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Embora nada do que é feito pelos mortais possa ser imortal, os homens, se usassem a razão como pretendem, poderiam, pelo menos, fazer que seus Estados fossem assegurados, definitivamente, contra o perigo de perecer por males internos. Pela natureza de sua instituição, os Estados estão destinados a viver tanto tempo quanto o gênero humano [...]. Assim, quando são dissolvidos, não pela violência externa, mas por desordem intestina, a falta não está nos homens, como matéria, mas nos homens enquanto modeladores e organizadores do Estado. Quando os homens se aborrecem com as mútuas irregularidades, desejam, de todo o coração, se aproximar e permanecer dentro de um edifício sólido e duradouro, tanto pela necessidade da arte de fazer leis adequadas que venham a nortear sua ações, quanto por sua humildade e paciência para suportar a supressão dos rudes e ásperos aspectos de sua presente grandeza; mas não conseguem, sem a ajuda de um arquiteto muito hábil, se reunir, a não ser um edifício defeituoso, que, pesando consideravelmente em sua própria época, cairá, sem que nada possa ser feito, sobre as cabeças de sua posteridade. (Hobbes, 2009, p.225)

A evolução das TIC, especialmente da infraestrutura da Internet, propiciou o delineamento de novos modelos de relação estado – sociedade, pressupondo, segundo Medeiros e Guimarães (2004) a possibilidade de uma administração pública mais eficiente, transparente e democrática. Muitos pesquisadores, como Castels (2002), Levy (1999) e Gimmler (2001) entenderam a Internet como uma ferramenta que possibilitaria o reordenamento da lógica do estado possibilitando maior participação do cidadão.

Nesse contexto, surgiram elementos constituintes desse processo como o Governo Eletrônico e as cidades digitais com movimentos planejados na direção vertical, governo – cidadão, envolvendo o planejamento da oferta de serviços públicos, bem como a comunicação governo-cidadão, mas que se apresenta influenciada pela cobrança de participação popular, principalmente através da emergência das redes sociais num movimento vertical de influência ascendente. A inter-relação desses elementos é fundamental na construção da democracia digital através do conceito de Cidadania Digital.

A cidadania digital começa a ser delineada com o advento do Governo Eletrônico (e-governo) que corresponde à designação dada correntemente às atualizações do processo de disponibilização dos serviços do governo e do processo de comunicação e de interação política entre o governo e a cidadania, realizadas com o apoio da informática e das telecomunicações.

Para a ampliação da utilização do Governo Eletrônico e prática da governança eletrônica, foram criados os projetos de cidades digitais, fruto da interseção entre as

redes digitais de comunicação e a estrutura da cidade contemporânea, mas que não pode ser pensada apenas como uma representação virtual de um tecido urbano, mas através das relações criadas entre este tecido urbano e as redes de comunicação e informação. (CASTELLS, 1992, 2002; FIRMINO, 2005; LEMOS, 2004)

A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar – graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva oferecidas pelo ciberespaço - a expressão e a elaboração de problemas da cidade pelos próprios cidadãos, a auto- organização das comunidades locais, a participação nas deliberações por parte dos grupos diretamente afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas e sua avaliação pelo cidadão (Levy, 1999).

Dada a importância da implementação bem sucedida de serviços de Governo Eletrônico e de uma perspectiva prática, Pinho (2008), considera que o Governo e outros órgãos responsáveis devem tomar uma posição positiva e atuante em relação a fatores que influenciam a aceitação do sistema.

Cuidados precisam ser tomados para incentivar o uso, bem como a análise de fatores-chave, como as cidades digitais e as redes e mídias sociais, que precisam ser examinados no contexto mais amplo para avaliar a sua significância no sentido de proporcionar uma adoção melhor e mais eficaz dos sistemas eletrônicos de informação do governo, à luz das várias implicações: sociais, econômicas e políticas, potencialmente importantes.

O que muitas vezes se percebe é uma atividade desproporcional onde o Estado aparece utilizando muita tecnologia e pouca democracia, principalmente nos processos de segurança pública, o que compromete a vivência da cidadania digital.

Para Miranda e Cunha (2014), o grande diferencial de uma cidade democrática na sociedade da informação e do conhecimento vai além de usufruir de bons serviços e de contar com uma administração ágil. Os cidadãos têm a oportunidade de participar da administração da cidade, da determinação da agenda de políticas públicas, da sua construção e implementação e do monitoramento.

“Não há dúvida em afirmar que esse tipo de e-Gov vem tendo sucesso ao aumentar o portfólio de informações disponibilizadas por governos e ao crescer o número de usuários demandantes de informações. Porém, o e-Gov pode implicar em maior interação e diálogo [...],” (PINHO e RAUPP, 2014 p.104),

o que nem sempre acontece pela falta de planejamento adequado e principalmente vontade política.

Esse trabalho se justifica teoricamente, por tratar de temas emergentes e pouco estudados, ao refletir sobre o arcabouço tecnológico das cidades digitais, o contexto de Governo Eletrônico praticado nas atividades de segurança pública a partir deste arcabouço e as relações existentes nesse contexto com a participação digital cidadã (e- participação), inclusive através das redes e mídias sociais, sob a perspectiva do usuário cidadão, na busca pela cidadania numa democracia digital, que pode afetar o desenvolvimento dessas cidades.

O interesse específico nesse recorte de pesquisa, integrado aos objetivos do NIDES - Núcleo de Pesquisa em Internet, Democracia, Estado e Sociedade da Universidade Federal da Bahia, justifica-se, portanto, pela lacuna de conhecimento estruturado no assunto.

No Brasil a questão da cidadania digital, principalmente relacionada ao acesso através de mídias sociais, encontra-se em fase embrionária de discussão, diferente do Governo Eletrônico que tem se desenvolvido de forma significativa, ainda que mais restrito ao fornecimento de poucas informações e prestação de alguns serviços e ainda mais no contexto da segurança pública, aspecto tão importante e necessário à sociedade. Mesmo envolvendo diferentes áreas de pesquisa, como: Ciência Política, Sociologia, Comunicação Social, Administração Pública, Ciência da Informação, Ciência da Computação, Filosofia, Geografia, entre outros, os estudos desse campo ainda aparentam estar pouco desenvolvidos: ainda são poucos pesquisadores e grupos de pesquisa brasileiros estudando diretamente esses assuntos.

O trabalho busca contribuir na ampliação de conhecimento sobre o tema de forma a possibilitar o surgimento de um modelo de Governo Eletrônico, tal como concebe Ghosh e Arora (2005), baseado em operações no espaço virtual que lide com economia digital e sociedades relacionadas com o conhecimento, de forma a revitalizar as relações entre Estado e Sociedade nos aspectos principalmente ligados às atividades da segurança pública.