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ideiaS para um ppa oriundo de um planejamento eStratégico municipal

Ingrid Cristine Rodrigues Nascimento

2. ideiaS para um ppa oriundo de um planejamento eStratégico municipal

O professor Everardo Maciel, escrevendo sobre a importância do plane- jamento público no Brasil, no bojo da promulgação da cf de 1988 e do desponte do processo de descentralização, afirmara:

Planejamento significa, nessas circunstâncias [de transformação do Es- tado brasileiro com a cf de 1988], a ordenação do processo de desenvol- vimento. A adoção de um procedimento contínuo e sistêmico com vistas

à tomada de decisões governamentais. A escolha racional e democrática do futuro, compatibilizando meios e fins, com as condicionantes de me- nor custo possível e de máxima eficácia. O esforço para enfrentar riscos e incertezas na forma mais acertada. A hierarquização dos objetivos e recursos. A compreensão da realidade enquanto ferramenta para escolha

das prioridades. A opção por regras adaptativas que permitam a convi- vência com contradições e mudanças. (maciel, 1989, p. 40, grifo nosso) Na ocasião, no transcurso da redemocratização do país e diante da redefinição do Estado (e do modelo de planejamento público) na década de 1980, era mister reorganizar a função de planejamento na administração pública considerando as mudanças políticas, econômicas, sociais e jurídicas como: a relação entre Estado e sociedade civil, a crise fiscal que atravessou a “década perdida” de estagflação de 1980, o reconhecimento dos direitos sociais (com a organização de sistemas de políticas públicas universais de cooperação federativa, a posteriori) e o reor- denamento do modus operandi da gestão pública brasileira com a cf de 1988. Neste contexto, o ppa, positivado na Carta Magna, emergia com três funcionalidades traduzidas na ideia de que: as ações de governo devem ser pla- nejadas em um ciclo de gestão pública de quatro anos (elaborado no primeiro

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ano de governo, entra em vigor no segundo ano e finaliza no primeiro ano do governo subsequente), prezando pelo princípio da continuidade administra- tiva entre os mandatos do Poder Executivo e tendo como referência a gestão por resultados com o enunciado de objetivos/metas para as políticas públicas. Entretanto, como mencionado na primeira seção deste capítulo, o ppa, nas prefeituras, tem muitas dificuldades para se apresentar, de fato, como um planejamento estratégico municipal. Essa limitação impacta em todo o “ecossistema” de políticas públicas locais, uma vez que não se estabelece, por exemplo, interfaces entre a programação do plano plurianual com as diretrizes dos planos setoriais; imagine, a título de ilustração, a falta de inte- gração entre as ações do ppa com dispositivos de alguns dos instrumentos de planejamento urbano (Plano Diretor, Plano de Saneamento e Plano de Mobilidade) em uma cidade. Falhas ou lacunas como essas advêm de dois padrões de ppa que são comuns nos municípios do país, quais sejam:

• O ppa procedimental, uma peça formalista na qual o município adéqua,

a cada quadriênio, os planos com muita semelhança ou, em alguns casos, exatamente com a mesma forma e conteúdo que o seu antecessor, sem qualquer reflexão e realizando um processo de copy paste. Muitas vezes, é contratada uma empresa de consultoria local/regional ou um escritório de contabilidade, os quais não possuem expertise para a análise da realidade do município, resultando em um produto – plano plurianual – desqualificado e/ou sem nexo com sua ambiência. Preenchem-se as planilhas e faz-se uma minuta de projeto de lei, sem nenhum apuramento; neste padrão, é comum encontrar ppas municipais com programas destinados a setores que não fazem parte da localidade, como, por exemplo, ações para revitalização de bacias hidrográficas em municípios que não têm rios em seus territórios. En- fim, o objetivo do ppa procedimental é cumprir a lei, entregando um plano no prazo, sem, no entanto, se preocupar com a congruência do documento.

• O ppa técnico-determinista, cujo cerne é a relação do planejamento

do direito financeiro. Ou seja, é um ppa consistente sob o ponto de vista técnico, restringindo a elaboração do plano à confecção do orçamento. Neste caso, busca-se o apoio de empresas consultorias e escritórios de contabilidade, ou mesmo utiliza-se da estrutura da Secretaria Munici- pal de Finanças, Planejamento e/ou Administração, tendo um foco na função orçamentária sem qualquer orientação estratégica de governo. Geralmente, adéqua-se às ações (projetos/atividades) da localidade de acordo com a agenda dos entes federal e estadual, reproduzindo os programas sem pensar sobre a realidade do município.

