• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II. Conceitos-Chave

4. Desenvolvimento Sustentável

Nos dias de hoje, a palavra «desenvolvimento» é dúbia. Geralmente, abriga e serve de via para os interesses dominantes, embora seja quase sempre usada em nome dos mais desfavorecidos. Remete para formulações magnânimas, mas manifesta-se depois em

31 atuações bem precisas que, com frequência, agravam ainda mais as condições de vida e

de trabalho dos mais desfavorecidos. Mantém-se, de qualquer modo, como uma palavra portadora de esperança para uma grande parte das populações. A sua reabilitação passa, antes de mais, por clarificar os que beneficiam, de facto, com a aplicação de cada política. A questão de desenvolvimento é de interesse inquestionável para os países periféricos ou do Terceiro Mundo, para as Agências Internacionais de Desenvolvimento (AID) e, de modo particular, para as pessoas comuns das comunidades excluídas. Quando se olha para estes países, notam-se diferenças abismais entre estes e os Centrais ou os do Primeiro Mundo (“desenvolvidos”). Entre essas diferenças, Kisil (2005: 131) destaca a “oportunidade que as pessoas têm de poderem decidir sobre seus próprios destinos, de

influenciar as decisões públicas e, assim, de poderem participar de atividades que afetam seu desenvolvimento e qualidade de vida”.

A noção de desenvolvimento (económico) ganhou os seus contornos atuais no período posterior à II Guerra Mundial (1939-1945), tendo sido então introduzida a distinção entre Países em vias de Desenvolvimento (PvDs) e Países Desenvolvidos (PDs). Várias teorias procuram caraterizar e explicar estes dois estádios de desenvolvimento e enunciaram linhas de ação para se passar do primeiro ao segundo. Apesar da sua grande variedade, quase todas estas teorias coincidiram parcialmente em alguns pontos comuns, de que se vão referir três: um, é a noção de que há vantagem em passar de um estado mais atrasado a outro mais avançado (modernizado); depois, a anuência de que a via central para o conseguir é a modernização tecnológica, que possibilitaria aumentar a produtividade do trabalho; finalmente, a apresentação desta mudança como um processo que permite abrir vastas hipóteses de atuação e numerosas conjecturas de mobilidade social de que as diferentes pessoas e agentes beneficiariam com graus de sucesso variáveis (Mosca & Zanzala, 2006: 143).

Nos primórdios da década de 60, as Nações Unidas iniciaram a sua primeira década de desenvolvimento. A descolonização seria completa por transferências de recursos para o desenvolvimento económico. Acreditava-se que o fosso entre o mundo rico e o mundo pobre haveria de diminuir. A diminuição dos fossos globais foi considerada uma condição prévia para um desenvolvimento estável e socialmente justo. Para tal, os países centrais deveriam oferecer 1% do seu PIB para ajuda ao desenvolvimento. O pensamento teórico sobre o desenvolvimento era na altura dominado pelas esperanças ocidentais da bênção da modernização. O Terceiro Mundo deveria alcançar os países centrais o mais rapidamente possível. No caso de África, as suas elites

32 nacionalistas que subiram ao poder depois da retirada dos poderes coloniais, ficaram com

os padrões europeus linguísticos, culturais e filosóficos. Foi salientado o papel do Estado como poder diretivo para o desenvolvimento (Abrahamsson & Nilsson, 1998: i-ii).

No início da década de 80, surgiram mudanças no pensamento teórico sobre o desenvolvimento. Apesar de o fosso entre os países ricos e os países pobres ter aumentado, a filosofia da modernização continuava a ser o axioma. Contudo, o que foi fortemente questionado foi o papel do Estado. Os assuntos relativos a uma nova ordem económica internacional e as transferências massivas de recursos foram retirados da agenda internacional. Em sua substituição, o conceito dominante passou a ser o das forças de mercado, que iriam garantir a dinâmica do desenvolvimento onde houvesse maiores possibilidades (Abrahamsson & Nilsson, 1998: iii). As dívidas do terceiro mundo foram dramaticamente agravadas quando os juros internacionais aumentaram em consequência das alterações da política monetária americana. Através da implementação de PAE (Programas de Ajustamento Estrutural) – do qual falaremos mais adiante – exigida pelos doadores e pelas Instituições da Breeton Woods (IBWs) como condição para continuar com os créditos oficiais ao terceiro mundo ou países periféricos, surgiu o novo conceito neoliberal que atrasou o continente africano.

