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DCN’s das licenciaturas em ciências naturais: o esquecimento da (formação) política

Nossos estudos apontaram fragilidades nas diretrizes quanto à formação política, mas destacaram também, expressos nas proposições que direcionam conteúdos e práticas educativas, elementos que constituem possibilidades para formação política de professores de química, física e biologia, como um viés interdisciplinar. Esses elementos são revelados, sobretudo nas DCN’s de química, mas também aparecem nas DCN’s de física e mais expressivamente de biologia.

A ética, a oferta de conteúdos formativos e a responsabilidade social dos futuros profissionais aparecem nas três diretrizes e figuram como possibilidade para pensar o cenário de uma formação política interdisciplinar. Os textos trazem ainda ideias de cidadania e democracia, a concepção de um professor que seja cidadão e que irá atuar na educação da cidadania de seus alunos e preocupações com o contexto político da formação e da atuação docente e com a dimensão social de cada uma dessas ciências.

A parte inicial do Parecer de Química, denominada “Relatório”, aponta a priorização dos conteúdos informativos em detrimento dos formativos, que seriam aqueles destinados a, entre outras questões, atuação cidadã dos professores. Preocupa-se com a inclusão de temas como caráter, ética, solidariedade, responsabilidade e cidadania nos currículos. O Parecer de Física não contempla questões voltadas para a formação política, enquanto o de Biologia advoga por particular atenção a não dissociação dos conhecimentos biológicos das questões político-sociais. Os cursos de química e biologia mostram-se mais preocupados com as questões da esfera pública, destacando- se a biologia na abertura à possibilidade de interdisciplinar seus conteúdos específicos com as preocupações político-sociais.

Somente o curso de biologia estabelece um “perfil dos formandos” com uma consciência de atuar na realidade como exercício de cidadania do profissional. Ainda que o documento fale especificamente do bacharel, e não do licenciado.

Em “competências e habilidades” os três cursos trazem elementos de responsabilidade social. Novamente os cursos de química e biologia contemplam melhor questões como a compreensão e transformação do contexto sociopolítico, a função e aplicação social da respectiva ciência, e a importância da conscientização para o exercício da cidadania.

Os “conteúdos básicos” dos currículos tratam de forma superficial as questões políticas nas diretrizes dos cursos de física e biologia, e nem mesmo são consideradas nas diretrizes de química. Nos “conteúdos específicos” para a formação dos licenciados, em nenhum dos cursos é contemplada a formação política dos professores. Vale observar que, os três documentos2 ressaltam que

deverão ser “incluídos no conjunto dos conteúdos profissionais, os conteúdos da educação básica, consideradas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores em nível superior, bem como as Diretrizes Nacionais para a Educação Básica e para o Ensino Médio”. Isso reforça o que já vimos em outros estudos: a predominância da formação por competências em detrimento de uma efetiva formação política (Oliveira; Borssoi; Genro, 2011).

O conceito de competências não é algo novo (Kuenzer, 2001), ele teve papel central nas políticas educacionais desde a consolidação da LDB 9.394/ 96, representando a posição de governo, o que resultou na adequação das instituições de ensino e suas práticas a essa concepção. No entanto, cabe a nós, “cientistas críticos da educação ultrapassar o reino das aparências para estabelecer as verdadeiras relações que conferem uma nova materialidade ao discurso da pedagogia das competências” (idem, p. 4).

2 Resolução CNE/CES nº. 8/2002 - Química; Resolução CNE/CES nº. 9/2002 - Física e

A certificação de competências tem estado presente desde os anos 70, em âmbito do taylorismo/fordismo, modo de organização e gestão da vida social e produtiva, pela divisão social e técnica do trabalho baseada na parcelarização (Kuenzer, 2001). Nessa época o conceito de competência significava “um saber fazer de natureza psicofísica, antes derivado da experiência do que de atividades intelectuais que articulem conhecimento científico e formas de fazer” (idem, p. 1). Embora o conceito de competência tenha evoluído, aproximando-se da ideia de práxis (Kuenzer), a ideia de competência na formação de professores carrega ainda certa conotação técnico-instrumental, que atende ao modelo tecnicista de educação. A pedagogia das competências nem sempre é discutida pelos profissionais. Sendo um discurso sedutor, aos poucos coloca o professor sem referência para participar de debates e para refletir sobre suas práticas (Kuenzer). Esta é uma das razões fundamentais que nos levam a reivindicar uma formação política para os professores nos cursos de licenciatura.

Quando abordam os “estágios e atividades complementares”, efetivamente os espaços da articulação teoria e prática na formação dos professores, as diretrizes de física e biologia em nada contemplam a formação política, e as de química abordam essa temática novamente de forma superficial. As diretrizes dos cursos de química, física e biologia foram elaboradas a partir das DCN’s gerais para a Formação de Professores da Educação Básica, que segundo Pimenta e Lima (2010) trazem as competências como núcleo da formação, o que reduz a atividade docente em um desempenho técnico, anunciando um neotecnicismo, colocando em discussão também as diretrizes específicas de cada curso. Conforme Libâneo (1985) a concepção tecnicista, introduzida final dos anos 60, teve por objetivo a adequação educacional à orientação política econômica do regime militar. Inseria as instituições de ensino nos moldes de racionalização do sistema de produção capitalista. Compreendia o professor como mero transmissor de conhecimentos, isto é, “o professor é apenas um elo entre a verdade científica e o aluno, cabendo-lhe empregar o sistema instrumental previsto” (idem, p. 18). Assim sendo, a educação e a formação consistiam em “aquisição de habilidades, atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se integrem na máquina do sistema global” (idem, p. 16).

Apesar da conotação técnico-instrumental que enfatiza habilidades e competências às diretrizes desses cursos, identificar elementos que contemplam a formação política nesses documentos levou-nos a apostar na possibilidade de uma formação política baseada na perspectiva interdisciplinar.

Formação interdisciplinar: conhecimentos e saberes em