Logo, tanto o ppa procedimental como o ppa técnico-determinista não caracterizam a elaboração de um plano plurianual oriundo de um planeja- mento estratégico municipal; o ppa estratégico, perceptível em uma minoria de prefeituras, envolve, segundo Pares e Valle (2006), aspectos como: arti- culação do instrumento com o planejamento de base territorial e os planos de longo prazo, princípios de governança pública (como a responsabilização com resultados) e integração entre o plano e o orçamento público.

Considere, para elucidação, o primeiro aspecto, pensando em uma situa- ção-problema de articulação entre vários planos em um município. Conjectu- ra-se como o projeto político-pedagógico (ppp) – de base territorial – desen- volvido no âmbito de cada escola pública local poderia, idealmente, subsidiar a elaboração do ppa municipal. A partir da análise do ppp elaborado por cada unidade escolar e entregue à Secretaria Municipal de Educação, o ppa teria subsídios para introjetar a realidade das escolas nas ações governamentais. Em adição, o plano plurianual deve dialogar com os instrumentos de planejamento da Educação – setorial e multinível na federação – como os planos Nacional, Estadual e Municipal, fundamentando a elaboração do(s) programa(s) de educação baseado nas diretrizes de longo prazo dessa política pública.

Amparado nas teorias de planejamento governamental (as quais não são tratadas neste capítulo), bem como no conceito de densidade estraté- gica municipal, desenvolvido por Olenscki et al. (2017), a ideia de um ppa estratégico nas prefeituras relaciona-se com a realização de um processo

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de planejamento e a elaboração (e gestão) de um plano que observam oito atributos:

1. Apresentação do Plano e Cumprimento dos Dispositivos: confor-

midade do ppa do município com a forma e o conteúdo mínimo do plano; deve-se observar se constam diretrizes de governo e objetivos e metas para as ações, bem como se a estrutura está de acordo com os dispositivos legais nacionais e mesmo da Lei Orgânica Municipal.

2. Realização de Diagnóstico: realização de algum diagnóstico munici-

pal para subsidiar o processo de planejamento e a elaboração do plano. Um levantamento de informações objetivas da localidade (índices de desenvolvimento e indicadores de políticas públicas, por exemplo) e de uma apreciação subjetiva da realidade (qualidade percebida dos serviços públicos pela população, por exemplo) é vital para compreender os ma- croproblemas e definir os objetivos de Governo – bem como os eixos e setores estruturantes – para organizar as ações sob a forma de programas.

3. Mecanismos de Participação: a participação se divide em dois pro-

cessos: o intraburocrático, referente ao envolvimento das diversas áreas da prefeitura (secretarias ou departamentos, por exemplo) e os vários níveis da burocracia municipal no processo de elaboração do ppa; e o popular, que abrange instituições formais de participação da sociedade civil (conselhos gestores, conferências e audiências públi- cas) e relações dialógicas com atores sociais que podem ser presenciais (reuniões com associações de bairro e movimentos sociais) ou por interação de e-gov com o uso de plataformas, redes sociais e aplicati- vos. Recordando a redação da Lei Complementar nº 131, de 2009, à Lei de Responsabilidade Fiscal (lrf), a relação entre transparência, participação e controle social em torno do processo de planejamen- to-orçamento governamental pode ser promovida pelo “I - incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante

os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos [anuais]”.

4. (Re)articulação com planejamento de longo prazo e com as de- mandas de base territorial: a articulação com planejamento de longo

prazo refere-se, principalmente, à organicidade dos planos municipais setoriais e de que forma as diretrizes desses planos se desdobram nos programas do ppa. Pense, hipoteticamente, a implementação da Base Nacional Comum Curricular (bncc) na educação pública local; os municípios, neste caso, são obrigados a elaborar seus Planos Munici- pais de Educação e, por conseguinte, os objetivos de tal plano setorial devem ser desdobrados nas ações do ppa. A mesma articulação deve considerar as demandas de base territorial que advêm das escolas públicas municipais a partir dos seus projetos político-pedagógicos (ppp). Em suma, o ppa deve cotejar, transversalmente, os vários planos setoriais do município – Educação, Saúde, Meio Ambiente, Saneamento, Mobilidade Urbana, etc. – e os diversos planos orga- nizacionais dos órgãos, entidades e unidades administrativas locais.

