• Nenhum resultado encontrado

dicaS para a elaboração do ppa municipal alicerçado na dimenSão eStratégica

Ingrid Cristine Rodrigues Nascimento

3. dicaS para a elaboração do ppa municipal alicerçado na dimenSão eStratégica

Em todas as prefeituras do Brasil, para o ciclo de gestão 2021-2024, teremos a elaboração do ppa em 2021 para o período 2022-2025. E, de antemão, uma questão se manifesta para os gestores públicos locais: como trabalhar o pla- nejamento estratégico municipal, para a elaboração desse plano plurianual, diante de tantas potenciais urgências e prováveis contingências advindas da pandemia da covid-19 durante o primeiro ano de mandato?

O capítulo deste livro sobre transição de mandato e gestão municipal em

situações de calamidade pública joga luz na “passagem de bastão” pós-eleição e

nos 100 dias de governo, argumentando que essas ações de curto prazo, se leva- das a cabo e bom termo, repercutem sobre a elaboração do ppa, cujo processo pode ser dividido em duas dimensões: uma estratégica, com o planejamento estratégico municipal (do governo e de suas secretarias), e uma programática, com a formulação das ações sob a forma de programas e a estruturação do plano plurianual como documento e projeto de lei, conforme ilustração da Figura 1.

Transição & 100 dias Planejamento Estratégico Municipal (mar./mai. 2021) Programação (jun./ago. 2021) Montagem da Equipe Tomada de Consciência Ações de curto prazo Orientação Estratégica do Governo Municipal Previsão de Recursos para as Ações de Governo 2021-2024 Elaboração dos Programas Estruturação do PPA 2022- 2025 como Documento e Projeto de Lei Orientação Estratégica das Secretarias Municipais

Figura 1. Fluxo de elaboração do ppa municipal (2022-2025): planejamento e programação. (Fonte: adap-

O fluxo aventado para a elaboração do ppa Municipal 2022-2025 tem três fases. A primeira, prévia ao planejamento estratégico municipal, inclui todo o período de transição de governo – entre o término da eleição e a posse do eleito – e o primeiro trimestre de gestão com a chamada Agen-

da-100 dias, com atividades de: montagem da equipe de direção/asses-

soramento público do prefeito, tomada de consciência da realidade da prefeitura (finanças públicas, contratos/convênios e quadro de pessoal, por exemplo) e a realização de ações de curto prazo (ajustes de serviços públicos, reparos de instalações/equipamentos, política simbólica de início de mandato e plano de comunicação). Tal fase, se cumprida a contento, fomenta a elaboração do ppa, na sequência.

A segunda fase, por seu turno, é o próprio planejamento estratégico municipal, e recomenda-se que ocorra entre março e maio de 2021, com a concepção das orientações estratégicas tanto do gabinete do prefeito – de âmbito macrogovernamental – como das diversas pastas da prefei- tura, com enfoque setorial nas políticas públicas locais. O intuito é que os rumos deliberados pelo governo municipal norteiem a planificação das secretarias, evitando o desalinhamento político e a fragmentação adminis- trativa. Além disso, indica-se o exame em profundidade de estimação das receitas (próprias e de transferência) e do comportamento das despesas para o quadriênio, respaldando as escolhas de destinação orçamentária e aclarando a necessidade de uma estratégia de financiamento público.

Por último, a terceira fase, prescrita para acontecer entre junho e agosto de 2021, empenha-se para traduzir os elementos estratégicos no plano plurianual, formulando as ações governamentais – isto é, os pro- gramas com os seus respectivos projetos e atividades – e estruturando o documento e o projeto de lei do ppa 2022-2025, cujo prazo de envio para apreciação do Poder Legislativo encerra no dia 31 de agosto (por lei, quatro meses antes do encerramento do primeiro ano de mandato).

Se por um lado, essa fase de programação do plano plurianual é ampla- mente conhecida pelos gestores públicos locais, por outro, o delineamento da dimensão estratégica do ppa, na prática do planejamento e orçamento

gestão municipal no brasil modernização, cooperação e humanização

municipal, é pouco difundido, gerando muitas interrogações entre prefeitos, secretários e técnicos sobre como efetuá-la. A Figura 2, adiante, focaliza os componentes de tal dimensão e retrata a análise de cunho tecnopolítico – sim- bolizada pelo Triângulo de Governo (projeto, governabilidade e capacidade) de Carlos Matus (2006) – que o planejamento estratégico municipal preceitua.

