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3. RESISTÊNCIAS E RE-EXISTÊNCIAS DO CINEMA NEGRO BRASILEIRO

3.2. As disputas do campo audiovisual: racismo e poder em questão/tensão

3.2.3. Sobre condições de produção

Ambos cineastas passaram pelo processo semelhante no início de suas carreiras. Geralmente, os primeiros filmes foram realizados com recursos próprios. A medida que dominavam os códigos do campo (as “leis de funcionamento”), e consequentemente, houve um processo de amadurecimento em suas criações artísticas, no qual, proporcionaram o acesso de alguns editais públicos de fomento. Outro ponto a ser destacados, todos concordam que o advento do cinema digital proporcionou que o custo de produção ficasse menor. O acesso as câmeras digitais de boa qualidade é mais acessível do que nos tempos do cinema de película.

É interessante destacar os “arranjos criativos” que alguns deles se submeteram para a realização de seus projetos. Estendendo-se desde a utilização do dinheiro do aluguel à utilização de um recurso financeiro para realização de um curta-metragem e produzir um longa-metragem. Refletindo a determinação de contar sua história independente dos percalços e obstáculos de suas trajetórias.

Eu fiz o Auroras de Ébano, que foi com recurso próprio. Fiz o Frames, que foi um documentário sobre fotojornalistas (ele falou uma palavra que não entendi) no estado, e foi um documentário de maneira bem precária porque eu tinha acabado de fazer o Auroras e aí eu tava sem grana, depois eu acabei vendendo a minha câmera e eu só tinha uma câmera cyber shot, uma câmera fotográfica. E era uma época em que você dizer que fazia um projeto com câmera fotográfica ninguém fazia. Hoje você tem aí a 5D da vida que fazem isso a torto e a direito, mas na época não... aí eu acabei fazendo com câmera fotográfica e registrei e foi um projeto bem experimental de documentar a vida de fotojornalistas feito com uma camerazinha básica e com recurso próprio também. Depois eu fiz o Marcas da Vila, que é o projeto que foi o meu TCC da minha especialização em audiovisual. Então foram esses três projetos feitos. Fiz um videoclipe também sem recurso próprio, um ou dois videoclipes sem recurso próprio, com recurso próprio (corrigindo). E depois veio o Sombras do Tempo e o

Entreturnos que foram com recursos. Quer dizer, é um salto grande porque você começa… e eu acho que aí entra um ponto fundamental que é o empoderamento que você passa a ter. Porque você sai de projetos que custam algumas centenas de reais para projetos em que você entra nos 5 dígitos, ou no 6 e 7 dígitos. [...]

Eu sinto que esse salto de qualidade veio também por conta de você ter mais pessoas que acabam te orientando, te auxiliando nesse processo de construção da história, desde a concepção do roteiro até o produto final. Eu sinto que esse financiamento acaba colaborando para um salto de qualidade e de entendimento de uma maneira mais intensa de que você é um negro que está fazendo. É um negro que ganhou o edital. Um negro que não está só ali como assistente, que não está só como alguém que carrega a caixa. Você não tem essa hierarquização que você vê em outros campos da sociedade. (SILVA JR, 2016)

Os primeiros, tirando os filmes da escola livre, os primeiros tipo o “Fantasmas”, “Um pouco mais de um mês” foram feitos bem na “tora” mesmo, sem dinheiro ou com pouco dinheiro. Infelizmente sem poder pagar a equipe. Foram feitos basicamente sem grana mesmo. Os filmes da Filmes de Plástico em geral daquela época, de 2009 até 2012, 2013 mais ou menos, a maioria era feito sem dinheiro de edital. Tem um curta nosso de 2011 que foi o primeiro filme que a gente fez com edital, que é um curta do Gabriel que se chama “Dona Sônia pediu uma arma para o seu vizinho Alcides”, esse passou no edital de Minas Gerais. Foi o primeiro. E tem a coisa do “Ela volta na quinta” também, que é um caso diferente também porque ele ganhou edital, só que ganhou edital pra gente fazer um curta e a gente acabou pegando o dinheiro e fazendo um longa. [...] Ele ganhou R$ 87 mil em um edital de Minas Gerais – que é o mesmo edital que “Dona Sônia...” passou e, aí eu vim trabalhando o roteiro e achei que estava mais para um longa. Usamos uma equipe bem reduzida, infelizmente pagamos pouco como se fosse para fazer um curta mesmo. E tinha uma coisa que beneficiava essa coisa de ter pouca gente, de ser um filme menor, de se passar grande parte do filme na casa dos meus pais. Mas foi isso. (OLIVEIRA, 2016).

