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MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

José Francisco Furlan Rocha

O cálculo dos benefícios previdenciários:

uma análise qualitativa da proteção social

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

José Francisco Furlan Rocha

O cálculo dos benefícios previdenciários:

uma análise qualitativa da proteção social

MESTRADO EM DIREITO DAS RELAÇÕES SOCIAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em direito das relações so-ciais, sub-área de direito previdenciário, sob a orientação do Prof. Doutor Miguel Horvath Jr.

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Banca Examinadora

______________________________________

______________________________________

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela vida, paz e saúde.

A Camila, amada esposa, por todo apoio, carinho e compreensão.

Aos colegas e amigos Isabel e Carlos, por toda a ajuda e ensinamento.

Ao professor orientador Miguel Horvath Jr, pelos inestimáveis ensinamentos e

pela orientação sempre atenciosa.

Ao professor Wagner Balera, pela oportunidade ofertada, pelo estímulo ao estudo

(5)

RESUMO

O Regime Geral de Previdência Social utiliza majoritariamente prestações de natureza pecu-niária para a consecução de suas finalidades, elevando o tema “cálculo e reajuste dos benef í-cios” a um dos principais tópicos de estudo no direito previdenciário. Através da análise dos critérios de cálculo e reajustamento dos benefícios, procuramos identificar os principais ele-mentos que influenciam na fixação do valor inicial das prestações previdenciárias, bem como verificar a adequação dos critérios legais de recomposição dos benefícios às garantias estabe-lecidas pela Constituição Federal de 1988. A pesquisa adota de forma preponderante o méto-do dedutivo, valenméto-do-se também da análise comparativa para fins de verificação méto-do cumpri-mento, pelo legislador e pela administração pública, das garantias constitucionais relativas à correção dos salários de contribuição integrantes do cálculo do benefício, irredutibilidade do valor das prestações e preservação do seu valor real.

Palavras-chave:

(6)

ABSTRACT

The general social insurance system mainly relies on monetary mechanisms for coping with societal needs, elevating the theme "calculation and adjustment of benefits" to one of the main topics of study in the social security law. Through the analysis of criteria for determining the value and realignment of the benefits, the study aims to identify the main elements that influence the composition of the income as well as analyze the adequacy of the legal criteria of adjustment with the guarantees established by the Constitution of 1988. Using predominantly theoretical research, this study follows the deductive method, using also a comparative analysis to verify the compliance, by the legislator and public administration, of the constitutional guarantees related to the restatement of the contributions, benefit irreducibility and the maintenance of its real value.

Key Words:

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I - A PREVIDÊNCIA COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO SOCIAL ... 12

1.1. Considerações Iniciais. ... 12

1.2. O surgimento do Seguro Social ... 17

1.3. Da evolução dos instrumentos de proteção social. ... 23

1.4. Do objeto de proteção social: dos riscos profissionais às necessidades sociais ... 29

1.5. O mecanismo preponderante de proteção social previdenciária – a prestação pecuniária. ... 33

1.5.1. Os parâmetros de fixação das prestações previdenciárias ... 38

CAPÍTULO II– A PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL - O MODELO DE PROTEÇÃO SOCIAL ESTABELECIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 45

2.1. Dos regimes previdenciários. ... 48

2.2. O Regime Geral de Previdência Social – RGPS ... 50

2.2.1. Dos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social. ... 51

2.2.2. Dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social. ... 57

2.2.2.1. Classificação dos benefícios segundo a sua sistemática de cálculo. ... 60

2.2.2.2. Do Regime previdenciário diferenciado. ... 61

CAPÍTULO III– DO CÁLCULO DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS ... 66

3.1. Dos critérios gerais de cálculo dos benefícios previdenciários. ... 67

3.2. O salário de contribuição. ... 68

3.2.1. Benefícios previdenciários como salários de contribuição. ... 72

3.2.1.1. Auxílio-acidente. ... 74

3.2.1.2. Salário-maternidade. ... 76

3.2.1.3. Auxílio-doença e Aposentadoria por Invalidez... 77

3.2.2. Dos limites mínimo e máximo dos salários de contribuição. ... 79

3.3. O salário de benefício. ... 86

(8)

3.3.2. A Constituição Federal de 1988 e o cálculo do salário de benefício. ... 91

3.3.3. A Lei nº 8.213/91 e o cálculo dos benefícios previdenciários. ... 92

3.3.4. A Emenda Constitucional nº 20/1998. ... 94

3.3.5. A Lei nº 9.876/99. ... 96

3.3.5.1. O fator previdenciário. ... 98

3.3.6. Das alterações posteriores à Lei nº 9.876/99. ... 101

3.3.7. Dos limites mínimo e máximo do salário de benefício. ... 101

3.3.8. Do salário de benefício e o exercício de atividades concomitantes. ... 103

3.4. Da renda mensal inicial dos benefícios previdenciários. ... 105

CAPÍTULO IV - ANÁLISE QUALITATIVA DA PROTEÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA ... 112

4.1. Princípios constitucionais pertinentes. ... 113

4.1.1. Garantia de valor mínimo aos benefícios substitutivos da renda ou do salário de contribuição. ... 113

4.1.2. Da correção de todos os salários de contribuição integrantes do cálculo do benefício. ... 115

4.1.3. Da irredutibilidade do valor dos benefícios. ... 116

4.1.4. Da preservação do valor real do benefício. ... 117

4.1.4.1. Um critério adequado para a preservação do valor real do benefício. ... 120

4.1.4.2. Da metodologia aplicada no presente estudo. ... 126

4.2. Da Renda Mensal Inicial do benefício – Análise qualitativa ... 127

4.2.1. Período Básico de cálculo ... 129

4.2.2. Dos critérios de correção dos salários de contribuição. ... 131

4.2.2.1. Das principais revisões judiciais relativas aos salários de contribuição. ... 137

4.2.3. O coeficiente de cálculo ... 142

4.2.4. Dos limites legais dos salários de contribuição, do salário de benefício e seus reflexos na renda mensal inicial. ... 143

4.2.5. Da necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema... 147

4.3. Do Reajustamento dos benefícios previdenciários – análise qualitativa ... 151

4.3.1. Dos critérios de reajuste dos benefícios com renda mensal ou salário de benefício correspondente a um salário mínimo. ... 153

(9)

4.3.1.2. Dos critérios de reajuste do salário mínimo da CF/88 até a Lei nº 8.213/91 ... 158

4.3.1.3. Dos critérios de reajuste do salário mínimo após a Lei nº 8.213/91. ... 160

4.3.2. Dos reajustes dos benefícios com valor superior ao salário mínimo. ... 164

4.3.2.1. Do primeiro reajuste dos benefícios previdenciários. ... 165

4.3.2.2. Dos demais reajustes dos benefícios previdenciários. ... 168

4.3.2.2.1. Dos reajustes dos benefícios da CF/88 até a Lei nº 8.213/91. ... 169

4.3.2.2.2. Dos reajustes concedidos entre a Lei nº 8.213/91 e o Plano Real. ... 175

4.3.2.2.3. Dos reajustes posteriores ao Plano Real... 177

4.3.2.2.4. Análise integral – período CF/88 até 01/2012. ... 179

CONCLUSÃO. ... 184

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 190

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10

INTRODUÇÃO

Historicamente, a Previdência Social se traduz como um conjunto de instru-mentos jurídicos destinados ao atendimento de determinadas necessidades sociais de seus beneficiários, tendo por finalidade protegê-los diante de situações relacionadas, essencialmen-te, ao aumento de encargos familiares ou à incapacidade do segurado prover o próprio susten-to ou de seus dependentes.

Em razão de sua própria origem e função, o instrumento preponderante dos re-gimes previdenciários para a consecução de sua finalidade são as prestações pecuniárias, fato que eleva as questões relacionadas ao valor das prestações a um ponto de fundamental impor-tância dentro dos regimes protetivos vigentes.

