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3. RESISTÊNCIAS E RE-EXISTÊNCIAS DO CINEMA NEGRO BRASILEIRO

3.2. As disputas do campo audiovisual: racismo e poder em questão/tensão

3.2.6. Sobre Cinema Negro

Quando foram questionados a respeito de um Cinema Negro brasileiro, podemos observar um que as diretoras Larissa e Viviane concordam em uma perspectiva estética, narrativa e até mesmo militante, pois sua relação política está inerente a sua existência. Por outro lado, André e Edson é uma tema que necessidade de mais debate mais profundo, pois para eles faltam parâmetros mais concretos para essa definição. Embora, reconheçam a importância do realizador negro na concepção de um filme.

Tá meio em processo ainda. Eu acho que é interessante falar que existe um cinema negro. Pelo menos agora eu não vejo uma coisa ruim dessa coisa de falar, só que tem essa questão assim de pensar que tem que ter filmes mais diretos, mas tem que ter filmes indiretos também que simplesmente é um cineasta negro falando sobre uma coisa que ele quer contar. Então é algo que está em processo dentro da minha cabeça, mas eu acho válido. Tocar pelo menos na questão do cinema negro de ser um cinema feito por negros. Não equivale colocar um limite do que que é, do que não é e o que pode ser, do que não pode, da maneira que pode ser falada. Então, tomar cuidado. (OLIVEIRA, 2016)

Entretanto, Edson salienta a necessidade de uma discussão mais profunda sobre tema, pois sugere que os parâmetros de definição precisam ser melhor debatidos, embora a importância da presença do sujeito negro no processo de elaboração de uma obra cinematográfica.

[...] a questão do cinema negro acho que ainda está por se construir. Eu não vejo ainda... não é que eu não vejo, eu ainda sinto que há uma necessidade de se ampliar mais esse horizonte do que que é o cinema negro.

O que é o cinema negro? é um cinema feito por negros? para negros? com negros? é isso tudo?. Eu sinto necessidade de mais discussão sobre isso. De mais amplitude de possibilidades do que seria o cinema negro. [...] Embora eu entenda que o cinema negro precisa ter um negro fazendo. É igual você ter por exemplo alguém que é de um movimento negro e que coordena e que comanda o movimento negro e ele ser um branco, eu não consigo imaginar isso. Mas eu também não quero reduzir essa discussão do cinema negro ao fato de você fazer apenas com negros ou apenas dizer algo para negros. Eu acho que a questão desse protagonismo precisa ser mais ampliado. Não saberia dizer pra você hoje de que maneira concreta, talvez mais discussão. (SILVA JR, 2016)

Entretanto, para Viviane Ferreira não há dúvida sobre os parâmetros de definição do Cinema Negro brasileiro, pois a diretora baiana se coloca como artista a partir dessa premissa. O que

por outro lado, evidencia o acirramento no campo ao relatar as tentativas de deslegitimar o movimento. No qual, ela enfatiza que, antes de qualquer coisa, o Cinema Negro é um movimento político cinematográfico. Ao modo que sua manifestação é heterogênea a considerar a diversidade da experiência negra em cada sujeito, num espaço-tempo.

O cinema negro pra mim é tão importante quanto o meu existir cinematográfico. Eu acho que no Brasil a gente vive um momento de tentativa de desqualificação do cinema negro como um movimento político cinematográfico. A medida que se questiona “ah, qual é a estética do cinema negro?” “Como eu identifico a narrativa do cinema negro?” “qual a especificidade da câmera, da direção de arte ou da forma cinema negro?” Não existe porque ele é heterogêneo. E aí as pessoas vão ter que compreender isso, porque a nossa existência é heterogênea. O que é que garante unidade ao cinema negro? como movimento político é a defesa pelo direito do corpo negro falar de si por si, e aí ele é importante por isso e para isso. Agora como esse corpo negro vai escolher falar de si por si fica a mercê da criatividade dele. A ideia é que corpos pretos possam explorar todos os gêneros. Todas as formas de fazer cinematograficamente. Disputar esses espaços e se entranhar neles sair desconstruindo cada estereótipo sobre este corpo preto. Com muita tranquilidade há uma queda de braço no cenário ao discutir o cinema negro. Uma galera tentando nos colocar em uma gavetinha e tentando perguntar “que tipo de chave?. qual o tipo de madeira que essa gavetinha é feita” e uma galera tentando dizer que a gente não existe. Simplesmente para não reconhecer o cinema negro como um movimento político cinematográfico. E aí quando a gente se estabelece como movimento político cinematográfico a gente sabe o quanto ameaça o status quo. Porque eu não estou lhe dizendo que me interessa o seu olho esquerdo, eu estou dizendo que me interessa o seu corpo inteiro. Que me interessa ser célula de cada parte do mecanismo da indústria audiovisual brasileira. Essa é a mensagem que o cinema negro passa pra essa engrenagem audiovisual. O cinema negro não disputa única a exclusivamente a perspectiva do diretor. A gente quer distribuir, produzir dirigir, exibir… é um movimento que olha para toda a cadeia cinematográfica. E quando a gente olha para o todo e consegue se organizar e articular pra disputar em parte, isso ameaça a quem está estabelecido, isso ameaça a branquitude. Então existe aí questionamentos da branquitude que o movimento político e cinema negro que a gente não está disposto a perder tempo pra ficar respondendo porque o nosso foco é outro. O nosso foco é o todo. (CRUZ, 2016)

Assim como Viviane, para a diretora Larissa Fulana de Tal não há dúvida sobre a legitimação do Cinema Negro. Seu posicionamento também evidencia as disputas simbólicas internas do campo em relação a legitimação desta categoria enquanto um movimento cinematográfico brasileiro. E não somente corrobora com sua conterrânea sobre a característica política do movimento, como destaca o caráter artísticos e estéticos do Cinema Negro. Por sua vez, defende a legitimação de uma perspectiva cinematográfica afro-brasileira, assim como, qualquer movimento cinematográfico de nossa história.

É de se questionar, né? Quando os brancos falam deles, a classe média passa a tratar deles como a grande revolução do cinema. Por exemplo, o cinema negro que trata sobre a periferia, que foi desgastada pelos brancos, mas sob uma nova perspectiva não é revolucionário? Não é cinema? Por que não é Cinema Negro? E ainda deslegitima o termo. Eu acho que a gente precisa refletir mesmo. E de como se colocar nesse mercado. E com o nome Cinema Negro, se ligô! Sem muita questão.

Eu acredito que é fundamental estabelecer enquanto processo político a nomenclatura de Cinema Negro. Acho que Cinema Negro é uma postura política, é uma postura artística, é uma postura estética, é uma postura... É uma postura histórica, enfim. Sem crises com o nome de estabelecer como... Algumas pessoas tem esse receio de se “guetizar”. Mas porra, existe

movimentos dentro do cinema brasileiro, não deixa de ser cinema brasileiro. O Cinema Marginal, o Cinema de Pornochachada, o Cinema Novo por ai vai. Então, sem muitas questões, acho que fundamental. É postura, é lugar, sabe, é enquadramento. Sem muita crise. (ANDRADE, 2016).