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Capítulo I. Sociedade (Civil) Moçambicana face ao Capitalismo

1. Moçambique face ao Sistema-Mundo Capitalista

1.3. O Contexto Sociopolítico e Económico na Era Capitalista (1985 2015)

1.3.1. Democracia, Multipartidarismo e Neoliberalismo

Esta fase histórica que passamos a analisar correspondeu à substituição de uma lógica de confrontação armada, por uma lógica de confrontação política, embora estejam a acontecer alguns focos de instabilidade político-militar, o que, infelizmente, gera incertezas, desespero por parte das populações e de toda a sociedade civil. É a época de execução das mudanças estruturais e institucionais arquitetadas na parte final da fase anterior; época de relativo crescimento económico, dentro dos condicionalismos impostos pela globalização hegemónica. É, também, no prosseguimento da abertura política proporcionada pela adoção da nova Constituição da República e pelo fim do conflito que se assistiu à emergência das ONGs, destacando-se as que inscreveram, como propósito de atividade, a defesa e a promoção dos direitos humanos – seja dos chamados direitos da primeira geração, seja dos direitos de segunda e terceira geração – e que integram a embrionária sociedade civil moçambicana44.

No plano das reformas estruturais da economia, as políticas direcionadas para a redução da inflação e dos desequilíbrios macroeconómicos conseguiram resultados positivos, como é geralmente reconhecido. Mas também se assinala, com preocupação, que, em termos de desenvolvimento humano, o país continua muito longe de atingir números considerados satisfatórios. De acordo com os indicadores do PNUD (1999) 45., em Moçambique, cerca de 60% da população vivia ainda abaixo do limiar de pobreza, menos de 40% tinha acesso aos serviços de saúde, e só 44% era alfabetizada.

Depois da assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP), em 1992, foram dados passos positivos rumo à democracia e ao respeito dos direitos humanos. A sociedade civil está organizada de uma dada maneira para a defesa dos seus interesses, embora sejam basicamente organizações de natureza económica e humanitária. Estes progressos possibilitaram a atribuição do estatuto de “boa governação” ao governo moçambicano. Como consequência, Moçambique era o 3º país da África subsaariana (ASS) que mais Apoio de Parceiros de Desenvolvimento (APD) tem recebido, depois da Tanzânia e da Etiópia (PNUD, 2003); era o 3º país africano com mais IDE, depois de Angola e Nigéria, ambos produtores de petróleo, e onde existe mais investimento privado medido em percentagem do PIB, depois de Angola e das Seicheles (Banco Mundial, 2003). Para Mosca (2004) de modo experimental e como ensaio de laboratório, os doadores

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Uma dessas OSCs moçambicana é a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH).

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122 assentaram custear os projetos de desenvolvimento, através do financiamento do

orçamento público para que os investimentos correspondam às políticas internas.

Após mais de uma década de reestruturação socioeconómica e política profunda, Moçambique junta atualmente três ativos públicos preciosos: crescimento económico positivo, elevado otimismo do mercado, paz e estabilidade política, embora ameçados. Mas, também, Moçambique possui três passivos extremamente pesados: a evolução da pobreza constitui o fundamental mau comportamento do ajustamento em Moçambique, onde mais de metade da população vive em condições de pobreza absoluta; um endividamento externo que há quatro anos era quatro vezes maior que o PIB; um dos índices de desenvolvimento humano mais baixos do mundo. O crescimento económico tem sido assente particularmente nos setores exportadores, concentrado num grupo reduzido de atividades, e é territorialmente localizado. Os índices de desigualdade de distribuição da riqueza continuam sendo dos mais assimétricos da África Subsaariana (PNUD, 2003). Contrariamente, surge uma elite no quadro da aliança com o capital externo e que se serve do Estado como meio de acesso às oportunidades de negócio e de obtenção de rendimentos, formando-se basicamente uma elite de renda.

O Estado foi forte e propositadamente debilitado. Passou de uma economia centralizada e burocratizada, que marginalizava grande parte dos agentes económicos para um capitalismo selvagem, ineficaz e caótico, onde uma minoria é favorecida através de variados engenhos que geram funcionalidades com as fontes de recursos (capital externo, cooperação e ajuda) e com a burocracia, que arquiteta a distribuição de recursos tendo sempre em vista a reformulação e a hierarquização das bases sociais e a defesa do poder, sendo este o primeiro nos benefícios. A prestação de serviços básicos aos cidadãos é limitada pelas restrições financeiras impostas, fator que contribui para a pobreza e as desigualdades sociais (Mosca, 2005).

Moçambique, após o fim da guerra, desaproveitou uma oportunidade histórica de encetar um processo de crescimento económico com mais equidade social e espacial, com reestruturação efetiva da economia no sentido de priorizar o mercado interno e a satisfação das necessidades dos cidadãos, de construir o Estado que contribuísse para a construção da nação e instituir relações externas que protegessem os interesses dos cidadãos. Mas estes objetivos não são os das IBWs, que, no quadro do Consenso de Washington, têm feito de Moçambique, juntamente com as elites do poder a ela associadas, um caso de laboratório. Para as IBWs, bom desempenho da economia significa menos inflação, menor Estado, mais liberalização e privatização, mais

123 exportação e integração (subordinada) na economia internacional, maior abertura para a

operação desregulada do capital e do investimento externo. E esses objetivos estão sendo alcançados no quadro do papel que Moçambique tem vindo a desempenhar na divisão regional do trabalho e na utilização deste exemplo para a legitimação das políticas do FMI e do Banco Mundial (idem).

A legitimidade do Estado é outro aspeto que as IBWs buscam impingir através da democratização das sociedades. A democracia é entendida, no seu sentido restrito, como a existência de uma aparente liberdade de imprensa e de expressão, maior respeito pelos direitos humanos, pela realização de eleições, pela existência de muitos partidos e pela liberdade de associação. Parece pouco realista falar e aplicar sistemas democráticos “à ocidental”, em sociedades com alto índice de analfabetismo, com fracas comunicações e sistemas de informação limitados, com pouca tradição de organização da sociedade civil e onde se conservam as formas de poder “tradicionais”. De uma forma positivista, pode argumentar-se que estes processos representam avanços em relação às formas ditatoriais e oligárquicas então prevalecentes.

A pobreza, as desigualdades, a fome e a doença são tratadas de forma paliativa, com medidas pontuais e descoordenadas e com poucos recursos; em contrapartida, existe muita literatura cinzenta, permanentes reuniões internacionais, viagens presidenciais e declarações de intenções que difundem supostas prioridades no combate à pobreza. A corrupção é timidamente criticada porque, na realidade, é considerada um mal menor, ou mesmo uma necessidade para a reconfiguração dos grupos sociais que suportam os PAE e para a criação acelerada de um empresariado e de uma elite política nacionais dependente e submissa (idem).