A escolha do tema “O cálculo dos benefícios previdenciários: uma análise qualitativa da proteção social” se relaciona diretamente ao mal-estar social que se verifica entre os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social com relação ao valor das pres-tações previdenciárias. Essencialmente, este fato é derivado das diferenças verificadas entre o salário auferido durante a atividade laboral e a renda mensal inicial do benefício e, principal-mente, em virtude da sensação de constante depreciação da renda mensal da prestação previ-denciária diante do salário mínimo, referencial econômico mais próximo da realidade social dos beneficiários.

No presente estudo procuramos enfrentar estes temas através de uma análise qualitativa da concessão e manutenção dos benefícios, objetivando: a) a identificação dos principais elementos que influenciam na fixação do seu valor inicial; b) a verificação dos cri-térios de reajustamento das prestações previdenciárias; e, por fim, c) a confirmação do cum-primento de todas as garantias estabelecidas em favor dos beneficiários pela Constituição Fe-deral de 1988.

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Iniciamos os trabalhos procurando identificar no capítulo I a função da previ-dência social a partir de uma perspectiva histórica, os principais modelos de proteção existen-tes, o objeto desta proteção e a natureza da prestação previdenciária.

Feita esta introdução, analisaremos no capítulo II especificamente o modelo brasileiro de proteção social estabelecido pela Constituição Federal de 1988, as características do Regime Geral de Previdência Social, objeto específico de nosso estudo, e as principais classes de benefícios previstos na legislação, de acordo com a sua sistemática de cálculo.

Adotando como ponto de referência a Constituição Federal de 1988, trataremos nos capítulos III e IV dos critérios gerais de cálculo previdenciário e, de forma mais específi-ca, de cada um dos elementos que compõem esta renda mensal inicial, procurando identificar a influência destes sobre o valor da prestação previdenciária. Num segundo momento, verifi-caremos os critérios legais de reajuste dos benefícios através de uma análise comparativa, com o objetivo de avaliar o efetivo cumprimento das garantias constitucionais asseguradas aos beneficiários.

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CAPÍTULO I - A PREVIDÊNCIA COMO MECANISMO DE PROTEÇÃO SOCIAL

1.1. Considerações Iniciais.

A previdência social, concebida como mecanismo de proteção social1, tem ori-gem em uma conjuntura social desfavorável aos obreiros durante o Estado Liberal capitalista no período pós-revolução industrial, nos séculos XVIII e XIX. Trata-se de um instrumento jurídico criado pelo Estado em resposta às adversidades que se observava no ambiente social, nas relações de trabalho e no próprio mundo jurídico.

Os temas que envolvem o surgimento da Previdência Social são extremamente abrangentes e complexos, sendo a abordagem adotada no presente capítulo apresentada na estrita medida do necessário para a compreensão dos fundamentos históricos e razões de ser deste instituto.

O direito previdenciário no arquétipo que hoje conhecemos nos remete ao auge do capitalismo liberal que despontou no período que se seguiu às Revoluções Burguesas2 dos séculos XVII e XVIII. O capitalismo liberal se caracteriza essencialmente pela ideia de liber-dade, livre iniciativa e intervenção mínima do Estado, buscando garantir os direitos individu-ais dos cidadãos diante das arbitrariedades do Estado.

Neste período, ampliava-se o clamor pela liberdade religiosa, intelectual, polí-tica e econômica, em uma mudança progressiva rumo a uma sociedade antropocêntrica e in-dividualista, tendências que se acentuam após a Revolução Industrial ocorrida no final do século XVIII.

A Revolução Industrial representou a ruptura com os antigos métodos de pro-dução em que o processo produtivo estava sob o controle dos trabalhadores, com reflexo no próprio significado do trabalho, que perdeu progressivamente o conceito de subsistência em detrimento do trabalho assalariado.

A figura do poder público e sua intervenção na sociedade tinha como propósito a garantia das liberdades individuais e da propriedade, consolidando-se uma preocupação

1 Proteção social deve ser compreendida como o conjunto de medidas de caráter social destinadas a atender ne-2

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tiva com a tutela dos direitos fundamentais que gravitavam em torno do valor liberdade, os denominados direitos de primeira geração.

Esta política de não intervenção estatal partia do pressuposto que o mercado se-ria capaz de garantir mecanismos para a população progredir econômica, cultural e socialmen-te; a pobreza e as privações eram fatos inevitáveis, a serem enfrentados pela própria socieda-de.

Segundo Daniel Machado da Rocha:

Em uma crença quase mítica na capacidade de cada indivíduo de determinar o seu destino, consagravam-se os valores da autonomia da vontade, da segu-rança jurídica, da liberdade, da vida e da propriedade como valores superio-res. As crises sociais que emanassem desse modelo de convívio social deve-riam ser resolvidas pela própria sociedade civil, dentro da ordem instaurada, sem que oEstado interviesse nos problemas econômicos-sociais, respeitando a autonomia da sociedade.3

Não obstante a fundamental importância política e econômica para a história, estes movimentos liberais pouco contribuíram para a proteção social da população. Ao contrá-rio, mesmo com a previsão expressa dos socorros públicos como princípio fundamental na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, a consolidação das ideias liberais intimidou o avanço da proteção social pública4.

O direito vigorante à época, de formação liberal-individualista, não tinha res-posta jurídica adequada aos novos fatos sociais derivados na relação empregatícia, dentre os quais, a proteção do trabalhador. A legislação vigente tendia a reduzir todas as questões sur-gidas no interior da relação de trabalho a questões típicas do direito civil e contratual, sendo tratadas sob a ótica individual dos sujeitos isolados da relação empregatícia, via inadequada para impor o necessário equilíbrio entre as categorias profissionais.

A proteção das pessoas em face de contingências sociais, tais como o ócio, in-validez ou velhice, se limitava a mecanismos individuais ou destinados a pequenos grupos, de natureza privada, abrangendo apenas a parcela populacional que tinha condições econômicas de resguardar parte dos seus rendimentos atuais para utilizá-los num momento futuro.

3 ROCHA, Daniel Machado da. O direito fundamental à Previdência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.30.

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Ao Estado liberal não interessava a proteção social da pessoa em sua integrali-dade, mas tão somente a garantia de sua liberdade. A superação das necessidades sociais, den-tro da concepção liberal, pressupunha que cada pessoa, soberana de sua conduta e destino, deveria remediar-se na forma e com os meios que pudesse e desejasse utilizar.

Desta forma, Almansa Pastor destaca que:

En un sistema de organización política de corte liberal, el concepto de liber-tad se formula negativamente, por cuanto que es la actividad individual la que cercena las posibilidades de actuación estatal. El Estado, que debe in-hibirse antes que inmiscuirse en la esfera de los derechos individuales, no puede establecer medidas eficaces de protección de las necesidades sociales, porque ello supondría o bien obligar a unos individuos frente a otros, aten-tando contra la autonomía de la voluntad, o bien acudir a unas gravosas ex-acciones fiscales, que la libertad individual no consiente al Estado5.

Da perspectiva da proteção social da pessoa, José Dávalos aponta que :

En virtud del individualismo y liberalismo (...) el derecho del trabajo y de la previsión social era un imposible, condición que se generalizó a todos los Estados europeos; y si bien contenía el ofrecimiento de ciertas medidas de previsión social, nunca se cumplieron, con la sola excepción de las normas protectoras de la infancia.6

Sob o ponto de vista histórico, as medidas de proteção social de responsabili-dade estatal representam um fenômeno relativamente recente, contemporâneo ao surgimento dos Estados intervencionistas no final do século XIX.

Dentre os fatores que influenciaram a flexibilização da ordem até então vigente e a alteração de um modelo de atuação estatal liberal para um modelo intervencionista encon-tramos questões de ordem econômica, social, política e ideológica.

5 PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de la seguridade social, Madrid, VI, Editora Tecnos, 1977, p.43. Tradução Livre: Em um sistema de organização política de corte liberal, o conceito de liberdade se formula ne-gativamente, tendo em vista que as atividades individuais cerceiam as possibilidade de ação estatal. O Estado, que deve inibir-se antes de imiscuir-se na esfera dos direitos individuais, não pode estabelecer medidas eficazes de proteção das necessidades sociais, pois suporia ou obrigaria uns indivíduos frente a outros, atentando contra a autonomia da vontade, ou se valer de exações fiscais gravosas, que a liberdade individual não consente ao Esta-do.

