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2. Memoria político-instructiva, enviada desde Filadelfia en agosto de 1821, a los jefes

2.1 Mier em defesa da república mexicana

Compreendendo a MPI como documento imprescindível para a análise do ideário de frei Servando, é preciso considerar o debate da historiografia contemporânea sobre a existência ou não de uma radical transição no pensamento do dominicano de defensor da monarquia inglesa a ativo republicano, inspirado pela estada em terras norte-americanas. Partidário da idéia de modificação inconteste no ideário do frei, O’Gorman acredita que Mier manifestava nessa obra um otimismo exacerbado de que a república fosse panacéia contra todos os males e garantia de um futuro próspero. Frei Servando parecia ter esquecido a advertência feita na HRNE quanto ao vácuo cultural entre Estados Unidos e México e se lançava em defesa da adoção de um sistema bastante alheio aos hispano-americanos214.

Do ponto de vista de Brading, o dominicano jamais teria mencionado claramente a adoção de uma monarquia em seus escritos anteriores, mas sim que era tendente à formação de um governo unitário forte215. Em realidade, Frei Servando insiste no estabelecimento de um órgão político

representativo e centralizado para se evitar males gerados pela disputa de poder e se alcançar o reconhecimento da independência. É preciso, contudo, reconhecer uma manifesta indisposição de Mier no que se referia a adoção das monarquias constitucionais por governantes de origem espanhola, que na opinião de Rafael Diego Fernandez, representava uma combinação realmente intolerável para sua sensibilidade política216.

214 O’GORMAN, Edmundo. “Estudo Preliminar”. In: TERESA DE MIER, Servando. Ideário politico - Fray Servando

Teresa de Mier. v.XLVIII. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1978.p.193.

215 BRADING, David. Orbe indiano – de la monarquía católica a la república criolla, 1492-1867. México: Fóndo de

Cultura Económica, 1991. p.642.

216DIEGO FERNANDEZ, Rafael. Artigo: Influencias y evolución del pensamiento político de Fray Servando Teresa

Para Frei Servando não haveria imbecilidade maior do que se proclamar o mesmo regime que havia oprimido a Nova Espanha ao longo de trezentos anos. Mier se estabelece como guia moral. Num momento em que já não funcionava o antigo modelo político adotado não apenas nas ex-colônias hispano-americanas como em parte da Europa, não era tarefa fácil escolher um novo regime diante de tantas teorias que emergiam no cenário em questão. No entender de Fernandez, por não poder mais sustentar a idéia de Constituição histórica mexicana herdada da obra política de Las Casas, Mier encontra a saída para suas proposições na escola teórica tradicional-liberal utilizando-se dos matizes necessários para “novo-hispanizar” a tese217.

O modelo político inglês era meta quase inacessível, embora almejado por suas liberdades, equilíbrio de poderes e estabilidade, mas cuja forte presença de absolutismo se apresentava aos revolucionários como elemento indesejável, que se precisava ultrapassar. Se a Revolução Francesa era a única que poderia oferecer um modelo real de Estado moderno, sendo suas instituições e ideologia seguidas de perto, os excessos das revoltas populares, permeadas de violência e tumulto, não eram elementos que encorajavam a aceitação aberta como modelo. Portanto, o único molde tolerável era o proposto pelos Estados Unidos, tendo em vista a prosperidade vivida por eles.

Seria uma compreensão demasiado simplista entender a adoção da idéia republicanista em Mier como conversão operada na Filadélfia. É preciso admitir, contudo, que os anos nefastos vividos sob a perseguição das autoridades reais e o encontro com doutrinas e pensadores liberais, guiados pelas ondas reformistas trazidas com o surgimento de novos corpi de idéias, provocariam na mente servandina adaptações e correções de tais modelos no que concernia à realidade mexicana. Embora seja evidente que, ao longo das leituras da HRNE, Mier se mostre encantado com as instituições políticas de tipo inglês, a disputa de grupos pelo poder da nação e o conhecimento que possuía da natureza política de sua terra natal surgiam como sinais de alerta para que se evitasse o aparecimento do regime monárquico. O Plan de Iguala representou um divisor de águas no pensamento do sacerdote que se decidiu abertamente em favor da República, pois o desejo de autonomia completa da política espanhola contribuíram em larga escala para sua postura oposicionista no império de Iturbide. Talvez o frei não tenha percebido a possibilidade de, no sistema republicano, suas preocupações poderem ressurgir disfarçadas sob novas formas.

