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Uma reforma compatível com as possibilidades dos professores (Caso 2)

Um caso interessante, ocorrido numa escola de ensino básico na cidade de Uberlândia, nós fornece indícios sobre a peculiaridade do desenvolvimento e adaptação a uma mudança curricular por parte dos professores e autoridade de uma escola. O projeto foi desenvolvido ao longo de quase três anos, contando com a assessoria em loco de uma pesquisadora da Universidade (Barcelos; Villani, 2006). Trata-se de uma experiência de formação continuada numa escola que favoreceu o desenvolvimento de uma mudança curricular mediante a adoção de uma metodologia de projetos, num período no qual a Secretaria de Educação de Minas Gerais (SEE-MG) estava propondo, para o ensino básico, os ciclos e a progressão continuada, a colaboração interdisciplinar e a avaliação continuada. Durante o primeiro ano a pesquisadora idealizou e realizou a formação continuada sui generis, mediante uma assessoria sistemática, principalmente no campo do ensino das ciências, visando sustentar e melhorar as iniciativas dos professores da escola. Para tanto, ela explorou também a ajuda de alguns licenciandos, seus alunos ou ex-alunos na universidade, que colaboraram na realização de várias atividades da escola, como a visita ao Parque Ecológico, as Oficinas de Orientação Sexual ou a Feira de Ciências. Durante este período os professores da escola não manifestaram interesse em discutir a LDB (Lei de Diretrizes Básicas), PCN’s ou as propostas da SEE-MG. Consideravam estas propostas pouco adaptadas para o clima da escola, e apenas os aspectos pertinentes à nova forma de avaliação dos alunos chamaram a atenção dos professores e provocaram efeito extremamente desestabilizador na comunidade escolar pesquisada. A assessoria continuada da pesquisadora conseguiu acalmar os professores, promovendo discussões e procurando esclarecer os vários aspectos das reformas propostas. Assim, a atuação contínua e discreta da pesquisadora permitiu que ela conquistasse a confiança dos professores e fosse reconhecida como competente para ajudá-los na solução dos problemas cotidianos.

O convite originário

No início do segundo ano de assessoria, a pesquisadora convidou os professores (momento originário da estruturação do grupo) a participarem da elaboração de um projeto interdisciplinar, constituído de vários subprojetos

que conseguiam envolver quase todos os professores. A natureza e o conteúdo do tema – “Vida em sociedade” - prometia tornar-se uma ponte adequada (contrato narcísico do grupo) para enfrentar o impacto das mudanças propostas pela Secretaria. Implicitamente isso apontava para o pacto denegativo dos professores (abafar o medo de um ensino com estratégias diferentes da simples rotina disciplinar instituída). Assim, o segundo ano de assessoria da pesquisadora foi utilizado para continuar a apoiar as iniciativas da escola, inclusive com a participação de licenciandos, e a elaborar o projeto Vida em Sociedade junto com os professores. O intermediário que efetivamente sustentou o esforço dos professores foi ter encontrado um ponto de equilíbrio entre tradição e mudança, exigência inicialmente levantada principalmente pelos professores de ciências e matemática. De fato, as reuniões para a discussão do projeto, nas quais quase todos os professores participavam de forma sistemática, foram organizadas de modo a permitir uma divisão do tempo que incluía tanto o diálogo entre as disciplinas quanto o tratamento disciplinar. Na visão dos professores, a proposta não deveria constituir um abandono dos conteúdos disciplinares, mas uma busca de novas relações com a incorporação de outros elementos ao currículo, atendendo a uma preocupação dos docentes de ciências e matemática. Entretanto, a passagem do planejamento à realização encontrava a resistência de vários professores, que, apesar de apoiarem a ideia de ampliar seu repertório de aplicações, tinham medo de não cumprir com o currículo tradicional: no final do semestre o desânimo da pesquisadora era evidente e ela quase abandonou a ideia do projeto em conjunto. Um evento mudou completamente a situação da escola, abafando o medo da diretora e dos professores e tornando-se o intermediário mais eficiente para a realização do projeto: a Secretaria da Educação, ao tomar conhecimento do projeto que estava sendo elaborado na escola, elogiou fortemente a iniciativa e, sobretudo, considerou uma realização original das diretrizes curriculares por ela emanadas. Assim, no início de 2001, após quase dois anos de assessoria da pesquisadora, começaram a ser introduzidas modificações curriculares numa perspectiva interdisciplinar. Um efeito quase imediato dessa escolha foi que vários professores perceberem uma mudança na participação dos alunos nas aulas e nas discussões: assim as eventuais perdas de tempo em relação ao desenvolvimento do conteúdo curricular tradicional das disciplinas eram compensadas pelo ganho em discutir conteúdos mais próximos da vida cotidiana e pelo favorecimento de atitudes e valores ligados ao exercício da cidadania.