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Estes fatores não atuaram de forma autônoma, pois não se compreendem sem o concurso de diversos fatos convergentes.Do ponto de vista econômico, a concentração finan-ceira capitalista e seus distúrbios foram fenômenos decisivos para a necessidade de interven-ção estatal na economia e sociedade, como forma de garantia da liberdade e proteinterven-ção dos me-canismos de reprodução das forças sociais.

A premissa liberal de ajuste do sistema social pelo mercado não se mostrava aplicável aos atores sociais alheios ao sistema: os desempregados, os pobres e os miseráveis. Além disso, o trabalho humano assimilado à categoria de mercadoria, a aplicação dos contra-tos de locação de serviços e a lei da oferta e procura se mostraram catastróficos não apenas para aqueles que estavam afastados do mercado de trabalho, mas também para os trabalhado-res assalariados, expostos a jornadas exaustivas, baixos salários e precariedade das condições de trabalho.

Segundo Mattia Persiani, a ineficiência dos mecanismos de proteção existentes nesta época frente às novas estruturas econômicas e sociais, decorrentes da industrialização, é consequência do empobrecimento e dos baixos salários da classe trabalhadora, que pratica-mente aniquilaram a viabilidade da tradicional solidariedade familiar e da beneficência públi-ca e privada, atingindo até a solidariedade profissional em virtude da extinção de ofícios tra-dicionais7.

Em uma perspectiva social, Paulo Márcio Cruz aponta como fatores que leva-ram a uma mudança de concepção de Estado:

a) A tradição de criação de associações de trabalhadores que buscavam, entre outras finalidades, objetivos sociais. Seu âmbito era claramente sindi-cal, e seu funcionamento ocorria à margem do Estado. As associações operá-rias eram uma tentativa de oferecer uma resposta às múltiplas disfunções so-ciais provocadas pela revolução industrial;

b) O aparecimento da miséria como consequência do processo de indus-trialização e a formação de grandes aglomerados urbanos. O surgimento da miséria endêmica provocou a derrocada das instituições de caridade e assis-tência social clássicas, com o aparecimento de providências por parte das instituições públicas. Num primeiro momento, estas providências são toma-das no âmbito estrito dos Municípios;

c) A crise do princípio da responsabilidade compartilhada entre o traba-lhador e a empresa no que dizia respeito aos acidentes de trabalho. A razão desta foi a importância numérica que os acidentes de trabalho haviam adqui-rido no segmento dos trabalhadores e suas graves consequências sociais.

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te fato impulsiona o questionamento do modelo de Estado Mínimo, próprio do Liberalismo clássico.8

Outros fatores que influenciaram esta mudança de paradigma na atuação estatal foram: a) a perda significativa da importância da família como núcleo institucional fundamen-tal de assistência frente às necessidades sociais; b) a crise dos programas assistenciais públi-cos, associada ao crescimento da demanda por estas prestações; c) a crescente preocupação da Igreja Católica Apostólica Romana9 com a condição social dos trabalhadores; d) a tomada de consciência do proletariado; e) o nascimento de movimentos políticos empenhados na causa social.

Segundo Vicente de Paula Faleiros, estas reflexões teóricas nos levam a consi-derar o fenômeno dos mecanismos públicos garantidores de proteção social sob diferentes ângulos: resposta às crises econômicas, resposta à desordem social, resposta simbólica, repro-dução social e problema de valores10.

A convergência de todos estes fatores culminou, durante o século XIX e início do século XX, na mudança de concepção do Estado e do próprio direito, que não mais se limi-tam a garantir a liberdade e a livre iniciativa, tornando-se importantes mecanismos de orde-namento das relações sociais.

Quanto ao tema, João Bosco da Fonseca aponta que a concentração empresarial burguesa provocou importantes fenômenos: a necessidade de intervenção para sanar a liber-dade de iniciativa – intervenção através da atuação direta do Estado como agente e/ou pela via de controle e regulamentação – e “a imposição da necessidade de elaboração de leis destin a-das à proteção dos empregados, com a finalidade de garantir-lhes a observância dos direitos fundamentais mínimos”11.

A compreensão deste novo papel do Estado e desta nova forma de atuação do direito é imprescindível para compreendermos as razões do surgimento dos seguros sociais e o papel que desempenham na sociedade contemporânea.

8

Curso de Especialização em Direito Previdenciário. Coord. Daniel Machado da Rocha e José Antonio Savaris. Curitiba: Juruá, 2008, p.22.

9 Segundo Daniel G. Pérez, o Cristianismo constituiu uma verdadeira revolução social ao instalar a ideia de fraternidade humana e sua consequência: o dever de ajudar aos pobres e necessitados. –El financiamento de La Seguridad Social em La Republica Argentina, In: COELHO, Sacha Calmon Navarro. (coord.) Contribuições para a Seguridade Social. São Paulo: Quartier Latin, 2007. Como exemplo desta preocupação podemos citar a Encíclica Rerum Novarum, publicada em maio de 1891, pelo Papa Leão XIII, que traçou um esboço da situação dos pobres e dos trabalhadores nos países industrializados.

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1.2. O surgimento do Seguro Social

A compreensão do seguro social como mecanismo de proteção social está co-nectada à noção de necessidade, que se qualifica como social pelo fato de atingir qualquer indivíduo e ser inerente à vida em sociedade (perspectiva objetiva), e cuja prevenção e pro-moção da reparação só a coletividade tem condições de organizar, pois as pessoas, isolada-mente, não têm meios técnicos ou econômicos para lhes fazer frente (perspectiva subjetiva)12. A perspectiva objetiva das necessidades sociais constitui o fundamento de cria-ção das primeiras técnicas de protecria-ção do ser humano em face de problemas sociais, tendo como exemplos a assistência, poupança, caridade, mutualismo e os seguros privados. Estas técnicas, ainda hoje, coexistem ao lado de outras mais abrangentes; porém, são mecanismos limitados e, muitas vezes, inacessíveis à parcela mais carente da população.

A dimensão subjetiva da necessidade de proteção social nasce a partir da cons-ciência de que somente a própria sociedade é capaz de prevenir e reparar as situações de ne-cessidades dos seus membros.

Nesta concepção subjetiva de proteção social, o perigo que ameaça a pessoa se transfere para a sociedade, o que determina que as necessidades, além e acima de serem do indivíduo, se tornam igualmente necessidades de todos os que se encontram em um ambiente social, e que somente serão superadas através da solidariedade social.

Para Mattia Persiani:

A eliminação das situações de necessidade, como qualquer outra, não pode ser concretizada por indivíduos que são seus titulares, mas deve ser garantida por toda a coletividade organizada no Estado, para a qual, portanto, essa li-bertação constitui fim a ser visado, recorrendo-se a uma solidariedade que é geral, na medida em que envolve todos os cidadãos.13

Apenas no final do século XIX e, principalmente, no início do século XX fo-ram propostos e implantados os primeiros sistemas de proteção social em que a própria

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tividade estava encarregada pela prevenção e reparação dos danos advindos dos riscos sociais, através de mecanismos denominados seguros sociais.

Celso Barroso Leite aponta que “o seguro social constituiu um reconhecimento algo tardio de que, sobretudo nas sociedades industrializadas e urbanas de assalariados, não se podia esperar que os indivíduos e as famílias cuidassem de sua própria segurança”14.

Segundo Mozart Victor Russomano, não se pode afirmar que o início da Previ-dência Social seja o momento em que o homem guardou o alimento para o dia seguinte, na medida em que o pano de fundo da Previdência Social é o sentimento universal de solidarie-dade entre os homens, ante as pungentes aflições de alguns e generosa sensibilisolidarie-dade de mui-tos15.