Foi na conferência sobre o meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro no início da década de 90, que o axioma paradigmático da modernização foi, de uma maneira mais ampla, questionado pela primeira vez. Os conhecimentos sobre a ecologia tinham posto os seus limites sobre o que seria possível alcançar em termos de desenvolvimento nesta linha de atuação. A questão de como encontrar o ponto de encontro entre uma modernização acelerada e o setor tradicional passou a fazer parte da agenda internacional e, com isso, a procura duma estratégia alternativa de desenvolvimento à modernização em África e no resto do mundo (Abrahamsson & Nilsson, 1998: iv).

Todavia, os países africanos mostraram-se cada vez mais incapazes de manter a ordem que a modernização exigia. O número de conflitos subnacionais cresceu rapidamente, muitas vezes em consequência dum aumento da pressão sobre os recursos de sobrevivência e de necessidades básicas não satisfeitas da maioria das populações. Os efeitos da globalização – na produção, no comércio, nas finanças, nas comunicações – diminuíram, cada vez mais, o espaço de manobra dos Estados-nação. Compreendeu-se o risco de os problemas de alimentação do continente africano se manifestarem em mais conflitos internos e contribuírem para que fluxos de migração, aumento da HIV-sida e

33 destruição do meio ambiente passassem de África para outros continentes causando

problemas graves no mundo do Norte (Abrahamsson & Nilsson 1998: iv-v).

A OCDE (1996)7 concebe o desenvolvimento não apenas como um processo

técnico de acumulação de capital no contexto de políticas macroeconómicas apropriadas, mas também como uma mudança que incorpora a dimensão sociopolítica. Assim, as políticas de desenvolvimento dos PvDs não podem ser definidas apenas por doadores, mas por um diversificado número de atores. Dito por outras palavras, o desenvolvimento deve ser um processo endógeno, isto é, as políticas de desenvolvimento devem emergir a partir das sociedades ou países afetados. É dentro deste cenário histórico que queremos falar do desenvolvimento sustentável como uma alternativa à insustentabilidade ou inexequibilidade do desenvolvimento apregoado pela teoria da modernização.

De acordo com Sachs (2004), vivemos hoje a chamada “terceira revolução

industrial”, a era eletrónica, que elevou a capacidade produtiva do homem. Isto,

entretanto, não serviu para reduzir o número de pessoas expostas a miseráveis situações de trabalho, muito menos para corrigirmos a nossa relação com a natureza. O desenvolvimento tecnológico é contrário ao que prevalecia no surgimento da indústria ou revolução industrial, quando a ideia de desenvolvimento vinha agregada, quando não na realidade, ao menos no imaginário, à melhoria das condições de vida para todos. Mas esta ideia até no imaginário hoje é esquecida, pois o desemprego e o subemprego são elementos presentes em todas as sociedades, até mesmo nas de capitalismo avançado.

Desenvolvimento sustentável, a priori, é um conceito sistémico que se traduz num modelo de desenvolvimento global que incorpora os aspetos de desenvolvimento ambiental. Foi usado pela primeira vez em 1987, no Relatório Brundtland, intitulado

“Our Common Future”, um relatório elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio

Ambiente e Desenvolvimento, criado em 1983 pela Assembleia das Nações Unidas. Este relatório definia o desenvolvimento sustentável como o encontro das necessidades do presente sem comprometer a sobrevivência das gerações futuras.

A sustentação é um conceito que, embora originado no debate ecológico, tem sido usado na área social para apontar os problemas de esforços a longo prazo do desenvolvimento humano. Então, pode-se concluir que o desenvolvimento é sustentável se ele puder dar aos membros das futuras gerações um nível de desenvolvimento per

capita igual ou superior àquele adquirido pelos membros da geração atual (Janvry,

Sadoulet e Santos, 1993 apud Kisil, 2005: 132). Este processo requer que ideias e ações

7

34 sejam institucionalizadas por diferentes organizações, quer pertençam ao governo quer ao

setor privado (mercado) ou ao setor não-governamental.

