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Discurso de posse de Frei Servando Teresa de Mier como deputado no Congresso mexicano de

3. Frei Servando Teresa de Mier no primeiro e segundo Congressos Constituintes Mexicanos

3.1 Discurso de posse de Frei Servando Teresa de Mier como deputado no Congresso mexicano de

Em janeiro de 1822, a província de Novo Leão elege deputado ao Congresso Constituinte mexicano frei Servando Teresa de Mier. É somente na sessão de 15 de julho de 1822, todavia, que frei Mier assume como deputado por Novo Leão, com poderes aprovados por antecipação, tomando assento no parlamento. Após prestar o juramento habitual, o dominicano profere o discurso inaugural de seu mandato, em que agradece sua restituição ao seio da pátria, após anos de perseguição, e aos paisanos pela atenção e aplausos com que o receberam no seu regresso. Nesse seu primeiro discurso, frei Mier tece longo comentário acerca de seu patriotismo e esperança, bem como de seus esforços para lograr o bem nacional. Deixa claro o posicionamento de que almejava uma república, não um império, mas não se oporia caso Iturbide conservasse o governo representativo e regesse com moderação. Caso contrário, ele seria um inimigo irreconciliável, capaz de morrer, mas não obedecer.

O dominicano clama em nome da liberdade e acredita que se essa não for cumprida a guerra de independência não estaria concluída, e diz:

220 Ver ALBRA, Pedro e RANGEL, Nicolás. Primeiro Centenário de la Constitución de 1824. Câmara dos Senadores

dos Estados Unidos Mexicanos. México: Talleres Gráficos Soria, 1924.

“Una onza de oro es una cosa muy preciosa, pero si el que me la da me prohíbe el uso de ella en las cosas necesarias, lejos de ser un regalo, es un insulto. Nosotros no hemos estado once años tiñendo con nuestra sangre los campos de Anáhuac para conseguir una independencia inútil: la libertad es la que queremos: y si no se nos cumple, la guerra aún no está concluida. Todos los héroes no han muerto y no faltarán defensores de la patria”222.

Logo em seguida, seu discurso toma um rumo diferente dos interesses coletivos da nação, para abertamente pedir a restituição dos seus escritos perdidos, papéis, mapas e insígnias doutorais e pontifícias que lhe foram tirados após longos anos de perseguição e prisões. Para tanto, de forma laudatória acerca de sua vida, frei Servando parte em defesa do Sermão Guadalupano e relata sua saga de desventuras, os anos de tratamento injusto e o encarniçamento sofrido, acusações sem direito a defesa, as fugas e maus tratos perpetrados pelas autoridades que o puniam. O dominicano compreendia que uma sentença dada contra ele, era uma sentença dada contra a América: “El patriotismo en mí no es una cosa nueva y todo el ruido que motivó la sentencia que dio el arzobispo no era más que antiamericanismo en su delirio y rabia”223.

Mier se utiliza das peças judiciais usadas pelos perseguidores, que levou e mostrou na tribuna, como motivo de elogio de sua personalidade. Malgrado os documentos oficiais do Tribunal do Santo Ofício o que o descreviam como homem de caráter altivo, soberbo e presunçoso, possuidor de conhecimento vasto da má literatura, gênio duro, vivaz e audaz, de talento incomum e com obstinação em defender suas idéias, frei Servando ainda conservava um espírito tranqüilo e inflexível superior às suas desgraças, cuja forte paixão pela independência revolucionária não afastava de seus escritos. O dominicano se autodescreve de forma laudatória, com eloqüência e arroubo, servindo-se da voz da Inquisição.

Em conclusão, Mier declara que não foi preso em razão da religião e nem foi crítico dela, ao contrário, saiu em sua defesa ao converter judeus em Baiona. A HRNE teria sido o motivo para que Henri de Grégoire, com apoio de Humboldt, propusessem-lhe a distinção de ser membro do Instituto Nacional da França, suprema honra literária na Europa. Além disso, possuiria ainda a licença do Sumo Pontífice e por isso teria a liberdade para ler qualquer tipo de livro, sem exceção. Seu primeiro discurso finda com a reiteração do pedido de devolução dos livros e insígnias doutorais, de seus bens e malas roubadas na invasão de Soto la Marina e de todos os escritos, papéis e documentos que ficaram retidos nos cárceres da Inquisição quando esteve preso nos últimos anos antes da independência mexicana.

222Frase que Mier teria teatralmente adicionado o gesto de dar-se um golpe no peito. TERESA DE MIER, Servando.

Ideário politico - Fray Servando Teresa de Mier. v.XLVIII. Estudo preliminar e organização de Edmundo O’Gorman.

Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1978. p.238.

Por se encontrar finalmente em solo mexicano, após tantas desventuras e anos de padecimento em terras estrangeiras, frei Servando aproveitou o conforto da tribuna para contar sua história de vida, louvar seus feitos e, com isso, fazer valer o reconhecimento entre os compatriotas como herói da nação, homem das letras e pensador que sacrificou a tranqüilidade dos que se omitem ao desassossego daqueles que lutavam pela causa insurgente. Mier foi o maior divulgador de sua própria glória e de suas incontáveis fugas, contribuindo para a criação do mito de insurgente intrépido e aventureiro, sendo relembrado na posteridade não apenas por seu legado intelectual, mas, sobretudo pelo gosto deixado por suas façanhas nas memórias de seus contemporâneos.

Frei Servando, ao ser eleito como deputado, surge na tribuna como porta-voz autorizado cujos limites coincidiam com a delegação da instituição. Nesse sentido, sua fala concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu o mandato e do qual ele é, por assim dizer, o procurador. Seu discurso era pronunciado naquele instante numa situação legítima, diante de receptores autorizados, numa condição social de produção e reprodução diversa daquela em que antes ele era considerado insurgente e por isso perseguido. A geração revolucionária a que Mier pertence quebrou o discurso de autoridade presente e implantou um novo a ser reconhecido por uma nova sociedade legítima que se impôs. Essa crise na linguagem acompanhou o desmantelamento de um universo de representações e de todo um mundo de relações sociais do qual o frei era um dos elementos constitutivos.