Projeto Governabilidade Capacidade Objetivos Setoriais das Ploíticas Públicas Locais Macro Objetivos de Governo no Quadriênio 2021-2024 Visão 2024 Orientação Estratégica de Governo Orientação Estratégica de Secretarias dimensão eStratégica dimensão programática • Marcas do Plano de Governo (2021-2024) • Legados do Mandato em 2024 • Definição das Prioridades Municipais

Elaboração dos Programas e Estruturação do ppa 2020-2025

Figura 2. Delineamento da dimensão estratégica do ppa municipal 2022-2025. (Fonte: elaborado pelos autores.)

O ponto de partida é o projeto de governo, que deve ser esboçado: (a) pelas marcas do plano de governo 2021-2024 que foi apresentado durante as elei- ções e legitimado pelos cidadãos nas urnas, com suas ideias-força (valores políticos, macroproblemas da cidade e preferências dos munícipes); (b) pe- los legados que o mandato quer deixar para o munícipio em 2024; e (c) pela definição de prioridades para ação governamental no quadriênio, levando em consideração os itens anteriores – marcas e legados –, mais, outrossim, o diagnóstico da cidade e o binômio governabilidade-capacidade do governo.

Isso significa que o projeto de governo deve ser ponderado à luz das condições que o grupo político no poder tem para sustentá-lo em um am- biente de conflitos de interesses entre aliados e opositores (e relações entre o Poder Executivo e a Câmara Municipal), como também das capacidades financeira, humana e técnica que a prefeitura tem para concretizar as ações governamentais no horizonte temporal do mandato.

Nessa perspectiva, o projeto de governo, refletido politicamente e ajustado tecnicamente à realidade do município, é o lastro para planejar a dimensão estratégica do ppa 2022-2025, esboçando a visão 2024 (na acepção de estado almejado para o município e imagem pretendida da gestão pública no último ano do mandato) e moldando os macro-obje- tivos de governo para o quadriênio 2021-2024. E espera-se que esses dois itens que formam a orientação estratégica do governo municipal balizem – setorialmente – as secretarias na estipulação dos objetivos de suas políticas públicas.

No decurso desse processo de planejamento estratégico municipal, vale salientar o quão essencial são os dados demográficos, socioeconômi- cos e financeiro-orçamentários do município, os vários índices nacionais sobre administração pública local (e a posição de sua cidade nos rankings) e as convenções internacionais para a gestão pública neste século XXi. O cotejamento entre as informações básicas municipais,2 as várias medi-

das comparativas produzidas por órgãos públicos e do terceiro setor e os pactos de organismos multilaterais são imprescindíveis para robustecer a dimensão estratégica do ppa municipal.

Nesse diapasão, a Figura 3 realça tanto a imagem oficial dos 17 Objeti- vos de Desenvolvimento Sustentável (ods) da Agenda 2030 da Organiza- ção das Nações Unidas (onu), quanto estampa alguns cartazes que divul- gam indicadores sintéticos como: o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (idHm) do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidades 2. Ver, por exemplo, as bases de dados da munic, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ibge), e da finbra, da Secretaria do Tesouro Nacional (stn) do Ministério da Economia – esta com a sistematização das finanças públicas municipais.

gestão municipal no brasil modernização, cooperação e humanização

no Brasil; o Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEG-M), calculado pelos Tribunais de Contas de vários Estados do país; o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (ifdm); e o Ranking de Competitividade dos Municípios, coproduzido pelo Centro de Liderança Pública (clp) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (sebrae). Esses são alguns referenciais que, obviamente, não esgotam as possibili- dades, mas exemplificam a importância do uso de padrões e evidências, de modo agregado, para interpretar o presente e projetar o futuro das cidades.

Por fim, mas não menos importante, chama-se a atenção dos gestores pú- blicos municipais para o uso parcimonioso de ferramentas de planejamento estratégico. É basilar evitar as modas/modismos gerenciais e adotar méto- dos que sejam condizentes com a estrutura organizacional e os processos de trabalho da prefeitura, privilegiando, sempre que possível, os recursos locais e as tecnologias sociais3 da cidade. Lembre-se: planejamento estra-

tégico municipal é, antes de tudo, um exercício de pensamento e jamais se limita (ou é dependente) de um determinado modelo, sistema e/ou técnica de gerenciamento.