5. Formulação de Programas com Acuracidade: nos planos plurianuais

procedimentais e técnico-deterministas é evidente que os programas não têm método e concatenação no seu design, considerando a tríade problema-ação-resultado. Isto é, um programa deve ir muito além de uma função e uma alocação orçamentária, o que pleiteia uma gestão de projetos com metodologia desde a identificação do problema até o estabelecimento dos critérios para a avaliação de seus resultados. Um

checklist para analisar a acuracidade dos programas de um ppa abarca

os 10 itens listados, abaixo, em termos de refinamento e lógica:

Denominação do programa: nome fantasia Justificativa: qual é o problema?

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Público-alvo: quem será beneficiado?

Estratégia de implementação: como fazer e quais são as macroetapas? Unidade responsável e gerente: quem fará e quem acompanhará? Horizonte temporal: por quanto tempo?

Valor e estratégia de financiamento: quanto custará e como custear? Ações: o que será ofertado e como será organizado – projetos e/ou atividades?

Avaliação e indicadores: como medir o resultado?

6. Integração entre ppa e Orçamento Público: um plano plurianual

sem a integração com o orçamento público não é estratégico. Para se garantir a implementação das políticas públicas pela execução dos programas e, assim, ter perenidade da ação governamental, é neces- sário vinculá-la a um orçamento concreto e exequível, que considere o panorama econômico-fiscal do município e as estratégias de finan- ciamento. Em outras palavras, é improfícua a elaboração do ppa mu- nicipal (médio prazo) sem o seu alinhamento com a ldo e a loa a cada ano do ciclo de gestão, e vice-versa.

7. Compromisso e Responsabilização com Resultados: baseia-se

na gestão por resultados do plano e de seus programas, com a de- vida contratualização de objetivos entre o governo e os órgãos e as entidades públicas executoras; isto é, as ações devem ter acordos de desempenho, serem gerenciáveis por áreas e equipes de trabalho, e as organizações devem ser estruturadas para atingir as metas e serem responsabilizadas pela performance. Destarte, o ppa compele uma modelagem da estrutura organizacional e dos processos gerenciais na prefeitura para uma implementação com êxito.

8. Processo de Monitoramento & Avaliação (m&a): a gestão por re-

sultados depende, igualmente, de um processo de m&a. O monitora- mento durante os quatro anos do ppa é fundamental para a “correção

de rumo” na gestão tática-operacional de cada programa. E a avalia- ção, por sua vez, tanto subsidia o diagnóstico municipal como orienta o processo decisório e a elaboração das ações de governo a cada ciclo de gestão, abrangendo a mensuração do uso racional dos recursos (eficiência), a entrega dos serviços públicos (eficácia) e o impacto das políticas públicas sobre o beneficiário (efetividade) com o uso de indicadores, respectivamente, de processo, produto e resultado.

A priori, um plano plurianual municipal que contemple todas essas pro-

priedades – supramencionadas – pode aparentar um processo e um plano inalcançável. Todavia, apesar de não ser regra, mas exceção, o ppa estra- tégico é praticável nas prefeituras. Ilustrativamente, citam-se dois casos estudados por coautores deste capítulo em pesquisas acadêmicas realiza- das recentemente: Niterói (rj) e Osasco (sp), municípios que se destacam na área de planejamento e gestão, referenciados na literatura nacional de administração pública e identificados com densidade estratégica nos seus ppas de 2014-2017 e 2018-2021.

Niterói (rj) notabiliza-se, além da gestão por resultados, pelas ações de participação da sociedade civil nos processos de planejamento, legitimando a elaboração dos programas a partir da iniciativa “Niterói Que Queremos”, atrelada ao plano plurianual. No caso de Osasco (sp), o uso de diagnósticos e a participação intraburocrática se mostraram fulcrais para a elaboração do ppa, operacionalizados a partir da criação de estruturas organizacionais, como a Secretaria de Planejamento e Gestão (seplag) e o escritório de projetos.1

Alguns podem argumentar que esses dois municípios não servem de parâmetro para a realidade brasileira, haja vista a capacidade financeira, humana e técnica de suas prefeituras em comparação às pequenas e médias localidades. Não obstante, independentemente da complexidade do plano e do tamanho do orçamento, que variam de acordo com o porte da cidade, 1. Para uma análise desses dois casos, com a apresentação da metodologia e dos resultados pormenorizados, ver os trabalhos de Silva (2018) e Pereira e Coelho (2019). Ademais, indica-se a consulta de um livro didático, com linguagem para o gestor público municipal, que detalha o caso de Osasco (SP), intitulado Planejamento público e

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o importante é que a dimensão estratégica do ppa seja tencionada a partir dos recursos locais, como demonstrado na próxima seção deste capítulo.

3. dicaS para a elaboração do ppa municipal