O marco inicial desta nova fase, bem como do próprio Direito Previdenciário, foram as Leis editadas por Otto Von Bismarck, no antigo Estado da Prússia (atual Alemanha). As leis aprovadas entre 1883 e 1889 representaram a primeira intervenção formal do Estado em prol da instituição de programas sociais destinados aos trabalhadores e seus dependentes baseada na solidariedade social.

Este programa foi marcado, essencialmente, pela: a) lei dos seguros sociais e auxílio-doença (1883), destinada a todos os trabalhadores industriais, garantindo prestações de assistência médica e subsídios de 50% do salário em caso de enfermidades; b) Lei de Segu-ros por acidentes de trabalho (1884), que incorporou o conceito de responsabilidade objetiva, de forma que todo acidente de trabalho estaria coberto pelo seguro, ainda que não houvesse culpa do empregador16; e c) lei dos Seguros de invalidez e velhice (1889) destinada a proteger os trabalhadores e seus dependentes em face da incapacidade total e permanente para o traba-lho, ou da morte.

Diferentemente das técnicas até então utilizadas, que tinham como característi-cas comuns a voluntariedade, natureza privada e sem garantia estatal de preservação futura, o seguro social surge como um mecanismo de proteção obrigatório, com presença marcante do

14 LEITE, Celso Barroso. A seguridade social na perspectiva do ano 2000. São Paulo: Ltr, 1985, p.33. 15 RUSSOMANO, Mozart Victor.

Curso de Previdência Social. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 02.

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Estado, destinado à supressão ou redução das necessidades sociais dos trabalhadores deriva-das dos riscos profissionais.

Para Almansa Pastor:

la previsión social constituye un conjunto de medidas o instrumentos protec-tores de necesidades sociales que el Estado pone a disposición de, o impone a, los individuos para atender las necesidades sociales de éstos, con la finali-dad de cumplir la función estatal de liberar a los individuos de las necesida-des sociales.17

Este mecanismo parte do pressuposto de que o homem adquire determinados direitos em virtude de seu trabalho, assegurando-se ao trabalhador, durante os períodos de inatividade forçada, um ingresso de natureza substitutiva, em contrapartida ao aporte realiza-do em razão de seu trabalho.

Por esta razão, José Dávalos afirma que:

la previsión social se identifica con o principio humanístico de quien entrega a la economía todo cuanto la naturaleza le ha dado (su fuerza de trabajo), tiene em reciprocidad el derecho de recibir todo cuanto la naturaleza le exige para poder vivir como persona humana, lo mismo en el presente que en el fu-turo.18

O arquétipo do seguro social proposto por Bismarck era semelhante ao seguro privado combinado com as experiências de técnicas mutualistas19, tendo como diferencial a contributividade, compulsoriedade de filiação e a presença estatal. Sua essência, no entanto, era muito próxima do seguro privado.

A ideia de seguro, enquanto instrumento de proteção com assunção do risco20 mediante o pagamento de um prêmio21, surgiu na idade média e era voltada exclusivamente à

17 PASTOR, José Manuel Almansa. Derecho de la seguridade social, Madrid, VI, Editora Tecnos, 1977, p.43. Tradução Livre: A previdência Social constitui um conjunto de medidas ou instrumentos protetores de necessidades sociais que o Estado põe a disposição de, ou impõe, aos indivíduos para atender as necessidades sociais destes, com a finalidade de cumprir a função estatal de libertar os indivíduos das necessidades sociais. 18 DÁVALOS, José. La Crisis de Los Sistemas Contemporâneos de Seguridad Social. p.921. Tradução livre: a Previdência Social se identifica com o princípio humanístico de quem entrega à economia tudo que a natureza lhe deu (sua força de trabalho) tem em reciprocidade o direito de receber tudo quanto a natureza exige para poder viver como pessoa humana, no presente e no futuro.

Para o autor, o vínculo indissociável entre o direito do trabalhador e a previdência social se torna mais sólido se considerarmos que os direitos à previdência social são uma consequência de uma vida dedicada ao trabalho. 19 Sistema pelo qual os trabalhadores se auto-organizam, criando fundos comuns que poderiam protegê-los em caso de enfermidade ou acidente de trabalho.

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proteção de bens materiais em face de danos inerentes às atividades mercantes. Trata-se de mecanismo que se prestava a indenizar ou ressarcir pecuniariamente o dano efetivamente so-frido em virtude de avaria, perda ou destruição do bem ou da coisa assegurada, possuindo natureza contratual.

Segundo Heloísa H. Derzi:

...afirma-se que o seguro, enquanto técnica de prevenção de riscos, teve ori-gem certa no século XVII, ao serem criadas as primeiras companhias náuti-cas e ao ser transposta, para a técnica securitária, a aplicação dos cálculos da probabilidade, descobertos com a lei dos grandes números. Somente então o seguro perdeu o caráter aleatório, para transmudar-se em operação de pre-venção de riscos.22

Armando de Oliveira Assis aponta que o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da matemática atuarial23 foram de fundamental importância para o surgimento do seguro co-mo hoje concebido, pois tornou possível obter a avaliação prévia dos riscos passíveis de se-rem reparados, proporcionando a previsão das necessidades globais, ou seja, a avaliação do risco total a que está exposta a totalidade dos segurados, e não cada pessoa ou coisa posta sob proteção24.

A utilização desta técnica de proteção tendo como objeto a pessoa foi uma das últimas a surgir, especialmente em razão da resistência moral e pela relutância em designar uma avaliação econômica à vida humana. Diversamente do seguro de bens, o seguro de

21 Segundo Weber José Ferreira na obra

Noções Gerais de Seguro, Coleção Introdução à Ciência Atuarial, o termo prêmio, sob o aspecto etimológico, significa recompensa, juros, lucro, taxa de apólice de seguro. Sob o aspecto técnico-jurídico informa que a origem do termo conduziu os autores a ficarem divididos entre duas

correntes: uma dizendo que o termo vem de “primum”, em virtude de ele ser pago no princípio; a outra admitindo que venha de “praemium”, pela razão de significar recompensa ou remuneração. Para o autor, prémio é a remuneração que o segurado paga ao segurador para que este assuma a responsabilidade de um risco determinado. O prêmio é o custo do seguro.

22 DERZI, Heloisa Hernandez. Os benefícios da pensão por morte: regime geral de previdência social. São Paulo: Lex Editora, 2004, p.40.

23 As ciências atuariais ou atuária caracterizam a área do conhecimento que analisa os riscos e expectativas financeiros e econômicos, principalmente na administração de seguros e pensões. Suas metodologias mais tradicionais são baseadas em teorias econômicas, envolvendo suas análises numa forte manipulação de dados. Atuária é uma área de conhecimento multidisciplinar, onde o domínio de conceitos em economia, administração, contabilidade, matemática, finanças e estatística são fundamentais para o entendimento dos modelos atuariais mais elementares. Essa ciência surgiu há cerca de 150 anos na Inglaterra, estudando basicamente a mortalidade da população. A partir de então, ela voltava-se para o cálculo da expectativa de vida, taxa de crescimento da população, natalidade, mortalidade, questões indispensáveis para a avaliação do equilíbrio orçamentário dos regimes previdenciários. Fonte: http://www.fea.usp.br/conteudo.php?i=211, acessado em 17/06/2012.

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soas não possuía a finalidade de reparar um dano ou prejuízo material, mas uma natureza compensatória de determinadas situações de necessidades.

A finalidade do seguro da pessoa estava voltada à previdência, ou seja, desti-nava-se a resguardar o segurado de eventos que poderiam causar ônus para si ou para terceiro. Poderia, ainda, ter a finalidade de poupança, garantindo o futuro do segurado ou de terceiro25. O Seguro Social surge, portanto, com uma formatação próxima à dos seguros privados, mas desde sua origem cumpria a função social de propiciar aos seus beneficiários um sistema de proteção diante das dificuldades naturais da vida, garantida pelo Estado e base-ada na solidariedade.

Heloísa Derzi afirma que apesar do seguro social ter se tornado obrigatório a-poiou-se no seguro privado e deste herdou, inicialmente, um caráter eminentemente contratua-lista-mercantilista, baseado em princípios cumulativos, ao distribuir benefícios proporcionais ao prêmio pago e impondo certo prazo de contribuição anterior à cobertura26.

