• Nenhum resultado encontrado

3. RESISTÊNCIAS E RE-EXISTÊNCIAS DO CINEMA NEGRO BRASILEIRO

3.2. As disputas do campo audiovisual: racismo e poder em questão/tensão

3.2.2. Dificuldades como cineastas

A diretora Larissa Fulana de Tal destaca que as dificuldades estão principalmente relacionados a conhecimentos específicos do campo, ao que tange, o fazer de um cineasta. Que está para além dos conhecimentos técnicos para criação artísticas. Envolve conhecimento desde elaboração de um projeto para captação à relações interpessoais dentro campo – ou seja, relações com agentes legitimadores, de maior acúmulo de capital simbólico.

Então, acho que as dificuldades são inúmeras. E acho que aprender a linguagem do edital. Como acessar? como realizar? O processo de prestação de contas. O processo de saber as outras instâncias de financiamentos, de investimento da cultura. Tudo é um processo de informação. Às vezes é uma informação que abre portas. Então acho que é importante saber um pouco disso, assim. Então é muito mais uma questão de aprendizado... Aprendizado, relações e questões políticas – que são muito foda né. (ANDRADE, 2016)

Embora, Edson Ferreira concorde a Larissa, no qual, enfatiza a necessidade de dominar os códigos do campos (BOURDIEU, 2005a; 2005b) para se obter sucesso nele. A sua compreensão evidencia para a necessidade de acúmulo de capital cultural e social como um dos requisitos essenciais para se manter competitivo no campo. Pondera ao afirmar que esta trajetória é mais complicada para diretor negro que são procedentes de camadas mais populares. Por outro lado, não deixa de considerar também a interferência do preconceito racial, isto é, o estigma de um negro não se capaz de executar determinadas funções na sociedade.

Se nós formos olhar no campo de financiamento público, que é onde nós somos... onde estamos mais inseridos. Você precisa, invariavelmente, de sentar e preparar um bom projeto. E sentar e preparar um bom projeto envolve você ter conhecimentos que para uma grande parte da população, eu diria em geral, é mais difícil...porque você precisa ter não apenas uma vontade de fazer, mas você precisa de conhecimento de certa maneira, acadêmico. Você precisa aprender a escrever bem, você precisa ter uma rede de contatos que vão te ajudar a formatar o projeto, e isso acaba caindo na questão da formação deste realizador, que muitas vezes é aquele realizador que pega a câmera e vai fazer, e muitas situações ele precisa realmente formatar um bom projeto e ele esbarra em uma série de dificuldades pra fazer isso porque muitas vezes são realizadores que não veem de uma formação acadêmica consistente. São pessoas que não passaram não só por escolas de qualidade ou não tem uma rede de contatos que te permita fazer um bom projeto porque precisa ter uma bagagem de literatura, uma bagagem de assistir muitos filmes, de assistir muita peça e isso envolve grana. E aí, eu você vê muitos diretores, amigos meus, que falam “ah, eu não vou entrar em edital porque é sempre os mesmos que ganham”, realmente são sempre os mesmos que ganham, e porque será que são os mesmos que ganham? porque são aqueles que formatam bons projetos. Claro, existem situações, mas você precisa ser competitivo nesse campo e muitas vezes isso não é possível. Até porque esse realizador negro vem de uma camada menos abastada e que precisa trabalhar e precisa fazer e ele não tem tempo de se dedicar a isso. Isso para a população em geral é mais difícil e para uma população negra é mais ainda. Então eu sinto essa dificuldade por conta disso. É claro que esse realizador bater na porta de alguém pra conseguir algum tipo de financiamento privado ele vai esbarrar em uma dificuldade pelo fato dele ser negro e por acharem que é uma pessoa que não tem capacidade. É aquela velha máxima do discurso de direita que é um trabalho que não tem nenhuma finalidade específica e é um artista, se é que o consideram como tal, e que não tem nada a contribuir e não vai ser financiado. Então eu sinto isso. (SILVA JR, 2016).

O diretor André Novais de Oliveira ressalta a partir de sua experiência nos festivais a presença ínfima ou quase inexistente de cineastas negros e negras – o quadro é mais agravante em relação a presença de cineastas negras. Salientando a dificuldade dos realizadores negros e negras, de periferia, em obter acesso a recursos financeiros para suas produções. Para ele, sendo mais um processo relacionado ao racismo realçando sua faceta dissimulada.

