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O Contexto Sociopolítico e Económico na Era Colonial (1505-1974)

Capítulo I. Sociedade (Civil) Moçambicana face ao Capitalismo

1. Moçambique face ao Sistema-Mundo Capitalista

1.1. O Contexto Sociopolítico e Económico na Era Colonial (1505-1974)

Moçambique passou a ser uma colónia portuguesa em 1505 e foi subsequentemente explorado com trabalho forçado, para obtenção do seu ouro e marfim, assim como serviu de fonte de escravos para exportação. Entretanto, só foi após a Conferência de Berlim, em 1884-1885, que o domínio português foi oficialmente reconhecido pelas potências europeias.

A década de 1930 foi assinalada por acesas discussões sobre a questão da industrialização das colónias, devido à vigorosa oposição dos interesses têxteis portugueses. A partir de 1945 esta oposição seria progressivamente combatida pela crescente imigração de colonos brancos, os quais impulsionaram o mercado interno e as atividades industriais, estimulando os grandes bancos portugueses a investirem em Moçambique e a promoverem a expansão da indústria de construção, principalmente em Lourenço Marques (atual Maputo) e Beira (CEA, 1982: 4; Henriksen, 1978: 137).

Até à II Guerra Mundial a atividade agroindustrial foi especialmente direcionada para a exportação de matérias-primas: açúcar, sisal, chá, algodão, copra, óleo vegetal. Neste período aparecia já um pequeno, mas considerável, setor industrial virado para o mercado interno, abrangendo produtos de consumo e de matérias de construção derivados de matérias-primas locais: cimento, água mineral, cerveja, farinha de milho, sabão, cigarros, blocos de cimento, etc., (Francisco, 2003 in Santos & Trindade, orgs., 2003).

A partir deste período, começou a registar-se um crescimento da indústria de exportação. Mas mais significativo ainda foi o célere crescimento da produção para o

105 mercado interno. A expansão da produção, voltada para o mercado interno, foi

direcionada particularmente a bens de consumo. Desenvolveram-se, nesse período, as indústrias de moagem de trigo e produção de pão, de descasque de arroz, de sapatos e vestuário, de mobiliário, papel e tipografias, de cimento, pregos e outros produtos metálicos, de construção de máquinas e alfaias agrícolas e de reparação de automóveis. Em 1973, com apenas 2% da população de África, Moçambique contribuía com quatro por cento da produção total do continente. Também em 1973 o setor industrial ocupava cerca de 100.000 trabalhadores, contra, por exemplo, 65.000 na Costa do Marfim e 130.000 no Quénia (Abrahamssom & Nilsson, 1994: 39; CEA, 1982: 4).

A mudança da indústria e da economia nacional para o mercado interno não foi um procedimento espontâneo; apoiava-se numa participação ativa do Estado colonial nas estruturas locais, nos concelhos e nas circunscrições, onde o Estado assumia funções não só de arrecadação de impostos e recrutamento de mão-de-obra, mas também de planificação económica. Sendo economicamente fraco, o Estado colonial preferiu valer- se do trabalho forçado, ao cultivo forçado de culturas e do sistema de ´cadernetas´ para o controlo de movimentos migratórios (CEA, 1982:10; Mondlane,1977: 11-103; Newitt, 1997: 407-410). E aqui reside um dos principais fatores da ruína da economia colonial: a marginalização da maioria da força de trabalho dos benefícios do crescimento económico. De acordo com Mosca29 (2005: 118), até à década dos anos 1950, a política económica colonial baseava-se nos contextos de um robusto nacionalismo político e económico, no progresso tardio do capitalismo em Portugal e na subalternidade portuguesa em relação a outras potências coloniais, especialmente à Inglaterra, com ecos em Moçambique através da África do Sul e das colónias inglesas da África Austral. A incapacidade de ocupação do território e a recorrência a companhias majestosas de capital não português30, e mais remotamente à colonização através dos indianos oriundos

das possessões portuguesas, protelou o desenvolvimento de Moçambique

comparativamente com as colónias da região. Por outro lado, as dificuldades de penetração do capital tiveram, como efeito, a exploração reduzida dos recursos das colónias, não contribuindo deste modo para o arranque económico da metrópole.

Mosca (2005: 119) diz ainda que o nacionalismo económico surge como um mecanismo de defesa, que pretendia não ceder os recursos a outras potências mais

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Conceituado economista moçambicano e Prof. Catedrático de Economia.

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No quadro do nacionalismo económico, só a obrigatoriedade imposta na Conferência de Berlim fez com que Portugal, sem alternativa, aceitasse a influência e os investimentos ingleses e sul-africanos em Moçambique.

106 desenvolvidas, esperando pelos processos de acumulação do capital e pela modernização

da economia portuguesa. Ou seja, o nacionalismo funcionou como mecanismo protecionista, que tinha como objetivo retardar o desenvolvimento e a exploração dos recursos nas colónias por outras potências, o que retardava concomitantemente o desenvolvimento da economia portuguesa e das colónias. O desenvolvimento sustentado economicamente por outras potências arriscaria perigar a soberania; recordam-se as ambições coloniais inglesas. Argumenta ainda que o desenvolvimento faria aparecer elites locais que não só lograriam ser concorrentes na exploração dos recursos, como constituiriam agentes reivindicativos face à situação política, na ótica dos governos de Lisboa e à opção do nacionalismo económico.