4. conSideraçõeS finaiS

À guisa de conclusão, espera-se que as ideias e dicas deste capítulo, apesar dos contratempos da “segunda onda” da pandemia, sirvam de guia para que as Prefeituras, na gestão 2021-2024 (e também em ciclos futuros, de mandatos futuros), aperfeiçoem a elaboração do plano plurianual, emba- sando-o com os atributos de um PPA estratégico – o que pressupõe um planejamento estratégico municipal. Decerto, qualquer Poder Executivo local, com orientação estratégica de governo e de suas secretarias, fortalece os três “Cs” da gestão pública (quer dizer, a coordenação político-adminis- trativa, a coerência das ações governamentais e a consistência intertem- poral do custeio e do investimento público) no território.

Contudo, se diante das circunstâncias do tempo, durante 2021, não for possível elaborar o ppa 2022-2025 oriundo de um planejamento estratégico municipal, recorde-se dos diversos instrumentos de plane- jamento em uma prefeitura, muitos dos quais obrigatórios e de longo prazo – usualmente, decenais – e que podem ser (re)elaborados, com densidade estratégica, durante os quatros anos de mandato. Nesse rol de instrumentos de planejamento, este texto aludiu, brevemente, a alguns 3. Tecnologia social, grosso modo, engloba produtos e métodos criados (ou adaptados) a partir de recursos locais e empregados para solucionar algum tipo de problema e/ou dar conta de algum tipo de processo, atendendo quesitos de simplicidade, baixo custo, fácil aplicabilidade e impacto comprovado.

gestão municipal no brasil modernização, cooperação e humanização

planos setoriais municipais, como os de educação, saúde, saneamento e mobilidade, bem como assinalou o Plano Diretor, previsto pelo Estatuto da Cidade e aplicado para o planejamento físico-territorial da localidade, todos com impacto tanto na execução de ações governamentais de médio prazo como na direção de políticas públicas para o progresso sustentável e intergeracional da cidade.

Portanto, considerando os macroproblemas do município e o cená- rio desejado de desenvolvimento no futuro – no final desta década, por exemplo, em 2030, pensando os ods da onu –, cabe ao Poder Executivo propor a feitura ou revisão de planos em áreas que sejam prioritárias para a prosperidade da cidade e a qualidade de vida da população. Afinal, como apontam Rezende e Ultramari (2007):

Inúmeras situações podem levar uma cidade a formular um plane- jamento estratégico [municipal]. Um exemplo é a necessidade de criar um consenso sobre um modelo de futuro da cidade de acordo com as mudanças que são produzidas ao redor da mesma, de dar respostas às crises, à recessão dos setores básicos da economia local

e, também, de perseguir uma maior coesão e integração territorial [das políticas públicas]. Essas são as situações que podem facilitar a gestão estratégica das cidades. (rezende e ultramari, 2007, p. 266, grifo nosso)

E tendo em conta a crise sanitária da covid-19 e seus efeitos estrutu- rais e duradouros na economia e na sociedade, em geral, e na dinâmica das cidades e na oferta dos serviços públicos municipais, em particular, é oportuno que cada prefeitura, em conjunto com a Câmara de Vereadores e as organizações da sociedade civil locais, reflita – estrategicamente – sobre as prioridades, as alternativas de ação e a alocação de recursos nas políticas públicas de seu território; mesmo que a premência da política e a emergência da pandemia (para citar um episódio fortuito) imponham atos imediatos no cotidiano da gestão pública.

Raphael Borella Pereira da Silva

Atualmente compõe o time de Parcerias Estratégicas e Relacionamento com Governo na Associação Nova Escola, organização sem fins lucrativos mantida pela Fundação Lemann. Mestre em Análise de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo (usp) e bacharel em Administração Pública pela Universidade Estadual Paulista (unesp). Membro do Lab.Gov da eacH-usp e pesquisador na área de Planejamento Governamental a nível municipal. Possui experiência em consultoria municipal nas áreas de Planejamento, Gestão de Projetos, Gestão da Educação.

Fernando de Souza Coelho

Professor do Curso de Graduação e do Programa de Pós-Graduação – em nível de mestrado acadêmico – em Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (usp). Doutor e mestre em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (fgv) e bacharel em Economia pela USP. Foi visiting professor, em estágio de pós-doutorado, na London School of Economics and Political Science (lse), em 2019, bem como foi presidente da Sociedade Brasileira de Administração Pública (sbap) no período 2016-2018 e coordenador da Divisão Acadêmica de Administração Pública da anpad no triênio 2018-2020. Coordenador do Lab.Gov da eacH-usp.

