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2– REFERENCIAL TEÓRICO

3- ABORDAGEM METODOLÓGICA

3.1 DECISÕES FILOSÓFICAS

Pressuposto ontológico - O pressuposto ontológico subjacente à pesquisa é que a realidade social é dinâmica e intersubjetiva, como acontece nas relações que emanam entre Cidadãos, Governo Eletrônico na Segurança Pública e as Cidades digitais, que ainda que objetivamente as formas de relações sejam determinadas pelo agente (governo e cidades), para a efetiva participação do cidadão neste processo, entra em cena a subjetividade.

Esta linha de pensamento insere-se no interpretativismo e, respalda-se na ideia de que a realidade social é fruto das experiências e vivências humanas, mediante interação, de onde o conhecimento é socialmente construído.

Para Szmigin e Foxal (2000), diferentes percepções resultam em diferentes realidades, ou seja, os seres sociais determinam o meio no qual os mesmos estão inseridos, sendo o conhecimento de mundo intencionalmente construído por meio das experiências vividas pelas pessoas.

Mesmo que objetivamente seja fornecido todo o aparato tecnológico das cidades digitais e os sistemas e processos de governo eletrônico, a cidadania só será ampliada por meio digital caso as experiências das pessoas na localidade levem a essa utilização, bem como as instituições permitam que essa participação digital influencie nas suas práticas e na elaboração e aplicação das políticas públicas.

Paradigma adotado - A motivação dos pesquisadores para diversificarem posturas epistemológicas no estudo de sistemas e tecnologias da informação explica-se porque o estudo de TIC é muito mais que o desenvolvimento e a análise de sistemas e componentes informatizados. A Tecnologia da Informação e as aplicações de Governo Eletrônico não se restringem a um conjunto de artefatos tecnológicos, mas provocam impactos na vida, em organizações e na própria sociedade.

É fato que as TIC passaram a ser objeto de estudo interdisciplinar, envolvendo áreas de conhecimento como a ciência da informação, a tecnologia da informação, economia, sociologia, matemática, linguística e semiótica, entre outras, que possuem tradições de pesquisa diferenciadas.

A utilização de uma abordagem objetiva como o funcionalismo é importante para que se estude o sistema, seus elementos, sua atuação, sua regulação, mas para Walsham (1995), a abordagem subjetiva como o interpretativismo é importante para auxiliar na compreensão do complexo contexto que envolve a implementação de tecnologias da informação e comunicação, envolvendo políticas, gestores, profissionais da segurança pública, usuários, profissionais de tecnologia e outros aspectos que ultrapassam a dimensão estritamente técnica das TIC.

Tal fato coloca os estudos sobre tecnologia da informação e comunicação em posição similar aos estudos de outras áreas em teoria das organizações, também caracterizadas pela pluralidade de paradigmas epistemológicos. Uma coisa é certa: os paradigmas positivistas e interpretativistas se encontram em polos opostos. Entretanto, Mingers (2001), advoga a necessidade de rompimento com essa polarização ou esse divórcio de paradigmas epistemológicos nos estudos de sistemas e tecnologia da informação. A esse respeito, Walsham (1995) afirma que, embora haja diferenças epistemológicas e ontológicas entre as duas abordagens, há muitos pontos de concordância entre diversos estudos ou estudos complementares que utilizam as duas tradições científicas.

Szmigin e Foxal (2000), apontam que as duas abordagens apresentam visões diferentes no que concerne à compreensão dos seres sociais e de seus respectivos mundos, contudo tentam visualizar uma possível integração entre os dois extremos

dessas visões, pregando uma análise dialética que, em última instância, pode levar à integração das duas correntes.

Tal proposição é compartilhada tanto por Ryan e Belk apud Szmigin e Foxal (2000), os quais expressam que essa união pode gerar uma maior compreensão dos fenômenos estudados, o que levaria as pesquisas a apresentarem melhores resultados.

Dessa forma, embora a abordagem metodológica funcionalista seja a mais adotada nesse tipo de pesquisa que envolvem as TIC, a pesquisa dessa tese de doutorado se apoiou numa perspectiva mais flexível, através de um protocolo de entrevistas semi- estruturadas para tratar de questões que extrapolam a tecnologia, já que, segundo Orlikowski e Baroud (1991), a adoção de abordagens positivistas restringe desnecessariamente o estudo desses fenômenos e de suas implicações no contexto social, político ou organizacional.