O modelo bismarkiano de seguro social foi um dos mais difundidos pelo mun-do e, em síntese, caracteriza-se pela: a) amun-doção de técnica semelhante ao seguro privamun-do; b) filiação obrigatória; c) financiamento com base em contribuições dos trabalhadores, emprega-dores e Estado; d) proteção contra os riscos profissionais; e) segurados limitados aos traba-lhadores; e f) prestações de caráter indenizatório, substitutivas do salário, visando compensar o beneficiário pelos prejuízos econômicos sofridos em virtude da inatividade ou da redução de sua capacidade de trabalho, caracterizadas como direito subjetivo público do segurado.

Os projetos de Bismarck aprovados no parlamento foram, segundo F. Ibrahim, a gênese da proteção garantida pelo Estado, funcionando este como arrecadador de contribui-ções exigidas compulsoriamente dos participantes do sistema, tendo como principais caracte-rísticas a contributividade e a compulsoriedade de filiação27.

A contributividade impunha que os próprios beneficiários e demais atores soci-ais envolvidos na relação de trabalho fossem chamados a financiar o sistema de proteção so-cial de forma preponderante, e colaborava para o envolvimento direto de toda a sociedade na proteção social, enfatizando a solidariedade e auxiliando na visualização da Previdência Soci-al como um direito público subjetivo.

25 DERZI, Heloisa Hernandez. Os benefícios da pensão por morte: regime geral de previdência social. São Paulo: Lex Editora, 2004, p.42.

26Idibem, p.57.

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Quanto ao tema, Paul Durand aponta que:

El pago de una cotización especial, distinta del Impuesto general, produce en los beneficiarios un claro sentido de que están participando en los gastos de cobertura de los riesgos correspondientes. Ello impide creer que las presta-ciones son beneficios gratuitos concedidos por el Estado, (...)Este elemento psicológico no puede ser minimizado28.

A compulsoriedade de filiação, outra característica identificada nos modelos públicos de proteção social, mais do que propiciar proteção para toda uma classe de trabalha-dores, era responsável pela própria manutenção do sistema, sendo o mecanismo de imposição da solidariedade social.

Segundo Miguel Horvath Jr,

A obrigatoriedade é essencial para a caracterização do seguro social. (...) A adoção do princípio da obrigatoriedade de filiação surge em decorrência da convicção de que as formas voluntárias de seguro resultaram inadequadas para a solução dos problemas decorrentes dos riscos fisiológicos e econômi-cos que atingiam os trabalhadores29.

Nesta solidariedade social imposta pelo Estado, a configuração original de so-lidariedade como uma obrigação moral que impõe deveres para com os demais nacionais cede espaço para uma ideia de solidariedade forçada, na qual o cidadão se vê obrigado a participar do programa de proteção social30. A facultatividade seria um óbice à proteção plena.

Por esta razão Heloísa Derzi afirma que:

O Seguro Social não foi concebido com a ideia de deixar ao livre arbítrio do trabalhador a sua inclusão no regime; pelo contrário, a participação direta do trabalhador no seu financiamento é exigência de lei, ainda que o mesmo não tenha interesse em usufruir essa proteção31.

28 DURAND, Paul. La Política Contemporanea de Seguridad Social. Madrid: Ministerio de Trabajo e Seguridad Social, 1991, p.399. Tradução livre: O pagamento de uma contribuição especial, distinta dos impostos gerais, produz nos beneficiários um claro sentido de que estão participando nos gastos de cobertura dos riscos sociais. A contributividade impede a crença de que as prestações são benefícios gratuitos concedidos pelo Estado, sendo este aspecto psicológico um elemento que não pode ser minimizado

29 HORVATH JR. Miguel.

Direito Previdenciário. 7ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.76.

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Os propósitos deste modelo de proteção social e suas características predomi-nantes são expostos por Miguel Horvath Jr em citação referente à mensagem encaminhada por Bismarck aos representantes do povo em 1881:

Achar meios e modos de tornar efetiva essa solicitude é, certamente, tarefa difícil, mas, ao mesmo tempo, uma das mais elevadas em um Estado funda-do sobre as bases morais da vida cristã. É pela união íntima das forças vivas do povo e pela organização dessas forças sob a forma de associações coope-rativas, colocadas sob a proteção, vigilância e solicitude do Estado, que será possível, nós o esperamos, resolver este momentoso problema, que o Estado não poderá resolver por si só com a mesma eficácia.32

1.3. Da evolução dos instrumentos de proteção social.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e, principalmente, nos anos que seguiram ao término do conflito, observa-se um grande avanço nas políticas públicas vol-tadas ao atendimento, proteção e promoção da população, com uma crescente preocupação do Estado na universalização de direitos sociais através de uma atuação direta na gestão da or-dem social e econômica, tendo o bem-estar social como objetivo.

Esta fase, conhecida como o período de expansão dos modelos de proteção so-cial, está conectada à disseminação das ideias de crescimento econômico num contexto de intervenção estatal, visando melhor distribuição da renda nacional e transferência de parte das tarefas sociais da sociedade civil para o Estado. Este novo modelo, denominado Welfare Sta-te, implicou mudanças estruturais nos mais diversos âmbitos, provocando processos de rede-finição que afetaram os próprios fundamentos legitimadores do Estado33.

Diversas teorias buscam explicar o papel do Welfare State nos países industria-lizados, dentre os quais se destacam: a) compensação da insuficiência do mercado em adequar os níveis de oferta e demanda; b) controle político das organizações de trabalhadores e capita-listas; e c) estímulo a mercantilização da força de trabalho segundo padrões industriais, ao

32 HORVATH JR. Miguel. Direito Previdenciário. 7ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.25. 33 CRUZ, Paulo Márcio.

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administrar alguns dos riscos inerentes a esse tipo de relação de trabalho e ao transferir ao Estado parte das responsabilidades pelos custos da força de trabalho34.

Para Celso F. Campilongo:

O antigo Estado liberal –assentado na suposta “separação” entre o Estado e

sociedade e vinculado às noções de imunidade do juiz, monopólio parlamen-tar da produção de direito e numa atitude de não interferência do Judiciário na vida privada do indivíduo (...) – transforma-se, no século XX, em Estado que interfere em amplos domínios da sociedade e se expõe às pressões de-correntes da organização dessa própria sociedade, tornando as duas partes in-terpenetradas35.

Neste mesmo sentido, Fábio Z. Ibrahim disserta que:

O Estado contemporâneo, na construção proposta, é aquele que, sem descu-rar de uma visão multidimensional de justiça nos vetores de necessidade, i-sonomia e mérito individual, busca repartição adequada de riscos em ambi-ente de solidariedade, seja voluntária ou forçada, variando o grau de abran-gência de acordo com as opções legislativas de cada época36.

A preocupação da atuação estatal passa a se concentrar também na abolição do estado de necessidade, garantia a todo cidadão de uma renda suficiente que lhe permitisse subsistir e prover a subsistência de seus dependentes e na efetivação de medidas de prevenção de certos riscos sociais.

Neste contexto de expansão dos programas de proteção social cada Estado, em razão de sua soberania e de acordo com a sua capacidade econômica e interesses políticos, passa a adotar a forma institucional de proteção à população que lhe prouver, resultando dis-tintos sistemas protetivos.

Dentre estes distintos modelos, destacam-se: a) sistemas não contributivos, em que o financiamento provém de parcela da arrecadação tributária, não havendo uma específica contribuição dos participantes; b) sistemas contributivos de capitalização, em que os

34 Segundo Marcelo Medeiros, determinam a configuração do Welfare State, em cada país, o padrão e o nível de industrialização ou modernização, a capacidade de mobilização dos trabalhadores, a cultura política de uma nação, a estrutura de coalizões políticas e a autonomia da máquina burocrática em relação ao governo. (MEDEI-ROS, Marcelo. A Trajetória do Welfare State no Brasil: Papel Redistributivo das Políticas Sociais dos Anos 1930 aos Anos 1990. Fonte: http://www.ipea.gov.br/pub/td/td_2001 /td_0852.pdf. Acessado em 15/08/2011). 35 CAMPILONGO. Celso Fernandes.