Ingrid Cristine Rodrigues Nascimento

Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo (USP). Mestranda em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisadora vinculada ao Centro

Brasileiro de Pesquisas Políticas e Sociais e ao Lab.Gov. Coordenadora de Informações e Dados na Secretaria Especial da Juventude na Cidade do Rio de Janeiro.

gestão municipal no brasil modernização, cooperação e humanização

referênciaS

AMORIM, I. T. A institucionalização do plano plurianual (PPA): um estudo no governo federal brasileiro nos períodos de 2000-2003 e 2004-2007. Dissertação (Mestrado em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. COELHO, F. S.; CRUZ, M. C. M. T.; SEIXAS, S. M. T.; REZENDE, G. J. R.; PEREIRA, M. L.; AMBRÓSIO, L. F. A Hora e a vez da institucionalização da transição de Governo Municipal no Brasil. Estadão Política Online (Blog Gestão, Política & Sociedade), 11 de dezembro de 2020.

COELHO, F. S.; SILVA, R. B. P.; CORREA, V.; OLENSCKI, A. R. B. Variações de Densidade Macroestratégica no Planejamento Governamental no Nível Subnacional: por uma tipologia de plano plurianual (PPA) municipal. In: Anais do XLIV EnANPAD – Encontro de Administração da ANPAD, Online, 2020. DEMARCO, D. J.; COSTA, P. A.; ANHAIA, B. C.; SILVA, J. R. Um balanço do projeto de capacitação EAD em planejamento estratégico municipal e desenvolvimento territorial. In: DEMARCO, D. J. (Org.).

Gestão pública, município e federação. Porto Alegre: Editora da UFRGS/CEGOV, 2015. GUERRA, A. L.; CAZZUNI, D. H.; COELHO, R. P. S.; REINACH, S. (Org.). Planejamento público e gestão por resultados: uma experiência municipal aplicada. São Paulo: HUCITEC, 2016. MACIEL, E. A crise do planejamento brasileiro. Revista do Serviço Público, v. 117, n. 1, p. 37-48, jun./set.,1989.

MATUS, C. O plano como aposta. In: GIACOMONI, J.; PAGNUSSAT, J. L. (Org.). Planejamento e orçamento governamental. Coletânea, vol. 1. Brasília: ENAP, 2006. NASCIMENTO, I. C. R.; COELHO, F. S.; OLENSCKI, A. R. B.; SILVA, R. B. P. Plano plurianual com densidade macroestratégica na gestão pública municipal: descrição e análise do processo de elaboração do PPA do Município de Osasco (2018-2021). Teoria e Prática em Administração, v. 10, n. 1, p. 12-24, jan./jun., 2020. OLENSCKI, A. R. B.; COELHO, F. S.; PIRES, V. A.; TERENCE, A. C. F.; PERES, U. D. Densidade macroestratégica na gestão pública municipal no Brasil: uma abordagem analítico-metodológica de PPAS e de variáveis político-administrativas. RACE-

Revista de Administração, Contabilidade e Economia, v. 16, n. 3, p. 911-932, 2017. PARES, A.; VALLE, B. A retomada do planejamento governamental no Brasil e seus desafios. In: GIACOMONI, J.; PAGNUSSAT, J. L. (Org.). Planejamento e orçamento governamental. Coletânea, vol. 1. Brasília: ENAP, 2006.

PEREIRA, L. F.; COELHO, F.S. Planejamento governamental e

capacidades estatais: por uma abordagem multidimensional de análise do Plano Plurianual (PPA) em municípios. In: Anales del X Congreso Internacional en Gobierno, Administración y Políticas Públicas GIGAPP, Madrid, 2019.

REZENDE, D. A.; ULTRAMARI, C. Plano diretor e planejamento estratégico municipal: introdução teórico-conceitual. Revista de Administração Pública, v. 41, n. 2, p. 255-271, mar./abr., 2007.

SILVA, R. B. P. Planejamento governamental com densidade macroestratégica em municípios: um estudo multicaso sobre o Plano Plurianual de Niterói e de Osasco. Dissertação (Mestrado em Gestão de Políticas Públicas) – Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

capítulo 8

Gestão de pessoas, para pessoas e com pessoas