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3. Frei Servando Teresa de Mier no primeiro e segundo Congressos Constituintes Mexicanos

3.4 Principais manifestações de Mier no Congresso de 1824

Ao longo do ano de 1824, frei Servando Teresa de Mier vê-se envolvido nas votações que versavam sobre o fim do comércio de escravos, ao que era abertamente a favor. Uma preocupação recorrente desses primeiros anos da independência do México seria a necessidade do parlamento em reconhecer e celebrar os heróis do período de insurgência, como por exemplo, por meio da mudança do nome da cidade de Dolores para que passasse a chamar-se Villa de Hidalgo e a concessão da cidadania mexicana a Simón Bolívar, ao lado de Washington, como herói americano. Pela manifestação parlamentar de frei Servando, Bolívar merecia tal enlevo pelo fato de ter vencido inúmeros combates em prol da causa americana e por nobremente haver recusado o mando do país que libertou, tornando-se, dessa maneira, o primeiro súdito de sua pátria. Além disso, por promover a íntima aliança entre as repúblicas da América, Bolívar mereceria ser cidadão de todas. Por isso, deveria ser declarado cidadão da República Mexicana, como honra máxima que se poderia dar a ele. Esse voto revela o esforço dos idealizadores da república em criar a memória da pátria e em estabelecer um marco inicial de uma nova história que suprimia os anos de dominação e que era

utilizada como arma política ao buscar um caminho de glórias e triunfos apto a coroar novos heróis e laurear como momento singular a trajetória vivida pelos povos hispano-americanos.

Sobre o debate do Projeto de Constituição no que se referia à tolerância religiosa, Mier tomou a palavra e defendeu a idéia de que o poder da Igreja era puramente espiritual. A Igreja por ser também uma sociedade, necessita de auxílio do Estado, pois somente ele poderia remover os obstáculos para que a religião progredisse. A nação mexicana seria Apostólica Romana, porque reconheceria a primazia do Sumo Pontífice, e essa era a vontade conhecida do povo mexicano, cujos representantes atuariam apenas no sentido de proteger a religião cristã. Frei Servando faz questão de pôr em relevo que se proibiria o exercício de outra fé que não a católica pelo simples fato de que assim o queria a nação e por isso seria necessário obedecer.

Frei Servando aprova o ditame que considerava traidor Agustín de Iturbide e se posiciona contra o pagamento das dívidas realizadas pelos últimos vice-reis e pelo ex-imperador. Na opinião do dominicano, deveriam ser pagos os débitos dos insurgentes que lutaram pela liberdade. Além disso, desde 1810 todos os vice-reis foram ilegítimos e nulos; as Cortes de Cádiz não reconheciam seus governos e por isso não tinham legitimidade para fazer dívidas. Em contrapartida, foram confiscados bens dos insurgentes e dos seus herdeiros, e por isso seria um absurdo dar pensão a Iturbide que colaborou com regalistas até elaborar o Plan de Iguala para sua glória pessoal, indo-se contra toda realidade histórica, sendo que o ex-imperador nada fez para a liberdade da pátria e nada lhe seria devido.

Na sessão de 17 de maio de 1824, frei Servando manifesta novamente sua inquietação em relação à votação direta para representantes populares. Desde que esteve na Inglaterra viu que lá votam apenas os pais de família, os homens ilustrados e aptos para perceber os principais interesses da nação. O dominicano cita o exemplo britânico, onde os melhores deputados da câmara dos comuns seriam eleitos pelos Lordes na câmara dos pares, observando-se o critério da antiguidade. Ao seu ver, as eleições diretas levariam o povo a convulsões populares da mesma forma que as massas deixar-se-iam ludibriar com facilidade, enquanto que nas eleições indiretas a possibilidade de intrigas seria menor. Nesse sentido, o sacerdote manifesta-se claramente a favor de que as eleições fossem indiretas, até que o Congresso mexicano determinasse que fossem diretas, mas seguindo-se certas regras para que somente votassem os pais de família, e não toda a massa da população.

A discussão sobre qual cidade deveria ser a capital federal mexicana, com a disputa principal entre a cidade do México e a cidade de Querétaro, foco do movimento de independência, conduzem frei Servando a uma manifestação em favor da primeira, revelando seu potencial produtivo e suas raízes históricas. Esse documento possui grande valor histórico por permitir vislumbrar as grandes

esperanças que permeavam o entendimento dos hombres de la pluma sobre o destino da nação mexicana como potência mundial.

3.4.1 Discurso em prol da cidade do México para ser a capital federal242

Por não ser oriundo da Cidade do México, frei Servando Teresa de Mier julga-SE imparcial para opinar. No seu entendimento, não seria necessário haver uma cidade federal, pois seguindo o exemplo de outros governos representativos, as autoridades supremas sempre residiram em suas metrópoles. Mier entende esse desejo como fruto da nortemania, isto é, o desejo de buscar influências e modelos dos Estados Unidos, surgindo a idéia de uma cidade federal que não pertencesse a estado algum, a exemplo de Washington. Na compreensão do dominicano, a cidade do México possuiria beleza incomparável e cita Humboldt para ratificar sua idéia, pois o prussiano a compara a outras cidades européias, porém com maior magnitude: “Por una casualidad, dice el barón de Humboldt, me tocó ver de seguida después de México a Nueva York, [...] es decir todas las capitales de Europa y las principales de Norteamérica y nada, concluye, me ha dejado la idea de magnificiencia que México”243.