Política, sistema jurídico e decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 38.

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cios são devidos de acordo com a cotização de cada segurado; c) sistemas contributivos de repartição, em que as contribuições da sociedade são destinadas a um fundo único, do qual são retirados os recursos para manutenção das prestações devidas; d) sistemas privados de previdência, em que o segurado financia integralmente o seu próprio benefício futuro, estando vinculado a um ente privado de previdência e; e) sistemas mistos, que agregam características de distintos modelos.

Além disso, dentro de cada um destes sistemas identificam-se diversas espécies de prestações e serviços, destinados a distintas parcelas populacionais e em diferentes graus qualitativos de proteção37.

Mattia Persiani indica, no entanto, que:

Em meio à variedade dos modos de atuação, é possível, todavia, individuali-zar dois princípios fundamentais que, numa tendência uniforme e constante, bem podem representar os elementos característicos e determinantes da evo-lução dos sistemas jurídicos previdenciários relativamente à ideia de seguri-dade social.

Esses princípios são os seguintes: a intervenção cada vez mais determinante do Estado, que agora assume diretamente, entre suas metas, a realização da tutela previdenciária e a progressiva extensão desta a novas situações de ne-cessidade e a novas categorias de indivíduos, inclusive, além do âmbito tra-dicional do trabalho subordinado.38

Como mecanismo de proteção social, o modelo que mais se destaca durante na fase de expansão é o contributivo de repartição, que encontra sua máxima expressão no In-forme Beveridge, modelo de proteção integral que surge com a política implantada na Ingla-terra a partir do ano de 1942 pelo Lorde William Henry Beveridge (1879-1963), que tratou da reorganização e universalização da Seguridade Social dando início ao modelo Beveridgeano de proteção social.

O modelo Beveridgeano de Seguridade Social nasce em 1942 tendo como principais características: a) a proteção de toda a população de um grande número de dades sociais; b) prestações em valor uniforme, que corresponda ao suprimento das necessi-dades vitais, sem prejuízo do complemento advindo dos esforços da Previdência; c) o

37 A diversidade na parcela populacional atendida varia de acordo com o grau da universalização alcançado por cada um dos regimes previdenciários, existindo regimes limitados aos trabalhadores assalariados, outros destinados a todos os cidadãos, ou outra configuração adotada pelo Estado. O grau qualitativo da proteção diz respeito aos benefícios e serviços garantidos em cada regime, variando não apenas em razão das necessidades sociais objeto de proteção, mas também no valor da prestação devida ou serviços prestados.

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amento através de contribuições no que tange às prestações em geral, e impostos, no que diz respeito aos abonos de família e ao tratamento de saúde; d) gestão confiada ao serviço públi-co; e e) complemento das medidas por meio de política do pleno emprego, política sanitária e de saúde, com atendimento gratuito a toda a população39.

Almansa Pastor40 aponta que um dos graves inconvenientes que se observava no mutualismo e nos seguros privados consistia na incapacidade contributiva dos sujeitos pro-tegidos para financiar por si mesmo a proteção. Esta deficiência se manteria ou até mesmo se ampliaria ao impor obrigatoriamente a tais pessoas o seguro social, de maneira que uma pesa-da carga contributiva periódica gravitaria sobre a população mais necessitapesa-da, reduzindo seus parcos recursos.

Este problema deveria ser superado para se potencializar a proteção social. Pa-ra isto, segundo Almansa Pastor41, o Estado teve duas vias fundamentais, consistentes no compartilhamento da obrigação imposta com outras pessoas não protegidas, os empresários, aos quais os sujeitos protegidos estariam unidos por uma relação de serviços, instaurando-se uma solidariedade profissional, e na possibilidade do Estado suportar por si mesmo o custo financeiro dos seguros sociais, através do financiamento indireto de toda a coletividade (soli-dariedade real), sendo esta a base da seguridade social.

Mattia Persiani leciona que:

Independentemente de quais foram as ocasiões de suas primeiras afirmações, a ideia da Seguridade Social exprime a exigência de que venha garantida a todos os cidadãos a libertação das situações de necessidade, na medida em que esta libertação é tida como condição indispensável para o efetivo gozo dos direitos civis e políticos.42

(...)

A eliminação das situações de necessidade, como qualquer outra, não pode ser concretizada por indivíduos que são seus titulares, mas deve ser garantida por toda a coletividade organizada no Estado, para a qual, portanto, essa li-bertação constitui fim a ser visado, recorrendo-se a uma solidariedade que é geral, na medida em que envolve todos os cidadãos.43

O modelo de Beveridge tentou conduzir a legislação britânica ao reconheci-mento do dever social de libertar o homem de todas as necessidades existenciais do berço ao

39 BEVERIDGE, William.

O Plano Beveridge, Relatório sobre o Seguro Social e serviços afins. Tradução: Almir de Andrade. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1943.

40 PASTOR. José Manuel Almansa. Derecho de La Seguridad Social. 7ª ed. Madrid: Tecnos, 1991, p.51. 41

Ibidem, p.51.

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túmulo, mediante métodos políticos e econômicos que permitissem a melhor, mais ampla, mais justa e mais humana distribuição de renda, correspondendo a “conjunto de medidas com as quais o Estado, agente da sociedade, procura atender à necessidade que o ser humano tem de segurança na adversidade, de tranquilidade quanto ao dia de amanhã”44.

Esta política de Seguridade Social não é uma simples ampliação da política de seguros sociais, mas constitui um serviço público de finalidade social, presidido pelos ideais de universalidade, solidariedade, redução da pobreza e garantia do bem-estar e justiça sociais, pautado pelos princípios da generalidade objetiva, visualizada na diversificação das presta-ções garantidas, e da universalidade subjetiva, através da proteção de todos os necessitados.

Com estes objetivos, o modelo adotado por Beveridge priorizou três áreas de atuação, que juntas seriam capazes de garantir um mínimo de dignidade humana e bem-estar social, ao propiciar uma renda mínima aos necessitados (por meio de ações da assistência so-cial), mecanismos reparadores para os segurados e seus dependentes vinculados à previdência social, bem como saúde e assistência sanitária a toda a população.

Maria de Los Santos A. Ligero afirma que “o caráter fundamental (da seguridade social) é seu aspecto ético – o princípio da obrigação universal de garantir a todo ser humano a tutela contra as consequências danosas derivadas da vida individual, familiar ou coletiva”45.

Segundo Marisa Santos,

A solidariedade social não existe para que o indivíduo seja um ônus para o Estado e para os demais membros da comunidade. O espírito de solidarieda-de faz com que o grupo social, reconhecendo seu solidarieda-dever solidarieda-de proteger seus membros em situações de insegurança, não se acomode diante de situações de inexistência dos mínimos necessários à existência digna46.

A ideia central deste modelo está na solidariedade social plena, que se apresenta não apenas entre os membros da sociedade atual, através de uma solidariedade forçada, imposta por lei, mas também entre as gerações, configurando um pacto social intergeracional.

44 LEITE, Celso Barroso.

Curso de Direito Previdenciário em homenagem a Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira, 5ª ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 17.

45 LIGERO, Maria de los Santos Alonso. Los Servicios Sociales y la Seguridad Social, Volume n.º 6. Revista Ibero-americana de Seguridad Social, 1971.

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Sintetizando os propósitos deste sistema de proteção social, Almansa Pastor afirma que “todo indivíduo em situação de necessidade tem direito a proteção igualitária, que há de ser garantida pelo Estado, com meios financeiros integrados em seus pressupostos gerais”47.

Nesta perspectiva, a proteção e promoção social idealizada por Beveridge se desvincula do modelo tradicional de seguro social, ampliando sua clientela para além dos tra-balhadores, passando a atender toda a população. Além disso, se observa uma mudança na própria natureza das prestações, que deixam de ser exclusivamente de natureza pecuniária, ampliando-se a proteção social através de serviços prestados pelo Estado, em prol de toda a população.

