• Nenhum resultado encontrado

Considerando que a terminologia exposta na literatura pertinente à área em pauta é tão diversa quanto carente de consenso, convém estabelecer um referencial terminológico. Adotarei as definições utilizadas na Universidade Estadual da Virgínia, no contexto do projeto norte-americano para o ensino de ciências na escola secundária, Science, Technology, Engineering, and Mathematics (STEM), conforme relato de Figliano (2007).

· Currículo Integrado - Uma sequência educacional organizada transversalmente ao conjunto das disciplinas, de modo a ensinar a transferência do conhecimento para o mundo real.

· Instrução Integrada - Seleção e uso de estratégias instrucionais para intencionalmente transferir conhecimento de uma disciplina para outra.

· Instrução Multidisciplinar - Uso de um tópico ou tema comum para organizar lições ou unidades incorporando duas ou mais áreas de conhecimento.

· Instrução Interdisciplinar - Utilização de metodologia e linguagem de mais de uma disciplina para conectar conteúdos pertencentes a diferentes áreas de conhecimento.

No âmbito desse referencial terminológico, os exemplos apresentados na literatura nacional indicam que é a instrução multidisciplinar a mais frequentemente utilizada, embora alguns autores mencionem suas práticas como interdisciplinar. De fato, tendo em conta as definições acima, há circunstâncias em que a instrução multidisciplinar pode ser facilmente confundida com a interdisciplinar. O uso dos eixos temáticos energia e matéria é um exemplo típico. Ambos os conceitos podem ser tratados na biologia, na física e na química, por intermédio de um esquema instrucional multidisciplinar. Ao mesmo tempo, a abordagem desses temas enquadra-se no esquema interdisciplinar, na medida em que a metodologia e a linguagem das ciências mencionadas são utilizadas para tratá-los.

Em linhas gerais, é possível enquadrar a instrução contextualizada no esquema multidisciplinar, no qual partes do contexto são abordados por disciplinas pertinentes. Por outro lado, a instrução baseada na aprendizagem significativa, na qual a ideia de conceitos subsunçores desempenha papel relevante, parece ser mais facilitada se for concebida no esquema interdisciplinar. Em trabalho recente, Santos e Infante-Malachias (2008) também comentam a falta de esclarecimento nos documentos do MEC, do que seja uma abordagem interdisciplinar, ao mesmo tempo em que mencionam várias fontes para mostrar posições conceituais divergentes na literatura.

Dúvidas conceituais e nomenclaturas imprecisas em torno do tema são frequentes tanto na literatura nacional, quanto na estrangeira. Por exemplo, Barton e Smith (2000) entendem que a melhor forma de implementação de uma instrução interdisciplinar é por intermédio de unidades temáticas. Por outro lado, ao discutir relatos de fracassos do uso desse tipo de instrução, eles argumentam que em muitos casos, em vez de um tema unificador, os professores usam apenas motivos instrucionais, que em nada contribuem para uma aprendizagem significativa.

Se a comunidade brasileira assemelha-se à estrangeira quanto às dúvidas conceituais, ela difere bastante quanto ao encaminhamento dado à pesquisa nessa área.

De tempos em tempos, educadores e cientistas preocupam-se com a situação do ensino de ciências nas escolas primárias e secundárias. A literatura registra vários movimentos internacionais, sendo aqueles surgidos nos anos 1950 e 1960 os de maior impacto. Os professores de ciência, pelo menos aqueles formados nos anos 1970 e 1980, conhecem bem o PSSC (Physical Science Study

Committee), o BSCS (Biological Science Curriculum Study), o Harvard Project e o Nuffield Science Teaching Project. A partir dos anos 1980, começa a surgir o

movimento que hoje é conhecido genericamente como ciência, tecnologia e sociedade, e que deu origem a vários projetos com denominações específicas. A literatura é extensa, e não cabe aqui uma revisão exaustiva. Mencionaremos aqueles que consideramos os mais relevantes.

Digno de nota é a participação nesse debate do Prêmio Nobel de Física, Leon Lederman. Em colaboração com Marjorie Bardeen ele escreveu um artigo na Science, defendendo proposta da American Association for the Advancement of

Science e do National Science Education Standards, segundo a qual todo estudante

deve adquirir razoável alfabetização científica, matemática e tecnológica (Bardeen; Lederman, 1998), por intermédio de uma instrução interdisciplinar. Pesquisadores na Virginia Polytechnic Institute and State Univesity cunharam a expressão Science, Technology, Engineering and Mathematics (STEM) e criaram, em 2006, o primeiro curso de pós-graduação norte-americano dedicado à educação STEM integrada. Em sua dissertação de mestrado, defendida em 2007, Figliano apresenta algumas estratégias para a integração de conteúdos no âmbito do STEM. Trata-se de um estudo exploratório, no qual o autor determina uma série de estratégias a partir da análise de procedimentos adotados por professores exemplares. O estudo apresenta os procedimentos organizacionais e não faz qualquer referência aos conteúdos tratados.

Um exemplo instrutivo é o projeto Science Teacher Training in an Information

Society (STTIS), financiado pela Comissão Européia, no âmbito do Targeted Socio- economic Research (TSER). Cinco universidades (Denis-Diderot, Paris VII, Federico

II da Napoli, Oslo, Autònoma de Barcelona, Sussex) participam do projeto, cujos principais objetivos têm a ver com o desenvolvimento e utilização de material instrucional inovador, com ampla participação de professores de escolas secundárias (Boohan, Stylianidou et al.; Stylianidou e Ogborn; Stylianidou e Ogborn; Bliss e Ogborn, 1985; Ogborn, 1990; Nicholls e Ogborn, 1993; Stylianidou e Boohan, 1997; 1998; Pintó e Gómez, 1999; Stylianidou e Ogborn, 1999; Boohan, Stylianidou et al., 2000; Pinto, Couso et al., 2005). A título de ilustração destaco o relatório da Universidade de Sussex (Stylianidou; Boohan, 1999). O objetivo da equipe era investigar duas inovações curriculares do ensino secundário, ambas concernentes com o ensino sobre energia. Uma dessas inovações era a recomendação nacional para a introdução do conceito

da transferência de energia em vez de transformação de energia. A outra inovação era um experimento de pequena escala para a produção de material instrucional sobre energia e mudança.

As conclusões do relatório servem de alerta para quem pretende introduzir inovações curriculares em grande escala. É necessário ter em conta o nível de comprometimento e entendimento das propostas pedagógicas por parte de quem vai implementá-las. É grande a possibilidade de que uma inovação não passe de uma maquiagem do modelo antigo quando os responsáveis pela aplicação não a entendem ou não estão comprometidos com ela.

No que se refere à literatura brasileira, do ponto de vista conceitual, cabe destaque ao trabalho de Angotti (1993), pela densidade de propostas apresentadas com vinculação direta ao fazer pedagógico, e ao recente trabalho de Santos e Infante-Malachias (2008) pela referência a uma proposta inovadora de formação de professores.