Eu divido a minha trajetória cinematográfica com relação aos recursos em duas etapas: uma é a etapa dos filmes-ansiedade e a outra etapa dos filmes-sem ansiedade. Os filmes que eu fiz até 2010, o “Dê sua ideia, debata”, “Marcha noturna”, “Festa da mãe negra”, “Memórias da Juaniza” e “Mumbi” foram filmes com poucos recursos. Pelo menos dos cinco filmes, exatamente quatro deles, exceto “Memórias da Juaniza” que a gente ganhou o VAI, que é um edital de incentivo a programas culturais lá em São Paulo. Na época o VAI era R$17 mil e a gente ganhou um VAI pra fazer um curso de audiovisual com adolescentes de escola pública lá em São Paulo, e o resultado seria o documentário sobre as memórias daquele bairro, Vila Juaniza. Dos primeiros, o “Vila Juaniza” teve um dinheirinho que foi desse lugar. Pensando em cinema era um dinheiro mesmo. Continuava sendo um filme-ansiedade. Agora o “Dê sua ideia, debata”, dinheiro de aluguel. Tipo, está devendo dois meses de aluguel e fazer o filme e ficar dialogando com a imobiliária pra ela entender que tinha que dividir lá em algumas parcelas. O Mumbi a mesma coisa. O Marcha Noturna e o Festa da Mãe Negra, escambo entre amigos mesmo. Foi aquela coisa de juntar os amigos e fazer e tal. Eu já tinha câmera, tinha ilha de edição, tudo muito recursos próprios.

O Dia de Jerusa é um filme que vem nesse lugar. E aí a gente disputou dois anos. Ficou dois anos mandando O Dia de Jerusa para todos os editais de fomento ao curta-metragem nacional, estadual e municipal e não levava, até que no final de 2012 a gente levou o edital municipal de fomento ao curta da cidade de São Paulo. A gente conseguiu um orçamento. Era um orçamento de 80 mil pra conseguir fazer o curta metragem. Ainda que a gente saiba que 80 mil pra curta já fosse um orçamento defasado, mas era um orçamento que todo mundo que fazia curta conseguia ter acesso e girar. A partir do Jerusa foi aquela coisa “tem que ter tranquilidade”. Demora um tempo pra gente reunir dinheiro pra fazer um filme, quando é um povo preto tentando reunir esse dinheiro o tempo é maior. Se é um corpo preto com o discurso político o tempo é maior ainda. Então é preciso ter tranquilidade e parcimônia pra reunir esses discursos sem o desespero. Porque às vezes bate a ansiedade e a necessidade do SET. Tem dias que você acorda com necessidade de abrir SET por que você quer fazer determinadas coisas e sem estrutura não dá pra fazer. O amadurecimento também garante abrir mão do cinema-ansiedade. (CRUZ, 2016)

Entretanto Larissa pondera que mesmo com o barateamento dos dispositivos tecnológicos, enquanto diretores negros, deve-se não contentar com esses dispositivos e entrar na “arena de disputa” por recursos para obterem condições de produção cada vez melhores.

O cinema é material, é indústria. Precisa de grana, precisa de câmera. Eu acho muito legal por que as pessoas tem a possibilidade de fazer filme com celular, com câmera de mão, mas assim. Eu acho que a gente tem a necessidade e deve conquistar e fazer filme com uma rebel, sony z7... um filme com uma... (nossa esqueci o nome da câmera agora)... com qualquer câmera, com uma 4k. por que não? Não se pode para a população negra simplesmente dar o que alternativo, entendeu? Enquanto a gente começar pelo alternativo não é escolha, não há liberdade. Então, acho que é possível, sim, fazer com o que se tem em mãos, não deixaria de fazer com o que se tem em mãos, mas também não, não acho precisa se restringir apenas o que se deve ser, sabe. Fazer filme de celular, por exemplo. Acho que é possível, sim, mas também há outros espaços, outros suportes de filmagens. (ANDRADE, 2016)