Fazendo valer sua faceta de viajante, frei Servando descreve o povo e a cidade do México como terra prometida:

“El círculo de verdes colinas que la rodean en anfiteatro, viene a ser la corona de esta reina de las ciudades. Sentada en deliciosa alfombra de su valle entre países cálidos y fríos como entre dos zonas distintas, recoge de ambas por agua y tierra el tributo de sus frutos peculiares; y la abundancia, la baratura y variedad de su mercado no tiene igual en el mundo. Su pueblo es tan dulce como dócil […] Me consta que los extranjeros viajantes en nuestro país han quedado atónitos al ver la quietud, el orden y la sumisión de los mexicanos a las autoridades en circunstancias tan críticas, que no habrían ocurrido en parte alguna de Europa sin sangre, desolación y ruinas. […] Si a las delicias del clima y a la multitud de las frutas, no correspondiese la desnudez de sus habitantes, México no sería tan rigurosamente el paraíso terrenal”244.

Em relação à competição com Querétaro, Mier esclarece que, geopoliticamente, tendo-se por base ainda as análise do viajante prussiano, a localização da cidade do México seria estratégica, eqüidistante geográfica e politicamente, tanto dos mares como do norte e do sul, localizada bem ao centro do país. Frei Servando acrescenta que no seio daquela cidade estariam as relíquias dos impérios indígenas pré-colombianos que, dessa maneira, dariam autoridade e magnitude histórica para sustentar a sua escolha. A Cidade do México seria sinônimo de riqueza em todos os países do mundo, com indústrias, comércio, minas e agricultura, bem como seria a origem de recursos

242 Este documento encontra-se nos anexos desta dissertação.

243 TERESA DE MIER, Servando. Ideário politico - Fray Servando Teresa de Mier. v.XLVIII. Estudo preliminar e

organização de Edmundo O’Gorman. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1978. p.322.

literários e bibliotecas, da reunião de seres pensantes, apesar das luzes serem poucas, porém, todas elas convergiriam para tal cidade.

Ao contrário de Washington, aquela cidade possuiria lugares de passeio e de divertimento, cafés, tertúlias e parques, universidades e escolas e uma beleza natural presente nas grandes cidades do mundo. Para Mier, não haveria porque ter antipatia pela cidade, pois o excesso de empregados e burocratas, vinham de outras partes do país e não eram de origem local. Em contrapartida, a cidade de Querétaro seria muito pequena para abrigar tantas pessoas, não haveria hospedagem suficiente e seria necessário investir muito dinheiro e tempo, bem como gastos de transladação até chegar àquela cidade. Nesse sentido, pensando no bem geral da nação, Querétaro possuía dificuldades intransponíveis e não haveria necessidade de uma cidade federal. Todavia, como era desejo da maioria, caso se decidisse por uma capital federal, não haveria porque não ser a Cidade do México como centro do estado soberano. Não seria necessário fabricar uma Washington, pois México já ofereceria história e estrutura de uma metrópole autêntica.

Nesse discurso em defesa da cidade do México como capital federal, frei Servando retoma a idéia de eleição divina e de nova terra prometida entre tantos outros lugares do mundo. Para tanto, utiliza-se dos dados e das observações do viajante prussiano Humboldt numa tentativa de dar prestígio científico e cabedal intelectual acerca das inúmeras vantagens que a cidade do México possuía, não apenas diante de Querétaro, mas também perante as grandes metrópoles européias. Mier arvora-se da oratória bíblica para prover de sentido os sinais que apontam ser a cidade mexicana a terra de onde jorraria o leite e o mel. Ainda que na Profecía observe-se um desalento do dominicano acerca do futuro do país, nesse discurso o sacerdote reacende sua fé num futuro esperançoso, dotado de glórias sem medida, revelando assim as oscilações do dominicano diante de suas próprias concepções.

Dentre as últimas manifestações ou atividades relacionadas de frei Servando no Congresso mexicano, tem-se a propositura para que uma das festas religiosas nacionais fosse em honra de São Tomé Apóstolo. Na sessão de 06 de dezembro de 1824, Mier é eleito vice-presidente do Congresso e no dia 16 do mesmo mês e ano, vários deputados, entre eles Bustamante e Miguel Ramos Arizpe, pediram que se aprovasse a concessão de uma pensão ao dominicano em razão de seus serviços a favor da independência. Tal demanda seria aprovada e, com isso, o sacerdote aposentar-se-ia da vida política com honra nacional e permaneceria num dos postos de pai fundador da pátria mexicana.