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federaliSmo braSileiro: origenS, caracteríSticaS e cooperação

Marcos Camargo Campagnone

1. federaliSmo braSileiro: origenS, caracteríSticaS e cooperação

As Regiões Metropolitanas e os Consórcios Intermunicipais são resultado do desenvolvimento e da história do federalismo em nosso país. Por isso, entendemos como essencial que o capítulo assuma a missão de contextua- lizar esse conceito, olhando para peculiaridades do caso brasileiro.

Federação é uma forma de organização do Estado a partir do territó- rio e também um pacto de articulação do poder central com os poderes regionais e locais (affonso e silva, 1995). O federalismo é “a forma mais bem-sucedida de equacionar democraticamente o conflito entre os níveis de governo” (abrucio e costa, 1998). É uma forma de organização ter- ritorial do Estado que define como as partes da nação devem se relacionar entre si (abrucio, franzese e sano, 2013).

No caso brasileiro, pode-se dizer que já construímos um federalismo “tipicamente nosso”, principalmente se considerarmos o nível de autono- mia que a Constituição Federal atribui aos municípios no desenho fede- rativo. Em Bercovici (2002) encontramos uma linha do tempo que nos ajuda a compreender de maneira organizada a trajetória de maturação do federalismo brasileiro, principalmente no que diz respeito às possibilidades de cooperação entre os entes federados. O autor lembra que em 1891, na alvorada da República, o texto constitucional praticamente ignorava a pos- sibilidade de cooperação entre os entes federados. Os Estados só poderiam pedir auxílio da União em caso de calamidade pública. Apenas em 1934 é que foi instituído um federalismo cooperativo com uma nova constitui- ção, na qual o Artigo 9º falava da possibilidade de acordos de cooperação

gestão municipal no brasil modernização, cooperação e humanização

entre União e Estados. A Constituição de 1946 “consolidou a estrutu- ra cooperativa no federalismo brasileiro”, institucionalização justificada principalmente pela necessidade de corrigir desequilíbrios regionais. A ditadura militar, e sua tendência centralizadora, fez com que o federalismo praticamente desaparecesse, na prática. A ênfase na cooperação renasceu com a Constituição de 1988 (bercovici, 2002).

A Constituição Federal de 1988 elevou os governos municipais ao

status de entes federativos, atribuindo um nível de autonomia financeira,

política e administrativa jamais experimentado em outro momento na história republicana do país. Escolhemos o federalismo como modelo para dar conta da nova jornada democrática iniciada com a Constituição de 1988 e, como bem lembra Abrucio (2015), as relações intergovernamen- tais constituem peça-chave de qualquer federação. Junto com essa nova dinâmica de relações interfederativas, inaugurada com o novo patamar de autonomia dos municípios, cresce também, como lembra o autor, a com- plexificação das políticas públicas. Cresceu, portanto, “a necessidade de entrelaçamento e coordenação entre os níveis de governo, rompendo com o modelo clássico de federalismo em que predominava uma separação que definia de forma estrita as funções de cada ente” (abrucio, 2015). Após a redemocratização, e com a ascensão do texto constitucional de 1988, também foi grande o clamor pela municipalização; e uma das principais estratégias do Governo Federal foi induzir a descentralização de políticas sociais para os governos subnacionais (abrucio e sano, 2013).

Bercovici (2002) também ajuda a distinguir os conceitos de coorde- nação e cooperação e as relações de interdependência no federalismo coo- perativo brasileiro. Na cooperação descrita por Bercovici, ocorre um “coe- xercício de competências e, por conseguinte, uma corresponsabilização das atuações”. Na cooperação federalista há interesse comum institucionalizado, a ponto de viabilizar a existência de um mecanismo unitário de decisão, do qual participam todos os entes federados envolvidos. Se partirmos dessa visão, não será difícil enxergar que os consórcios se configuram como um bom exemplo de cooperação federativa voluntária no Brasil.