Neste modelo, as prestações perdem seu caráter indenizatório e substitutivo e assumem um papel de integração do homem na vida comunitária, através de garantia de um padrão mínimo de dignidade para os que se encontrem em um estado de necessidade, tendo, ainda, uma forte função distributiva de renda.

Neste sentido, G. Mazzoni48 disserta que a seguridade social é um princípio ético-social, cujo escopo mínimo é libertar o homem da indigência e da miséria, sendo um dos aspectos do Estado Social, no qual se insere como elemento essencial, mediante o pressuposto de uma solidariedade social que permita uma relativa redistribuição de renda.

A Seguridade Social se consolidou como um dos mais abrangentes e completos sistemas de proteção social, através de programas voltados para a universalização de cobertu-ra e atendimento, redistribuição de renda e ercobertu-radicação da pobreza, estabelecendo-se, assim, uma mudança na própria concepção do objeto da proteção social.

Por superar a concepção estrita de um seguro, que somente beneficia aos que a ele adere mediante contribuições previamente pactuadas, a seguridade social tem como pedra angular a universalidade. Trata-se de um esquema protetivo amplo, moldado a partir da cons-tatação, até certo ponto óbvia, de que sem a superação da miséria e das desigualdades não há bem-estar nem justiça social49.

47 PASTOR. José Manuel Almansa. Derecho de La Seguridad Social. 7ª ed. Madrid: Tecnos, 1991, p.61. 48 MAZZONI, G.. Existe um Conceito Jurídico de Seguridade Social? Traduzido da Revista I Probemi della Sicurezza Sociale, nº 02, março-abril 1967, p. 38.

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Em razão de sua própria amplitude, no entanto, este modelo se torna mais vul-nerável a questões como a mudança na estrutura social, a crises econômicas, políticas e fiscais e, principalmente, a seu próprio peso dentro do Estado.

Por estas e outras razões, se visualiza no final do século XX o início de um pe-ríodo de crise do Welfare State, com reflexos diretos nos modelos de proteção social existen-tes. O que se constata, a partir de então, é uma tendência mundial de mescla dos sistemas bis-markiano e beveridgiano, com a adoção recíproca de características até então estranhas, como a securitização do esquema beveridgeano, ou seja, a fixação de benefícios calculados também em relação às contribuições individuais50.

Nos últimos anos, especialmente com as reformas deste modelo de Estado, os modelos baseados na capitalização ganharam maior destaque no cenário internacional, sendo qualificados como os únicos capazes de produzirem incrementos de poupança, estímulos à atividade econômica e melhor retorno na aposentadoria. No entanto, a avaliação é seguramen-te incorreta51.

1.4. Do objeto de proteção social: dos riscos profissionais às necessida-des sociais

Através deste breve esboço histórico, observa-se que a finalidade dos meca-nismos públicos de proteção social está na libertação das pessoas de uma situação de necessi-dade, essencialmente relacionada à impossibilidade de auferir rendimentos ou em razão de um incremento nos gastos essenciais. Em sua origem, o objeto central da proteção social previ-denciária eram os riscos advindos das atividades laborais.

Nickas Luhmann52 aponta que as expressões seguridade e risco são indissociá-veis, na medida em que o risco é determinado em oposição à noção de segurança. É inerente ao instituto do seguro social a ideia de risco, conceituado por José Manuel Almansa Pastor como uma “possibilidade de que aconteça um fato futuro, incerto e involuntário que produza dano com possível avaliação econômica ao segurado”53.

50 IBRAHIM ,Fábio Zambitte. A Previdência Social no Estado contemporâneo. Niterói: Impetus, 2011, p. 79. 51Ibidem, p. 173.

52 LUHMANN, Nickas.

Sociologia del Riesgo. México: Universidad Iberoamericana, 2006.

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Aragonés Viana afirma que:

O termo risco social é empregado para designar os eventos, isto é, os fatos ou acontecimentos que ocorrem na vida de todos os homens, com certeza ou previsibilidade significativa, provocando um desajuste nas condições nor-mais de vida, em especial a obtenção de rendimentos decorrentes do traba-lho, gerando necessidades a serem atendidas, pois nestes momentos críticos, normalmente não podem ser satisfeitas pelo indivíduo54.

A ideia central do seguro social atrelava-se à técnica do seguro privado, na qual se paga um prêmio, definido por técnicas contábeis e atuariais, com a finalidade de resguardar o segurado e seus dependentes de um evento futuro, incerto e imprevisível que possa causar um ônus para si ou para terceiros.

A proteção social, em sua origem, tinha como objeto um risco único, represen-tado pela eventual impossibilidade do trabalhador perceber seu salário, por força da ocorrên-cia do infortúnio, tal como um acidente de trabalho, uma enfermidade ou o seu falecimento.

Fábio Zambitte Ibrahim afirma que até a modernidade a definição tradicional de risco envolvia, sem maiores questionamentos, os eventos tradicionalmente apontados como limitadores de renda ou capacidade para o trabalho55.

Segundo Paul Durand, originalmente, a expressão risco social designava todos os riscos que poderiam obrigar o trabalhador a cessar seu trabalho, temporária ou definitiva-mente, em razão de situação de origem fisiológica ou provinda da própria atividade profissio-nal56.

No entanto, em razão da evolução dos instrumentos de proteção social garanti-dos pelo Estado, o conceito de risco social deixou de se harmonizar com o ideal de segurança, tendo em vista a necessidade cada vez maior da proteção em face de eventos não necessaria-mente futuros, imprevisíveis ou involuntários. Além disso, o aspecto danoso do risco no con-texto previdenciário e securitário mostrou-se igualmente ultrapassado em função da proteção dispensada, por exemplo, à maternidade, à família e à educação de um filho, para o que é i-nadmissível o rótulo de prejuízo ou dano.

54 VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de Direito Previdenciário. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.04. 55 IBRAHIM ,Fábio Zambitte.

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Dentro do próprio contexto do Estado do Bem-Estar Social não se poderia atri-buir uma definição estrita de seguro social e, por conseguinte, de risco social, que permaneci-am com raízes na figura contratual do seguro, de natureza privada.

Segundo Fábio Ibrahim:

A sociedade de risco, ao mesmo tempo em que impõe algum tipo de meca-nismo de segurança social, demanda revisão dos paradigmas existentes, es-pecialmente do modelo bismarkiano de previdência social, o qual (...) foi o-riginário de uma sociedade industrial que não mais existe57.

Desta forma, prestação previdenciária, ao longo do tempo, passou a se relacio-nar não mais diretamente com o evento (acidente, enfermidade, morte, velhice), mas com a consequência danosa advinda destes eventos, que se consubstancia em um estado de necessi-dade para o segurado e seus dependentes, normalmente em função da diminuição de seus ga-nhos ou incrementos de seus gastos. Paralelamente a isto, os riscos deixaram de ser restritos ao ambiente laboral, com uma crescente necessidade de cobertura de novas contingências.

Neste sentido, leciona Armando de Oliveira Assis que:

Numa nova concepção de risco social como propomos, a noção fundamental será a de que o perigo que ameaça o indivíduo se transfere para a sociedade, ou por outra, se ameaça uma das partes componentes do todo, fatalmente ameaçará a própria coletividade, o que faz com que as necessidades daí sur-gidas, além e acima de serem apenas do indivíduo, se tornem igualmente ne-cessidades da sociedade. De tal forma, se nos patenteia esse fato, que nos chega a parecer mais apropriado designar o perigo potencial de necessidade social, ao invés de risco social. E aqui queremos chamar a atenção para as características novas da acepção que perseguimos. Hoje em dia, quando se refere ao risco social mesmo dentro das novas fórmulas de seguridade social, o que se faz é individualizar o risco e, sobretudo, considera-lo como típico, apenas do indivíduo que trabalha e que possui como únicos bens os proven-tos de sua atividade, isto é, encara-se tão somente o homem de escassos re-cursos; o risco é dado como um fenômeno intrínseco ao trabalho assalariado. Na concepção que defendemos, o risco se torna socializado, ameaça igual-mente o indivíduo e a sociedade, ou quiçá, mais a esta do que àquele. O ho-mem deve ser protegido não porque seja um trabalhador, um produtor de ri-quezas, mas pelo simples fato de ser um cidadão, de conviver em sociedade. O organismo social deve defendê-lo assim como o organismo humano mobi-liza seus recursos para fazer face à infecção que, embora locamobi-lizada, o põe em perigo. Os males individuais devem ser tratados pela sociedade como fo-cos de infecção. Dessa forma, a consciência chegará a reputar como vergo-nhoso, como mazelas intoleráveis, a existência de pessoas que não tenha sa-tisfeitas suas necessidades básicas. Fazemos nossas as palavras de

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ge: devemos considerar a necessidade, a doença, a ignorância e a miséria como inimigos comuns de todos, e não como inimigos com os quais cada um deva tentar concluir uma paz em separado58.