Ciborra (2002), argumenta, que as metodologias muito estruturadas podem ser incapazes de capturar detalhes da vida cotidiana dos atores, já que “o crescente uso, variedade e abrangência das TIC, como o Governo Eletrônico, requerem novas abordagens metodológicas que extrapolam os métodos quantitativos e positivistas”. (BARBOSA, 2008, p. 111)

O fenômeno estudado nessa pesquisa extrapola sua natureza tecnológica, já que envolve questões de natureza política e social e, seus impactos podem ser percebidos através de movimentos de construção social. Dessa forma a adoção de uma perspectiva positivista, funcionalista, dificultaria a execução dessa pesquisa.

“A abordagem interpretativista parte do pressuposto de que a realidade é socialmente construída, o que facilita a compreensão do ponto de vista do cidadão em seus diversos contextos: econômico, cultural e social.” (BARBOSA, 2008, p. 112)

Para Stake (2005), a análise do alcance social do uso das tecnologias dos processos de e-gov enriquece-se com a utilização de abordagem qualitativa e interpretativista, já que as regras da pesquisa qualitativa não pressupõem experimento perfeito e nem coletas de todos os dados existentes, para que se façam inferências sociais científicas e relevantes .

Utilizando o paradigma interpretativista, buscou-se apreender, com maior precisão, a complexidade do fenômeno do Governo Eletrônico na segurança pública das cidades digitais, correlacionais no contexto da construção da cidadania digital no Brasil.

Pressuposto epistemológico – Devido ao tema e sua abrangência, observa-se que o pressuposto epistemológico situa-se numa zona de transição entre as linhas de pensamento funcionalista (reflete uma posição objetiva e visão de regulação social entendendo a análise social como geradora de conhecimento empírico) e interpretativista (reflete uma posição subjetiva, entendendo que o homem constrói e mantém sua realidade social e organizacional a partir de suas vivências e perspectivas, e o conhecimento de mundo é constituído através da experiência de vida de cada indivíduo).

Sem dúvida, é evidente que nada existe na vida social que não esteja nas consciências individuais; mas, quase tudo que se encontra nestas últimas vem da sociedade. A maior parte de nossos estados de consciência não seriam produzidos pelos indivíduos isolados, mas seriam produzidos pelos indivíduos agrupados de outra maneira. Eles derivam, portanto, não da natureza psicológica do homem em geral, mas da maneira segundo a qual os homens, uma vez associados, interagem mutuamente, dependendo de serem mais ou menos numerosos, de estarem mais ou menos próximos. Sendo produtos da vida em grupo, somente a natureza do grupo pode explicá-los. (DURKHEIN, 1960, p. 32)

Na análise funcional, a sociedade é analisada em termos de seus próprios mecanismos como sistema, e muitas vezes se apresentam obscuros ou opacos àqueles que atuam dentro do sistema. Procura analisar as situações em termos de estruturas, processos e funções, e compreender as relações existentes entre esses componentes.

Para Kast e Rosenzweig (1987), cada elemento de uma cultura ou instituição social tem uma função a desempenhar no sistema mais amplo. O funcionalismo enfatiza essencialmente sistemas de relacionamento e a unificação das partes e dos subsistemas em uma totalidade funcional, na qual cada elemento tem uma função a desempenhar no sistema mais amplo. Ou seja, ao analisar qualquer elemento de um sistema social, procura saber de que maneira este elemento se relaciona com os outros elementos do mesmo sistema social e com o sistema social como um todo, para daí tirar as consequências que interferem no sistema.

No entanto, Vergara e Caldas (2007), argumentam que, o ponto central da crítica do interpretativismo em relação ao funcionalismo é o objetivismo exagerado que em alguns momentos torna o funcionalismo limitante. Para os funcionalistas as organizações são objetos tangíveis, concretos e objetivos, já para os interpretativistas, as

organizações são processos que ocorrem a partir das interações entre as pessoas para interpretar ou dar sentido às coisas, ou seja, é uma construção subjetiva.

No paradigma interpretativista o objetivo, segundo Bispo (2010), é a descrição da estruturação do sistema de significados e os processos de organização dos indivíduos, sendo a ideia de realidade não entendida a priori, mas a posteriori, ou seja, a realidade não existe por si só, ela é construída por meio dos processos de interação entre os indivíduos.

Weber, R. (2004), destaca ainda que, para o intepretativismo, o conhecimento do mundo é intencionalmente constituído por meio da experiência vivida por cada pessoa.