Também é importante pontuar que, nesse contexto de federação, as relações intergovernamentais não ocorrem apenas de maneira vertical ou exclusivamente entre ordens distintas de governo, mas também pela inte- ração horizontal entre entidades governamentais de mesmo nível territo- rial, como bem lembra a obra de Abrucio e Sano (2013). Também apontam os consórcios públicos como exemplo. “O mecanismo de consorciamento foi amplamente difundido na área da saúde e, mais recentemente, outros setores têm se beneficiado do instrumento (...) Essa forma tem se desen- volvido principalmente a partir da atuação de diferentes ministérios, que têm criado mecanismos para induzir os governos municipais a adotarem formas cooperativas de ação” (abrucio e sano, 2013). Costa, Cunha e Araújo (2010) não tratam especificamente de consórcios intermunicipais em sua análise, mas concordam que o “federalismo cooperativo surgiu com a necessidade de atender às demandas sociais e se constitui alternativa para a resolução de problemas práticos”. Lembram também que é possí- vel estabelecer objetivos comuns e ações compartilhadas, em diferentes regimes de cooperação, entre municípios com capacidade de articulação política (costa, cunHa e araÚjo, 2010).

Outra pergunta possível ao se analisar o tema da cooperação no fede- ralismo brasileiro é a influência da falta de regulamentação do Artigo 23 da Constituição Federal. Ao deixar de definir com clareza as atribuições comuns e exclusivas de cada ente federativo, o artigo pode ser fonte de problemas e de competição. Vedana (2002), por exemplo, fala da necessidade de um novo pacto federativo em que cesse a “indefinição constitucional” expressa pela “falta de regulamentação do Art. 23 da cf” (vedana, 2002). Freitas (2008) compreende, no entanto, que ainda que o artigo não tenha sido regulamenta- do, várias alterações importantes na legislação brasileira já ocorreram desde a promulgação da última Constituição Federal. São legislações como a Emenda Constitucional 19 de 1998, que permitiu, por exemplo, a criação de consórcios públicos, e a Lei nº 11.107, de 2005, que disciplinou esses consórcios (frei- tas, 2008). Antes da existência de uma lei específica para os consórcios pú- blicos, os instrumentos de parceria e cooperação no plano subnacional eram

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frágeis institucionalmente, com um cenário em que a criação de instâncias supramunicipais demonstravam pouca efetividade (abrÚcio, 2001). Costa e Silva (1996) também falavam da extrema dificuldade de se estabelecerem mecanismos permanentes de cooperação entre municípios ou estados “para a solução de problemas comuns” e já sugeriram a criação de instâncias regio- nais para negociação e implementação de políticas públicas (costa e silva, 1996). A Emenda Constitucional 19 e a Lei dos Consórcios mudaram esse contexto. Essas legislações tornaram “menos premente” a necessidade de regulamentação do Artigo 23 (freitas, 2008). O pensamento de Freitas concorda com Bercovici (2002), para quem a falta de regulamentação do Ar- tigo 23 é apenas um sintoma e não a causa do problema. O autor acredita que o problema é a falta de políticas nacionais coordenadas, muito mais do que a mera repartição de competências concorrentes e comuns (bercovici, 2002). Tanto no caso dos consórcios intermunicipais quanto no caso do agrupamento em regiões metropolitanas, o que vemos é um “combate” ao que Daniel (2001) chamou de municipalismo autárquico. No conceito cunhado pelo então prefeito de Santo André (região em que nasce um dos símbolos da cooperação interfederativa no país, o Consórcio Intermuni- cipal do Grande abc), a suposição é de que as Prefeituras, no contexto aqui descrito do federalismo brasileiro, partem do pressuposto de que sozinhas podem formular e implementar políticas públicas, dependen- do única e exclusivamente de sua autonomia política, financeira e admi- nistrativa, constitucionalmente constituídas. Essa visão quase ingênua é também irreal, já que existem problemas regionais, estaduais e até de impacto nacional que desconhecem as fronteiras municipais. A realidade não entende os limites geográficos e a necessidade de cooperação pode emergir, de acordo com a dinâmica dos problemas públicos. Mesmo assim, nesse contexto, as Prefeituras só aceitam cooperar quando os custos da não cooperação são muito altos (daniel, 2001). Os prefeitos e as lideranças municipais não querem correr o risco de ceder poder, perder influência sobre a agenda pública, e também não querem ajudar a criar um contexto em que a própria autonomia da cidade fique ameaçada.

2. conSórcioS intermunicipaiS: expreSSão do