Diante da incapacidade do capital português e das complicações de mobilizar a emigração e o início da acumulação local, a política económica preferiu impor administrativamente a submissão dos povos ao trabalho forçado e à incorporação coerciva no mercado; são os casos do RTI31, das culturas obrigatórias, do imposto de palhota, e depois, do imposto por cabeça, da interdição de moçambicanos a iniciativas em determinadas atividades económicas, do trabalho forçado decretado, entre outros aspetos. O objetivo primordial não era o desenvolvimento do território, mas a ocupação para demarcação política da soberania, extração de recursos para satisfação dos ganhos portugueses na metrópole e robustecer os poderes em Lisboa e posicionamentos políticos nos fora internacionais. Assim se encontra a fundamentação para o comércio do ouro, do marfim e a escravatura, a introdução de culturas obrigatórias para o abastecimento da indústria metropolitana em matérias-primas, etc., (Mosca, 2005: 119).

O alto crescimento económico, assinalado na última década do regime colonial somente beneficiou marginalmente a população moçambicana. Com um dos melhores crescimentos económicos em África, a população moçambicana detinha um dos mais baixos níveis de desenvolvimento humano do continente e do mundo em geral. Em abono de verdade, nunca foi prioridade do Estado colonial melhorar o desenvolvimento humano da população de Moçambique (Francisco, 2003:149 in Santos & Trindade, Orgs., 2003).

Para além da exploração enérgica da força de trabalho, socorrendo-se do trabalho obrigatório e do cultivo forçado, a exclusão e humilhação das elites nacionais pelo regime político e administrativo viriam a motivar a criação de um movimento nacionalista, batendo-se pela independência. Em vez de um seguimento progressivo de supressão da exploração e discriminação racial, a recusa do regime português em conceder a

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107 autodeterminação a Moçambique, no começo da década de 1960, criou condições para o

surgimento de movimentos nacionalistas que mais tarde se unificaram numa força política e militar, a FRELIMO em 1962, apostada em destruir o sistema colonial e romper com o próprio sistema capitalista.

Se se reparar no potencial económico do país, vê-se que Moçambique tem significativos depósitos de vários minerais: permutite, asbestos, titânio, pedras semipreciosas, os maiores jazigos de tantalite do mundo, ouro, areias pesadas, grafite, minério de ferro, mármore, grandes reservas de gás natural, petróleo, reservas de carvão, recursos hidroelétricos (a barragem de Cahora-bassa ao longo do rio Zambeze) e muitos outros recursos. Minerais estrategicamente relevantes, como o titânio, podem garantir ganhos significativos se exportados, enquanto recursos como o minério de ferro e o carvão oferecem oportunidades ao país de produzir o seu próprio aço. Mas Portugal não tinha capacidade para explorar esses recursos; e muitos dos maiores projetos industriais a operar em Moçambique colonial eram propriedade britânica (Andersson, 1996).

Hanlon32 (1984: 22) anota que Moçambique, no período colonial, era diferente, em muitos aspetos, das colónias britânicas e francesas. Moçambique era duplamente periférico, uma vez que era dependente de Estados que possuíam, eles próprios, economias periféricas, tais como Portugal e a África do Sul. Os colonos portugueses, por exemplo, não tinham controlo económico, apenas serviam e geriam empresas estrangeiras, e toda a colónia servia, em grande medida, os seus vizinhos. Um outro aspeto verificado por Hanlon é que os colonialistas, eles próprios, eram maioritariamente camponeses e cantineiros mais do que exploradores ricos.

É dentro disto que Eduardo Chivambo Mondlane33 (1977: 248) afirmou que,

“A libertação não significa para nós simplesmente a expulsão dos

Portugueses; significa reorganizar a vida do país e lançá-lo na vida do sólido desenvolvimento nacional. Para isto é necessário tirar o poder político das mãos dos Portugueses, visto que estes se opuseram sempre ao progresso social e estimularam somente aquele desenvolvimento económico que podia beneficiar uma elite pequena e quase exclusivamente estrangeira. Mas o movimento de libertação não poderá reivindicar o êxito até que, através dele, o povo consiga o que os Portugueses lhe recusaram: nível de vida tolerável; instrução; condições de

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Jornalista inglês e especialista em políticas de desenvolvimento que trabalhou durante muito tempo em Moçambique, com muitos artigos escritos e livros publicados. Foi professor de políticas e práticas de desenvolvimento na Open University e Milton Keynes no Reino Unido.

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desenvolvimento económico e cultural; oportunidades de participar no seu próprio governo”.

Em suma, a primeira restruturação aqui considerada, na verdade última do regime colonial, falhou porque a governação colonial portuguesa rejeitou promover o progresso social da população e, principalmente, de uma burguesia nacional, minimamente capaz de evitar que a supressão do sistema colonial conduzisse à destruição do sistema de mercado capitalista existente. Esta inflexibilidade política do regime colonial provocou a emergência duma oposição à sua imagem e semelhança.