
Segundo o parágrafo 1º do dispositivo, estes valores seriam reajustados, a partir da entrada em vigor da Lei, na mesma data e com os mesmos índices que os utilizados para fins de reajustamento dos benefícios de prestação continuada da Previdência Social.
158 A contar da Lei nº 9.876/99, estas três categorias foram transformadas em contribuintes individuais. 159 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Salário-base dos Contribuintes Individuais. São Paulo: Ltr, 1999, p. 19. 160 Comentários à Lei de benefícios da Previdência Social. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 161 Tabela referente à competência 07/91, data da publicação da lei nº 8.212/91.
85 O segurado autônomo, empresário ou facultativo que se filiasse ao Regime Ge- ral de Previdência Social enquadrava-se na classe inicial da tabela, sujeitando-se aos prazos por ela estabelecidos para fins de fixação do limite máximo do seu salário de contribuição. Não era admitido o pagamento antecipado de contribuição para suprir o interstício entre as classes. Além disso, não se acumulava o tempo de uma classe para fins de progressão para as demais.
Uma vez cumprido o tempo mínimo estabelecido em cada classe, permitia-se o acesso à classe seguinte ou a permanência na classe em que se encontrava; era vedado o des- locamento a outra classe que não a imediatamente superior para fins de progressão. Permitia- se, porém, o regresso às classes anteriores.
A não observância da escala de salários-base não trazia reflexos sob o prisma tributário, ou seja, a não observância não gerava qualquer ilegalidade pelo contribuinte. No entanto, analisado a partir do cálculo da renda mensal inicial, a não observância da escala, o erro no enquadramento ou o avanço sem o cumprimento dos interstícios mínimos estabeleci- dos gerava cortes nos salários de contribuição recolhidos, até adequarem-se ao patamar im- posto pelo artigo 29 da Lei de Custeio.
O segurado empregado, inclusive o doméstico, e o trabalhador avulso que pas- sassem a exercer atividade sujeita a salário-base poderiam enquadrar-se em qualquer classe até a equivalente ou à mais próxima da média aritmética simples dos seus 6 (seis) últimos salários de contribuição, observando, para acesso às classes seguintes, os interstícios respecti- vos.
O artigo 29 da Lei nº 8.212/91 foi revogado pela Lei nº 9.876, de 28 de no- vembro de 1999, que, por sua vez, estabeleceu uma regra de transição para os segurados que se sujeitavam ao salário-base até então (artigo 4º da Lei nº 9.876/99). A medida provisória nº 83/02, convertida na Lei nº 10.666/03, extinguiu a escala transitória, passando a ser aplicado para os contribuintes individuais os limites mínimo e máximo de salários de contribuição es- tabelecido para os demais segurados162.
Em razão da existência destes limites contributivos mínimo e máximo, Mozart V. Russomano pondera que “o salário de contribuição está desvinculado da remuneração con- tratual efetivamente auferida pelo segurado: fica jungido aos limites mínimo e máximo fixa-
162 A contar de 2004, o Instituto Nacional de Seguro Social deixou de adotar a escala de salário-base para fins de
apuração do salário de contribuição dos contribuintes individuais, inclusive com relação a contribuições vertidas antes da Lei nº 9.876/99.
86 dos”163. Ao mesmo tempo, estes limites correspondem às balizas que definem os limites da tutela garantida pelo Regime Geral de Previdência Social, sua faixa protetiva.