Como recurso da oratória, o dominicano se utiliza do estilo panfletário para estabelecer que as instituições de caráter monárquico eram a origem de todo mal vivenciado pelas nações hispano- americanas, responsáveis por gerar a corrupção, os vícios e as mazelas nas sociedades que conduziam. Contudo, ainda que cite os escândalos eclodidos nos países europeus que adotaram a monarquia, pode-se perceber que frei Servando faz questão de pôr em relevo sua própria origem dinástica, sua nobreza secular manifestada em seu caráter altivo e por suas ações que denotavam

honra e bravura. Paradoxos de um pensador que, ao ressaltar aquilo que entendia por valores americanos, indiretamente defendia os inimigos que buscava desbancar.

A preocupação centrada no poder de atuação da monarquia inglesa sobre a criação dos estados nacionais americanos revela o entendimento de frei Servando quanto a certos aspectos da política brasileira. Como se viu no segundo capítulo, sua convivência com Hypólito José da Costa alertou-o para a preocupação com a casa dos Bragança, que entendia ser mero títere nas mãos dos astutos políticos ingleses, que se utilizavam do império brasileiro para tomar as terras da região do Prata, almejando o controle da região em nome da Santa Aliança.

O dominicano retoma a idéia de união americana, já expressa na SCUAE, e põe em destaque suas esperanças do surgimento das três grandes repúblicas ou de uma única república com três grandes federações no continente americano. É importante perceber que mesmo vivendo um período de maiores angústias intelectuais sobre o futuro de seu país diante dos ajustes políticos por este vividos, frei Servando permanecia atento ao universo político da América e pensava em termos continentais, expressando, sempre que era possível, o sonho de uma Hispano-América una e forte, impondo-se como potência no cenário político de então.

Para tanto, o sacerdote é teatral, apela para a emoção dos compatriotas mexicanos e expressa-se por meio da escrita como se estivesse diante de uma atenta e vasta platéia, sempre pronta para ouvir o que tinha a dizer a Voz de Prata. Sua defesa do plano de Iturbide, diante da suposta crítica dos norte-americanos, não é bastante convincente. Ainda que dê vivas a Iturbide ao final de sua memória, é perceptível sua acerba reprimenda aos projetos lançados pelo ex-coronel realista, exigindo do mesmo que seu governo surja como período de redenção em razão das perseguições feitas aos insurgentes. A insistência de Mier em que Iturbide redima-se de seus antigos crimes justifica-se na mente do dominicano por se tratar de um período histórico singular da grandeza mexicana a qual o novo governante deveria ser digno para poder figurar na sagrada constelação dos libertadores da América.

Um elemento que atrai a atenção de qualquer leitor da MPI é o fato de que não apenas a prosa de Thomas Paine é apropriada com liberdade por Mier, como também a Bíblia surge como substância apta a adaptar-se a qualquer recipiente intelectual proposto pela inventiva mente servandina. Dessa vez, ao invés de justificarem a origem divina dos reis, os textos bíblicos evidenciam que a escolha de um monarca surgia não como dádiva, mas sim como castigo divino. Frei Servando ousa contrapor-se a preceitos milenares, presentes no direito canônico e nas doutrinas barrocas que sustentaram as monarquias católicas ao longo de eras, para manifestar um entendimento particular que pudesse justificar aquilo que considerava a verdadeira razão do poder monárquico.

Cabe ressaltar que, como religioso e pedagogo do processo de independência, o dominicano talvez agisse no intuito de atemorizar os fervorosos compatriotas e, com isso, convencer com as armas da fé a que seguissem o que ele entendia por caminho dos verdes pastos e das águas tranqüilas em matéria de política. A república seria a forma de governo desejada por Deus e de acordo com a natureza da América. República por direito divino e direito natural – por isso o México vivia o tão esperado momento de se afirmar como país mais opulento do mundo e dono de glórias sem medidas.

Nesse sentido, Mier se caracteriza por ser um escritor típico do século das luzes, ao colocar a razão no centro do exercício literário. A razão ordena seu caos criativo, núcleo regente dos futuros projetos da nação, estrutura sob a qual se verifica a nova organização política que tem como órgão principal a Constituição. Frei Servando fica preso ao campo da palavra, da grafia. Isso é o fator que justifica a forte subversão de seu discurso o converter em um catalizador das novas perspectivas políticas, articulando as noções clássicas do direito romano, das Escrituras, o direito espanhol e o modo discursivo da modernidade ilustrada, que surge como centro da razão ordenadora, núcleo que iria reger os futuros projetos da nação.

3. Frei Servando Teresa de Mier no primeiro e segundo Congressos Constituintes Mexicanos (1822-