Assim sendo, vê-se a necessidade de se enveredar por um desenvolvimento sustentável (que implica sustentabilidade económica, ambiental e sociopolítica) que visa incluir todas as classes sociais, as gerações atuais bem como as vindouras, na melhoria das condições de vida. Neste trabalho, vamos falar mais da sustentabilidade sociopolítica que se centra no equilíbrio social tanto na sua vertente de desenvolvimento económico como sócio-humano. Ela é um veículo da humanização da economia.

Esta temática tem assumido, tanto a nível nacional como internacional, uma crescente importância. A partir da Cimeira Mundial do Rio (2002), da Cimeira de Johanesburgo (2003) e da Cimeira Rio+20 (2012) no Brasil, tem-se destacado a urgente necessidade da compreensão global de um crescimento equilibrado, cujo pilar essencial é o desenvolvimento sócio-humano. Para tal, torna-se necessário criar condições para que os cidadãos possam ter um papel ativo, esclarecido e participante, construindo o seu próprio futuro. Para que ocorra um desenvolvimento sustentável (economicamente eficaz, socialmente equitativo e ecologicamente sustentável) é necessário articular o crescimento económico com outros fatores humanos e sociais.

Podemos dizer, portanto, que o desenvolvimento sustentável significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social, económico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais, ou seja

“um modo de desenvolvimento sem efeitos secundários negativos sobre a sociedade e o ambiente e que beneficie o maior número” (OCDE, 2008: 18).

Para que um processo de desenvolvimento sustentável se estabeleça, é necessário promover a participação de cada cidadão, pois facilita a confrontação de ideias. É também importante a participação de organizações sociais que são responsáveis e recetivas dos seus membros. A variedade de interesses e necessidades de cada sociedade ou de cada comunidade exige uma multiplicidade de organizações, cuja forma particular de colaboração entre si contribua para o processo de desenvolvimento. Isto dependerá da experiência local específica, das tarefas a serem realizadas e do meio ambiente político- administrativo e económico (Kisil, 2005: 131).

Outro aspeto importante do desenvolvimento sustentável a ser levado em conta é a existência de um processo político que garanta a participação dos cidadãos, especialmente daqueles até então excluídos do processo de desenvolvimento. Este

35 processo deveria capacitar os indivíduos e as organizações da comunidade a atuar

ativamente na identificação e na solução dos seus próprios problemas. Segundo Kisil (2005: 154), uma estratégia para adquirir a sustentação dos esforços de desenvolvimento deveria combinar uma estratégia bem equilibrada da formação de liderança, capaz de agir a nível micro/local e a nível macro. No nível micro, é mister garantir a participação total dos membros da comunidade no processo de desenvolvimento. No nível macro, é necessário participar do desenvolvimento de políticas públicas que mudem os sistemas e criem um meio ambiente favorável ao desenvolvimento sustentável da comunidade.

O desenvolvimento sustentável implica, portanto, a promoção da participação da população como protagonista do seu próprio desenvolvimento, porque envolvida na determinação dos seus próprios problemas; da defesa e da praxis de um trabalho em rede e em parceria – articulação com outros atores e sua corresponsabilização (Estado, autoridades locais, empresas, diversas OSCs); da ativação de capacidades locais – potencialidades e recursos endógenos, individuais e coletivos (empowerment); da referência a um território, a uma identidade e a uma memória; da qualidade social da comunidade; de uma visão e metodologia holística intersetorial e multidisciplinar; da abertura à mudança e da procura da diversidade de caminhos, de processos e resultados (Guerra, 2012: 368-369).

Em suma, por desenvolvimento sustentável entende-se como sendo aquele que concilia a economia com o ambiente e a comunidade; considera a eficácia económica, mas também os benefícios sociais, a luta contra a pobreza, a desigualdade e a exclusão. Respeita, portanto, a biodiversidade, a história, os recursos naturais, usos sustentáveis de água e energia, redução da produção de resíduos. Enfim, visa melhorar a qualidade de vida dos humanos, procurando formas de não comprometer o ecossistema.