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Ingrid Cristine Rodrigues Nascimento

1. planejar noS municípioS é preciSo!

Em vários livros didáticos de planejamento estratégico, um trecho da obra clássica escrita por Charles L. Dodgson (sob o pseudônimo de Lewis Car- rol), Alice no País das Maravilhas, publicada em 1865 e adaptada como filme para os cinemas em 1951, é recorrentemente citado. A passagem refere-se a um diálogo entre dois personagens do conto, Alice e o Gato:

Alice: — Podes dizer-me, por favor, qual caminho devo seguir para sair daqui? — Isso depende muito do lugar para onde queres ir — respondeu o gato. — Preocupa-me pouco aonde ir — disse Alice.

— Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas — replicou o gato. Acadêmicos e consultores de estratégia organizacional destacam esse excerto da obra, pedagogicamente, como um adágio para qualquer em- preendimento, ou seja: não saber aonde se quer chegar torna todos os caminhos possíveis. Nesse contexto, o planejamento pode ser compreen- dido como uma forma de determinar um ponto (ou os pontos) a ser(em) alcançado(s), proporcionando formas de tomada de decisões conscientes e traçando maneiras de conduzir ações plausíveis.

No setor público, a escolha dos caminhos pode variar substancialmente, de tal sorte que alguns problemas ganham mais relevo que outros na agenda do governo (e das organizações públicas); e mesmo quando os diagnósticos são idênticos ou si- milares, os propósitos políticos e os percursos administrativos podem ser distintos. Em linhas gerais, a função do planejamento estratégico em governos é eleger prioridades e organizar intervenções que partam de uma situação inicial – de necessidades, deficiências, problemas e/ou oportunidades – para uma situação objetiva, no futuro, com a melhoria da gestão e das políticas públicas e de seus impactos para o desenvolvimento socioeconômico. Na administra- ção pública municipal pode-se, de modo ilustrativo, enumerar instrumentos de planejamento como: o Plano Diretor (de Ordenamento Urbano e Terri- torial), obrigatório para os municípios com mais de vinte mil habitantes, os planos setoriais nas diversas áreas de políticas públicas – por exemplo, o Pla- no Municipal de Educação, o Plano Municipal de Saúde e o Plano Municipal de Saneamento –, muitos dos quais são obrigatórios para que as prefeituras recebam recursos de fundos/programas e repasses de convênios federais e estaduais; e o Plano Plurianual (ppa), obrigatório para os 5.568 municípios do país como uma das três peças do Sistema de Planejamento e Orçamento previsto no Artigo 165 da Constituição Federal (cf) de 1988 – além do ppa, há a Lei de Diretrizes Orçamentárias (ldo) e a Lei do Orçamento Anual (loa). Nesta tríade, o ppa é per si um plano de médio prazo, com horizonte temporal de quatro anos, que interpenetra dois mandatos de governo, in- dependentemente de alternância de poder, pelo princípio da continuidade administrativa. A lei derivada do plano de iniciativa do Poder Executivo deve estabelecer, de forma regionalizada (nos municípios subentende-se de forma territorial), as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública para as despesas de capital e outras dela decorrentes, bem como para as relativas aos programas de duração continuada. Teoricamente, trata-se de um plano – inte- grado e multissetorial – das ações governamentais que, naturalmente, requer um planejamento estratégico em cada nível de governo de nossa federação.

Porém, a despeito do ppa ser consagrado pelo nosso marco jurídico-legal, indaga-se: ele é elaborado, estrategicamente, nos nossos municípios? A resposta,

gestão municipal no brasil modernização, cooperação e humanização

sem hesitar, é não! Muitas vezes, o processo é preditivo e rígido e, às vezes, tão somente cerimonial para cumprimento da legislação. Entretanto, a ambiência da ação governamental é, inexoravelmente, situacional e dinâmica, requisitando que a função de planejamento organize-se, de fato, por uma abordagem tecnopolítica no ciclo de gestão pública para ser potencializada. Como afirma Demarco et al.: (...) o PPA não é [e não poder ser] apenas um plano formal ou uma simples peça orçamentária, mas também [deveria ser] uma ferramenta estratégica de gestão pública voltada para a materialização do plane- jamento governamental na forma de políticas públicas [na União, nos estados e nos municípios]. (2015, p. 56)

Não obstante esse desígnio do plano plurianual como “guia das peças or- çamentárias”, e para além de algumas boas práticas de uso desse instru- mento para a gestão por resultados durante alguns governos (federal e subnacionais), percebe-se que, nacionalmente, o ppa é subutilizado para o planejamento e a gestão estratégica governamental no setor público brasileiro desde a sua institucionalização na cf de 1988 e seus desdobra- mentos nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos municípios. Nos municípios, sobretudo os de pequeno e médio porte, nos quais é comum uma ausência ou insuficiência de capacidade técnico-administra- tiva, a elaboração do plano plurianual restringe-se, comumente, à forma- lidade jurídico-legal, marcado por um processo burocrático.

Considerando essa realidade de planos plurianuais municipais que são meramente “peças de ficção” e que não ensejam reflexão nas prefeituras pe- rante o ato estanque de “copiar e colar” as informações do ppa prévio (atuali- zando somente os valores financeiros do orçamento), este capítulo apresenta, a seguir, algumas ideias e dicas em prol de um ppa que seja elaborado a partir de um planejamento estratégico municipal no ciclo de gestão 2021-2024.

Sem dúvida, o ppa, sendo um plano macrogovernamental com periodi- cidade de quatro anos, uma vez elaborado com densidade estratégica nos mu- nicípios, tem potencial para reverberar, na sequência, nos planos setoriais da

localidade e na construção de cenários desejados e/ou exploratórios de longo prazo para o território. Tal fato justifica o foco deste texto nesse instrumento.

2. ideiaS para um ppa oriundo de um planejamento