Assim, observa-se ao longo da história, especialmente com a noção de proteção integral da sociedade pelo Estado, a substituição da expressão risco social pela noção de ne-cessidades sociais, ou ainda, contingências sociais.

Quanto a esta nova concepção do objeto da proteção social, Almansa Pastor le-ciona que:

Por necesidad se entiende, en un primer sentido vulgar e impreciso, la falta de las cosas que son menester para la conservación de la vida. En un sentido más preciso y técnico, los economistas suelen consideraría como carencia o escasez de un bien unida al deseo de su satisfacción. (...)

El calificativo social, de otra parte, completa la expresión indicando que la carencia o escasez de los bienes puede incidir en un doble sentido: sobre el individuo, en tanto que miembro del cuerpo social, y sobre la totalidad o par-te de la colectividad social.59

O que se protege através Previdência Social é sempre a necessidade social; não, portanto, a invalidez, a morte ou a velhice considerada em si mesma, mas, sim, a reper-cussão que estas acarretam, ou seja, o comprometimento da subsistência que as contingências ensejam ao privarem da renda ou sobrecarregarem as despesas dos sujeitos que vivem do pró-prio trabalho ou daqueles que deste dependa60.

O risco deixa de ser objeto da relação jurídica de proteção para cumprir uma mera função causal, porém não como causa jurídica desta relação, mas no sentido de causa eficiente de uma situação de necessidade.

Esta necessidade, no entanto, da forma como empregada por alguns juristas, se torna genérica e equivocada, havendo necessidade de demarcação dos limites de proteção assegurada pela previdência social e seguridade social.

58 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social. Porto Alegre: Notadez. Revista de Direito Social nº 14, 2004, p. 150.

59 PASTOR. José Manuel Almansa.

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Para G. Mazzoni61 importa estabelecer se a libertação das necessidades pelos modelos públicos de proteção social deve referir-se apenas às necessidades essenciais do ho-mem ou se deve generalizar-se para a cobertura de todos os riscos ou satisfação de todas as necessidades.

Segundo citado autor,

O limite (...) é o de assegurar a todos os cidadãos uma tutela de base, que

cubra as necessidades essenciais de caráter econômico ou as situações que a elas possam equiparar-se. Em outras palavras, não é a necessidade em si mesma que se considera, mas preferentemente a necessidade de assegurar os meios de satisfazê-la. Estes meios, preventivos ou compensatórios, devem garantir a renda-base a todos os cidadãos. (...)

Nesse sentido, observa-se que a seguridade social assume uma função de in-tegração da situação do indivíduo na comunidade organizada: inin-tegração e-conômica, na medida em que os meios de seguridade social suprem a falta dos meios de subsistência, e integração jurídica, que se estende ao campo dos interesses juridicamente protegidos como direitos da pessoa62.

Portanto, quando tratamos da libertação das necessidades sociais, devemos ter em mente a necessidade de uma proteção previdenciária apta a amparar os beneficiários em suas necessidades essenciais, dentro de um padrão mínimo de proteção com reflexos em uma prestação adequada à manutenção de uma vida digna. Trabalharemos melhor o tema relativo aos parâmetros deste mínimo essencial nos itens seguintes.

1.5. O mecanismo preponderante de proteção social previdenciária – a prestação pecuniária.

A Previdência Social, seja como um instrumento autônomo baseado no modelo bismarkiano, seja como um subsistema integrante de um modelo de Seguridade Social visa, essencialmente, proteger os segurados e seus dependentes das necessidades sociais.

A prestação previdenciária possui como finalidade a subsistência do beneficiá-rio e de sua família, assumindo realce na sociedade não apenas pelos fins a que se destina,

61 MAZZONI, G..

Existe um Conceito Jurídico de Seguridade Social? Traduzido da Revista I Probemi della Sicurezza Sociale, nº 02, março-abril 1967.

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mas, sobretudo, porque constitui direito subjetivo público que atribui a seu titular o poder de exigi-la do Estado.

Neste sentido, Ramos, Hernandez e Porras afirmam que:

En cuanto a su naturaleza, las prestaciones son auténticos derechos subjeti-vos de carácter público dimanantes de la existencia de un régimen legal, en el que, tanto las aportaciones de los afiliados, como las prestaciones a dis-pensar, sus niveles y condiciones, vienen determinados, no por un acuerdo de voluntades, sino por reglas que se integran en el ordenamiento jurídico y que están sujetas a las modificaciones que el legislador introduzca63.

Wagner Balera disserta que as prestações devidas pela previdência social são destinadas a prover às pessoas sua subsistência nas eventualidades que as impossibilitem de, por seu esforço, auferir recursos para isto, ou a reforçar seus ganhos para enfrentar encargos com a família, ou amparar, em caso de morte, os que dependiam economicamente64.

O direito de usufruir as prestações somente se configura quando se reúnem as condições fáticas previstas em lei para que o beneficiário possa requerê-las. Estas prestações podem ser dispensadas em espécie, em que o próprio Estado presta determinado serviço, ou por meio de dinheiro, através de uma cota única ou prestações periódicas, vitalícias ou tempo-rárias65.

Segundo Mattia Persiani,

As prestações previdenciárias são definidas pela lei relativamente a cada e-vento determinante. As prestações podem ser econômicas, quando consistem na distribuição de dinheiro, ou de saúde, como acontece quando têm por ob-jeto a assistência médico-cirúrgica, as prestações ambulatoriais, a recupera-ção em casa de saúde, (...) o fornecimento de aparelhos de prótese e de am-paro terapêutico66.

Quanto ao modo de fixação destas prestações, várias fórmulas podem ser ado-tadas pelo legislador, desde prestações uniformes para todos os beneficiários, proporcionais à

63 RAMOS, Maria José Rodriguez; HERNANDEZ, Juan Gorelli; PORRAS, Maximiliano V.

Sistema de Seguri-dad Social. 13ª ed. Madrid: Tecnos, 2008, p. 104. Tradução Livre: Quanto à sua natureza, os benefícios são verdadeiros direitos públicos subjetivos decorrentes da existência de um regime jurídico em que tanto as contri-buições dos membros, como as prestações a ser dispensadas, os níveis e condições são determinadas, não por um acordo de vontades, mas por regras que são integradas ao ordenamento jurídico e estão sujeitas às modificações introduzidas pelo legislador.

64 BALERA. Wagner. Curso de Direito Previdenciário, 2ª edição, Editora Ltr, p. 69.

65 RAMOS, Maria José Rodriguez; HERNANDEZ, Juan Gorelli; PORRAS, Maximiliano V.

Sistema de Seguri-dad Social. 13ª ed. Madrid: Tecnos, 2008, p. 105.

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Tabela nº 04 –  Critérios de apuração da RMI, período anterior à Constituição Federal
Tabela nº 05  –  Critérios de apuração da RMI  –  Lei nº 8.213/91  Benefício  Base de cálculo
Tabela nº 06  –  Critérios de apuração da RMI  –  Leis nº 8.213/914 e 9.032/95  Benefício  Base de cálculo
Tabela nº 07  –  Critérios de apuração da RMI  –  Emenda Constitucional nº 20  Benefício  Base de cálculo
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