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3. RESISTÊNCIAS E RE-EXISTÊNCIAS DO CINEMA NEGRO BRASILEIRO

3.1 Entrevistados: trajetória, vida e obras

3.1.3. Larissa Fulana de Tal

Larissa dos Santos Andrade é diretora e roteirista. Tem 24 anos de idade, natural de Estrada da Rainha, Salvador, Bahia. Adotou o nome artístico de “Larissa Fulana de Tal” após conhecer a história por trás dessa expressão. O primeiro contato surgiu depois de pegar um livro emprestado com o tio. O nome do autor era Luis Fulano de Tal, o livro chamava-se “Noite dos Cristais” - é uma novela histórica sobre a Revolta dos Malês. Posteriormente, quando aprofundou a pesquisa descobriu que os negros escravizados sem donos ou referência recebiam como sobrenomes as seguintes expressões: Fulanos, Beltranos e Ciclanos. Desta forma, num sentido simbólico, ao adotar este pseudônimo faz referências aos milhares de cidadãos comuns. “Quantos Fulanos, quantos beltranos, quantos ciclanos estão na massa de uma multidão cotidiana contemporânea e que tem histórias de resistências e sobrevivências que não são reveladas?” (ANDRADE, 2016).

Sua trajetória como diretora ocorreu de forma inesperada. A priori nunca havia imaginado a possibilidade de se tornar uma profissional do audiovisual. Lembra que seu primeiro contato com o cinema foi apenas aos 13 anos, quando sua tia a levou ao um perto de casa, chamado Tamoio. Sua relação com arte, que afirma ter desde criança, vinha do desenho e da poesia. Mas foi no período em que estudava para vestibular um professor disse que a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) haviam se separado e tinham criado novos cursos. Foi quando disse para si mesmo: “cinema é arte, bora tentar”. Prestou vestibular sendo aprovada para o curso de Cinema e Audiovisual na UFRB. Entretanto, Larissa sinaliza para algo importante quando afirma que o cinema é ainda algo distante da realidade social da população negra brasileira:

Acredito que para uma mulher negra, um jovem negro, o curso de cinema não é algo imaginado. É algo ainda desconhecido. Até hoje a família pergunta o que de fato eu faço. Então é compreender que o cinema é uma arte cara e distante para a população negra. (ANDRADE, 2016)

Na universidade, conhece o Núcleo de Estudantes Negros Akofena, onde adquire uma conscientização racial numa perspectiva política, do seu lugar de pertencimento e identidade. No núcleo, conheceu Davi Ayan – também aluno de cinema – e Ailton (não revelou sobrenome), que não era aluno da universidade, mas estava presente nas reuniões, e decidiram criar um coletivo audiovisual, pois sentiam necessidade de criar algo focado na discussão cinematográfica. Em 2010, nasceu o coletivo Tela Preta. "O Tela Preta nasce nessa perspectiva de que precisamos nos especializar, precisamos nos profissionalizar pra ocupar determinados lugares e fazer” (ANDRADE, 2016). Suas ações concentravam em organização de mostras de filmes, debates, seminários sobre a questão racial e o cinema, etc. Chegaram elaborar um

Manifesto sobre a representação do negro no cinema58. No entanto, o grupo percebeu que suas ações deveriam também se direcionar para a produção cinematográfica.

A gente percebeu o quanto era imenso esse universo [do cinema]. E chegou o momento em que nossas reivindicações fossem concretizadas em propostas. Não adiantava mais o diagnóstico de que o cinema é racista, não adiantava mais o diagnóstico de que não é possível para a gente, de que o acesso é difícil. (ANDRADE, 2016)

Em 2011, o coletivo lança seu primeiro curta-metragem Canções de Liberdade assinado por Davi Ayan, tendo Larissa atuando na Fotografia. Produção custeada pelo próprio grupo. A cineasta recorda o que a impulsionou para começar a fazer seus filmes foi quando esteve no Encontro de Cinema Negro, no Rio de Janeiro, no momento que conheceu Zózimo Bulbul e a Viviane Ferreira, eles perguntaram: “você é cineasta sem filme? Cadê seu filme?”. Segundo Larissa, foi uma experiência que significou muito em seu crescimento profissional. “Isso me marcou muito, porque mesmo estudando cinema, enquanto negro você acaba duvidando que é possível fazer filmes” (ANDRADE, 2016).

Em 2012, dirigiu o videoclipe Axé, do grupo de rap Conceito Articulado, no qual, ganhou o prêmio de Menção Honrosa do videoclipe, no 3º FestClip - São Paulo/SP. Em 2014, a diretora lança pelo coletivo seu primeiro documentário curta-metragem chamado Lápis de cor, projeto contemplado pela I Chamada de Curtas Universitários do Canal Futura.

Em 2012, Larissa Fulana de Tal foi contemplada pelo Edital Curta Afirmativo do MinC/SAv em parceria com a SEPPIR, com o projeto do curta-metragem Cinzas. E como já discutimos anteriormente, o edital foi embargado pela justiça. Um imbróglio judicial que o suspendeu por quase dois anos. Para cineasta este episódio serviu para demonstrar como racismo está estruturado na sociedade brasileira.

Aí você compreende o argumento utilizado, que é literalmente, que a política afirmativa tratado por esse juiz do Maranhão José Carlos do Amadeiro, é praticamente Gilberto Freiriana, quando se diz que o país é uma mistura de todas as raças, cara, entende. Como a estrutura... ele permanece em 2012. O país é extremamente racista estruturalmente e não pensa uma política para cineastas negros, mesmo tendo em sua maioria da população, a gente tem uma minoria de realizadores negros e negras. (ANDRADE, 2016)

Portanto, após a constitucionalidade do edital ser assegurada pelo Supremo Tribunal Federal, a verba liberada e a produção iniciou. E, em 2015, Larissa Fulana de Tal lança seu segundo curta- metragem pelo Tela Preta chamado Cinzas. O filme foi lançado inicialmente no Festival Latinidades, que ocorre em Brasília. É o maior festival da América Latina focado nas questões que envolvem a mulher negra. Em Salvador, o lançamento ocorreu na sala Walter Silvério, uma

58 O coletivo Tela Preta no início de sua atuação publicou um Manifesto sobre a representação do negro no cinema

tradicional sala de cinema da cidade. Uma noite que chamou atenção pela presença em massa do público, atingindo a lotação máxima do espaço.

Além da Larissa Fulana de Tal, atualmente o coletivo têm os seguintes membros: David Aynan, Thamires Vieira, Alane Reis, José Carlos, Evelyn Sacramento, Rosyane, Ricardo Senna.

O próximo lançamento do coletivo está previsto para novembro de 2017, o curta-metragem O som do silêncio. Dirigido por Davi Ayan, tendo Larissa como assistente de direção.

Larissa tem participado intensamente das discursões a respeito de um Cinema Negro produzido no país – que é uma das bandeiras principais do coletivo – como também, sobre as produções cinematográficas de mulheres negras. Larissa Fulana de Tal está desenvolvendo seu próximo projeto, ainda em nome.