A fase de envelope grupal

A adesão dos professores às regras estabelecidas para dar conta do projeto, pode ser localizado na percepção e aceitação de que a dicotomia projeto — disciplina não correspondia à realidade e que, de fato, os alunos, em geral,

tinham uma aprendizagem muito limitada durante o tratamento exclusivamente disciplinar. Para alguns professores, o projeto estava ajudando os alunos a aprenderem os conteúdos disciplinares até mais do que anteriormente, pois o envolvimento e a satisfação de todos, alunos e professores, parecia mais evidente do que anteriormente, como no caso, por exemplo, da utilização da estatística na análise de acidentes de carro e no estabelecimento dos períodos de maior probabilidade. Um ponto importante a ser salientado é que a estrutura do projeto, ou seja, a escolha de um equilíbrio entre o tradicional e a inovação, parece ter permitido por em jogo o saber pessoal dos professores e ter auxiliado sua lenta modificação. Um intermediário fundamental foi a atuação da pesquisadora como assessora, por ter percebido como essencial e ter sustentado sistematicamente a exploração dos saberes dos professores. Assim, aos poucos, o projeto foi reconhecido e sustentado também internamente na instituição escolar, porque conseguia atingir o desejo implícito da maioria dos professores de aderir às Reformas Educacionais, sem abandonar suas competências e seus saberes. Em razão disso, tornou-se uma reforma de acordo com as possibilidades dos professores. O projeto era reconhecido pela SEE-MG como inovador, enquanto os professores estavam sentindo-se à frente da demanda externa e reivindicando espaço para lideranças locais. Essa mudança foi bastante significativa, pois no início da experiência a Secretaria Regional de Ensino exercia apenas um papel perturbador da prática dos professores, ao passo que, quando as perspectivas dos professores se acoplaram à demanda da SRE, o efeito foi reforçador e contribuiu fortemente para a criação de um clima final positivo.

A fase final

Um ponto interessante a ser refletido foi o impacto causado pela saída da pesquisadora, e, sucessivamente, de duas lideranças entre os professores. Terminado o projeto, no final do primeiro semestre, a pesquisadora teve que assumir um compromisso em outras escolas e conseguiu acompanhar somente de forma indireta as novas iniciativas dos professores que reestruturaram seus projetos até o final do ano. Na perspectiva de aprender na ação, a escola propôs um novo projeto institucional, “Viajando pelos continentes”, no qual deveriam ser explorados os valores, costumes e crenças das sociedades. Um evento peculiar do período (o atentado de 11 de setembro nos Estados Unidos) reforçou a participação nas atividades escolares, que conseguiram acoplar o interesse e a comoção geral do período com a reflexão sobre o exercício da cidadania universal e o respeito das peculiaridades culturais dos vários povos.

Entretanto, quando duas lideranças entre os professores assumiram a docência em outros lugares, no início do ano seguinte, o efeito foi desestruturador.

De fato, em pouco mais de um ano o grupo dos professores perdeu sua capacidade de iniciativas criativas e não conseguiu elaborar intermediários que sustentassem a promoção de novos projetos coletivos interdisciplinares, compatíveis tanto com a manutenção das mudanças curriculares e do espaço de ação coletiva quanto com o retorno às práticas disciplinares anteriores.

Um grupo de professores comprometido com as mudanças