Como tem esse sistema dos editais que a gente envia projeto e fica aguardando ser analisado, é difícil saber se teve algum problema relacionado a isso. Mas uma coisa é muito doida de notar é que nesses anos que eu estou fazendo, desde 2004, que eu estou frequentando festivais, convivendo com pessoas assim, você vê que tem uma parcela bem pequena de negros fazendo cinema, diretores e diretoras negras. Diretoras negras menos ainda. Mas tem isso e acaba que nos festivais sinto de certa forma meio... meio que um peixe fora da água, de não ver meus iguais, principalmente essa coisa de pessoas da periferia também. Sentir em um lugar totalmente elitista que às vezes oprime bastante. Eu senti que estou lá, mas de certa forma meio resistente e por ser de periferia, ser negro, ser pobre. [...] Mas é isso, não tem jeito de saber exatamente. A gente sabe mais ou menos como o racismo funciona. Então é difícil saber isso, mas a gente sabe mais ou menos como funciona as coisas. Às vezes as coisas se tornam bem difíceis por causa da sua origem, por causa da sua cor. (OLIVEIRA, 2016)

Para a diretora Viviane Ferreira as dificuldades no que se refere a produção de cineastas negors está em um dos principais mecanismo de funcionamento do campo, que são, as instituições de fomento, por meio de suas comissões avaliadoras. No qual, sugere que as narrativas negras causam estranheza aos avaliadores, em que as consequências, óbvia, é a dificuldade de aprovar projetos, quando aprovam, não conseguem captar. “Ele é um projeto estranho porque o espaço [comissão que avalia os projetos] não está preparado para recebê-lo. É uma perspectiva que causa estranheza e que muitas vezes é posta num lugar de equívoco” (CRUZ,2016). Para a diretora, é reflexo da estrutura de exclusão do Estado brasileiro referente as diversidades das demandas de sua população, mesmo num campo onde mais 90% dos recursos são financiamento estatal. Nesse sentido, em seu ponto de vista, o realizador negro terá sempre mais tempo pra produzir seu próximo filme. E, acredita, que o caminho é elaboração de políticas públicas sensíveis para esse grupo social.

E aí quando você vai olhar pra todas as propostas cinematográficas que partem da subjetividade da existência negra em território nacional, essa subjetividade é heterogênea. E aí você precisa de um espaço preparado pra perceber e reconhecer toda essa diversidade, toda essa diferença sem estranheza. Dentro da normalidade da existência de todas essas formas, de todas essas perspectivas. A gente vive um momento de muita dificuldade de convencer quem tem a gerência e o domínio desses recursos de que a nossa perspectiva audiovisual é passível de receber os financiamentos também. Quando você pensa que mais de 90% dos recursos investidos em audiovisual no Brasil são recursos públicos, a nossa batalha é com relação ao estado. A existência negra é estranha ao Estado brasileiro. O Estado brasileiro não admite a nossa existência. Seja no audiovisual negro, seja no teatro negro, seja em qualquer vertente da economia cultural que é fomentada por esse Estado. O comum é eu chegar em qualquer espaço, meu projetos chegarem nos espaços e serem recebidos com estranheza. E aí não dá pra acreditar que fazendo o cinema que escolhi fazer eu possa me dedicar apenas a escrever os meus roteiros e dirigi-los. É preciso me dedicar a abrir outras frentes de diálogos com esses espaços. Pensar, propor e ajudar a articular políticas públicas para que o Estado

entenda, compreenda e abdique da estranheza ao olhar pra nossa existência. Acho que é basicamente isso. E isso requer tempo. Como requer tempo é mais uma faceta do racismo, é mais uma mazela do racismo um cineasta ou uma cineasta negra no Brasil que escolhe produzir a partir do registro do cinema negro ter que dormir tranquila com a certeza de que vai demorar mais tempo do que qualquer outro cineasta no país pra reunir o dinheiro necessário pra realizar sua próxima obra. (CRUZ, 2016)

Considerando o trecho final da declaração da Viviane Ferreira, no qual, sinaliza para uma característica do campo ao destaca a regularidade da produção de um diretor negro ou negra. Problemática que está intimamente relacionada com a dificuldade de acesso aos recursos de produção. É interessante observar que até o momento da realização desta pesquisa somente André Novais Oliveira tinha assegurado investimento para a realização de seu próximo filme. Recurso de um edital de longa B.O, estado de Minas Gerais.