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Uma experiência interdisciplinar na formação de professores (Caso 1)

Uma experiência de mudança curricular na formação de professores de física e biologia foi realizada em 2000 no departamento de Metodologia da Universidade Federal de São Carlos. Nossa narrativa e análise será baseada nas informações fornecidas pelos trabalhos de Villani et al (2008). A mudança fundamental consistiu no planejamento e realização das aulas em conjunto por parte das professoras responsáveis pelas disciplinas de Prática de Ensino de Física e de Biologia e no planejamento e realização dos correspondentes Estágios supervisionados em grupos mistos de licenciandos em física e biologia.

O momento originário

As professoras responsáveis pelas disciplinas de Prática de Ensino de Física e de Ensino de Biologia apresentaram uma proposta especial para os futuros professores, procurando estabelecer novas relações entre eles e novas formas de ensino. Duas atividades iniciais traduziram essa proposta no plano concreto: a primeira foi um debate entre dois grupos constituídos por físicos e biólogos sobre um texto que explorava o planejamento detalhado de uma professora e os efeitos sobre seus alunos durante a sua aplicação em sala de aula. A tarefa dos licenciandos era localizar os elementos positivos e negativos de planejamento e apresentar os argumentos em sessão plenária. A segunda atividade consistiu em uma visita a uma fábrica de lápis da região, buscando informações sobre o processo de produção. A sugestão das professoras foi de começar o planejamento das aulas do estágio articulando o “conhecimento” adquirido com o debate e a visita. O convite tornou-se o momento inicial de um novo agrupamento. A maioria dos licenciandos foi capturada pela imaginação fundadora das professoras, que buscavam mudar a relação dos futuros professores com os conhecimentos disciplinares e com os seus respectivos alunos no estágio. Eles receberam a ideia com entusiasmo, porque parecia uma oportunidade interessante e inesperada, e por causa da variedade dos eventos envolvidos. Pelos comentários registrados, ninguém podia duvidar (pacto denegativo) de que as professoras seriam capazes de acompanhar adequadamente cada grupo composto por dois biólogos e dois físicos; a meta inovadora era conceber e organizar projetos em sala de aula de escolas públicas, trabalhando de forma interdisciplinar (contrato narcísico).

O intermediário mais eficiente para o desenvolvimento dos futuros professores foi a ajuda das professoras para superar as dificuldades práticas de ensino interdisciplinar e as lacunas pedagógicas e conceituais encontradas no planejamento. Para tanto elas tinham que seguir as reuniões dos grupos, fornecendo subsídios para as propostas, principalmente quando os grupos enfrentavam impasses. As relações estabelecidas no momento em que o grupo foi fundado continuaram durante quase todo o processo de constituição do grupo. Em particular, as professoras exploraram sua própria experiência na condução e organização de atividades em sala de aula para mostrar que a cooperação interdisciplinar era possível e construtiva. O processo se tornou mais solidificado após os diferentes grupos realizarem os primeiros projetos de estágio, cada um à sua maneira. Para alguns, este foi o início de um trabalho criativo, enquanto, para outros, foi uma experiência difícil, caracterizada pela indisciplina dos alunos.

Em particular, um grupo (G1) foi seguido em detalhes pelos pesquisadores, através da observação e entrevistas. O grupo foi muito receptivo

em relação às propostas específicas das professoras e aceitou a sugestão de usar como estratégia de ensino a história da ciência para desenvolver com seus alunos o tema fotossíntese e energia. As professoras sugeriram concentrar-se sobre as ideias prévias dos estudantes e a utilização da história da ciência. Para o grupo G1 foi delineando um contrato narcísico específico (o planejamento de aulas interessantes e experiências estimuladoras) e um pacto denegativo específico (a repressão de qualquer questionamento da colaboração grupal). Os membros do grupo pareciam muito confortáveis em seu novo papel, pois eles responderam ao apelo aderindo às sugestões das professoras, mesmo que em algum momento de forma acrítica. No nosso entendimento, durante esta fase inicial as iniciativas do grupo e as sugestões das professoras operaram efetivamente para intermediar a consolidação do grupo.