Desta forma, pode-se depreender que, sob a visão de um pesquisador interpretativista, o fenômeno a ser estudado é resultado da colocação de significados que o pesquisador impõe ao fenômeno, moldado pela maneira como ambas as partes se interagem, ambos influenciados pelas estruturas macro; além disso, deve-se considerar que interpretação ainda deve variar de acordo com o lugar onde o pesquisador e o fenômeno estão inseridos e em qual período de tempo ele está sendo analisado. (SANTANA E SOBRINHO, 2007, p. 2-3)

Observa-se, portanto, que existem fraquezas inerentes à escolha individualizada das citadas abordagens, já que, no funcionalismo, ainda que os estudos analisem as situações em termos de estruturas, processos e funções, procurando compreender objetivamente as relações existentes entre esses componentes, trata o tema de maneira objetiva deixando de lado exatamente o que o interpretativismo apregoa que é a construção por meio dos processos de interação entre os indivíduos, podendo ser alterada e modificada a depender das circunstâncias e da vontade de cada indivíduo.

Segundo Santana e Sobrinho, Ozanne e Hudson (1989) apontam que as duas abordagens apresentam visões diferentes no concernente à compreensão dos seres sociais e de seus respectivos mundos. Contudo, os autores tentam visualizar uma possível integração entre os dois extremos dessas visões, pregando uma análise dialética que, em última instância, pode levar à integração das duas correntes.

Tal proposição é compartilhada tanto por Ryan (1986 apud SZMIGIN; FOXAL, 2000), quanto por Belk (1986 apud SZMIGIN; FOXAL, 2000), os quais expressam que essa união pode gerar uma maior compreensão dos fenômenos estudados, o que levaria as pesquisas a apresentarem melhores resultados. Devido a tais proposições de unificação epistemológica, é interessante notar que Weber, R. (2004) já considera que algumas características relativas a esse pressuposto são compartilhadas pelas duas abordagens de pesquisa, especialmente o fato de que ambas aceitam que os artefatos por elas construídos para compreender o mundo (teorias, estruturas construtos etc.) são socialmente construídos. (SANTANA E SOBRINHO, 2007, p. 4)

Esse estudo concentra-se, simultaneamente, sobre os fatos (objetivos) das relações entre as Cidades Digitais e a utilização do Governo Eletrônico na Segurança Pública pelos cidadãos, relações que são estabelecidas objetivamente por características técnicas e de processos definidos e determinados. E, concentra-se também sobre os significados (subjetivos) de como ocorre esta relação na construção da cidadania digital, relação que depende fundamentalmente das ações e interações dos indivíduos.

Ainda que utilizar uma visão multiparadigmática entre funcionalismo e interpretativismo fosse o ideal para promover uma visão global do estudo, em função do amplo espectro e da amplitude da pesquisa que envolve diversos atores, esse estudo foi desenvolvido a partir do pressuposto interpretativista, que poderá ser associado a pesquisas funcionalistas no futuro visando complementar e ampliar essa pesquisa.

De acordo com Gephart (2004) as pesquisas que envolvem a relação entre atores sociais, em que o processo de construção do significado dessas relações sejam relevantes para a compreensão desse fenômeno, de forma a possibilitar a compreensão real desses significados e conceitos utilizados por esses atores sociais, caso dessa pesquisa, devem utilizar a abordagem interpretativista.

A partir da compreensão do processo de interação entre os cidadãos e o Governo através dos processos de Governo Eletrônico na Segurança Pública, buscou-se entender quais são os canais utilizados por esses cidadãos, sua importância e grau de utilização, bem como canais adicionais que devem ser disponibilizados e os atributos de operabilidade necessários para que de fato haja efetiva pratica de participação e cidadania digital.

Orlikowski e Baroud (1991), esclarecem que nos estudos interpretativistas a intenção do pesquisador é ampliar seu entendimento sobre o fenômeno em situações contextuais, em seu local de ocorrência e a partir da ótica dos atores sociais, sem a interferência do pesquisador, apenas atuando como aquele que interpreta os fenômenos a partir da interpretação dos atores envolvidos.

Esse estudo, portanto, considerando que o objeto dessa pesquisa é construído pelos atores sociais envolvidos, utilizou o paradigma e pressuposto interpretativista. Procura apreender os detalhes elementares sem perder de vista o todo, na busca por compreender o fenômeno e desenvolver ideias a partir dos dados, considerando as teorias pré-existentes.