A fase do envelope grupal

O momento ideológico para os grupos de futuros professores surgiu quando os projetos de estágio foram discutidos e avaliados; todos os futuros professores participaram dessa etapa do processo, apresentaram as dificuldades encontradas durante a experiência de ensino e também assumiram suas responsabilidades e suas falhas. Além disso, durante esta fase, foi possível comparar as atividades dos diversos grupos e melhorar sua programação. Os grupos mais bem sucedidos foram capazes de aproveitar as diferentes áreas do conhecimento dominado pelos seus membros, contribuindo assim para melhorar o conhecimento científico dos seus estudantes do ensino médio bem como aquele dos próprios licenciandos.

No caso do grupo G1 o desenvolvimento desta fase foi peculiar, em virtude da emergência de duas contribuições significativas. Por um lado, o papel decisivo da liderança de um membro (Guido), que proporcionou um bom funcionamento do grupo, incorporando também o modo de agir das professoras: ele sustentava o ideal comum de fazer bem o trabalho e reprimir a hostilidade entre seus membros. Por outro lado, o papel das professoras foi tanto de corte como de apoio ao grupo: elas introduziram implicitamente limites para o funcionamento do grupo, chamando a atenção de que para o avanço da eficácia da educação seria necessário olhar para a realidade dos alunos.

Em uma sessão de discussão em que o tema foi o controle da disciplina da escola, uma fala de Guido gerou grande debate. Ele relatou que em sua turma havia um estudante (Louis) que, além de não querer participar nas aulas tinha forte influência sobre os seus colegas para eles também não participarem. Vários futuros professores sugeriram que o aluno em questão “queria aparecer” e seria melhor desprezá-lo completamente. A professora chamou a atenção

para a reação de Louis durante as aulas: ele parecia sentir-se negligenciado. Para ela, manter Louis nesta posição não contribuiria para qualquer mudança do aluno, bem como para melhorar o ambiente escolar. Naquele momento Guido mostrou para os outros grupos a escolha feita por seu grupo: identificar o líder (da bagunça) foi o ponto de partida no sentido de tentar envolver o aluno, convidando-o para participar das atividades escolares e, especialmente, para conduzir uma delas. O “sucesso” do grupo com estas atuação foi reforçado pelos comentários da professora, que geraram a curiosidade e admiração dos colegas de outros grupos. A partir desse momento o grupo foi capaz de compreender melhor as razões psicológicas para a escolha feita intuitivamente e confirmar a qualidade da orientação, que havia governado o processo todo, desde a identificação do aluno até o desenvolvimento de um tratamento mais adequado.

O momento mitopoético

No que diz respeito à conclusão da disciplina, o grupo classe, constituído pelo conjunto de licenciandos, não atingiu a fase mitopoética, ou seja, não conseguiu se tornar articulado e cooperativo, mostrando as características de criatividade de um grupo maduro. Uma das causas para este problema foi que os vários grupos interdisciplinares estavam focados em suas experiências no estágio e, apesar do esforço das professoras, era limitado o interesse no desenvolvimento da sala de aula e na articulação da colaboração entre os vários grupos. De fato, os licenciandos conseguiram fazer algumas melhorias na estruturação de seus grupos, porém poucos conseguiram atingir a autonomia e a realização de seus projetos originais. Entretanto, o caso do G1 foi singular, pois os membros estavam satisfeitos com sua própria formação científica e atingiram o momento final de maturação, como um grupo. Durante a fase final do estágio, seus membros procuraram envolver seus alunos em diversas atividades. Eles orientaram um trabalho de pesquisa de seus alunos mediante recortes de jornal, desenvolveram um experimento sobre a fotossíntese no laboratório (raramente utilizado pelos professores na escola), promoveram uma discussão sobre diferentes formas de energia a partir da apresentação de um aparelho de Van der Graaf (que quebrou a rotina da sala de aula). Eles também realizaram uma atividade sobre a reciclagem da coleta de lixo da escola, tentando recuperar os conhecimentos adquiridos durante a visita da fábrica de lápis. Além disso, os membros do grupo começaram a dar sugestões sobre as aulas dos colegas, a fim de trabalhar mais eficientemente com seus alunos. Nos dados coletados aparece claramente que o grupo se comprometeu a identificar problemas, propor ideias e enfrentar desafios. Podemos dizer que o grupo trabalhou bem como um intermediário entre o projeto e os seus membros,

articulando os diversos sujeitos e práticas escolares: cada um tinha as suas opiniões e sugestões para a sala de aula, sem medo das diferenças.

Uma reforma compatível com as possibilidades dos