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3. RESISTÊNCIAS E RE-EXISTÊNCIAS DO CINEMA NEGRO BRASILEIRO

3.2. As disputas do campo audiovisual: racismo e poder em questão/tensão

3.2.1. Inserção no campo cinematográfico

Edson Ferreira atribui seu reconhecimento como cineasta a partir da realização de Entreturnos (2014). Principalmente, pela trajetória de relevante sucesso nos mais variados festivais do cenário nacional e internacional, ao que tange as instâncias de legitimação do campo (crítica, prêmios, festivais, etc.). Também é importante ressaltar, em relação ao contexto capixaba de produção audiovisual, há pouca produção de longas-metragens cujo diretor é um dos poucos em atividade atualmente no Espírito Santo com este feito no currículo.

[...] Entreturnos foi o que me deu mais visibilidade. É um filme que passou por mais de 15 festivais, teve 7 prêmios. Prêmios internacionais. O Entreturnos foi para o festival de cinema latino-americano, em Havana, talvez um dos maiores festivais da América Latina hoje, um festival de quase 40 anos de existência. Foi muito bom ter o filme lá. Eu sinto que foi uma abertura muito grande para o meu trabalho, para que as pessoas conhecessem um pouco do meu trabalho. Ele esteve em festivais do México, dos Estados Unidos, no Brasil... E aí pegando um pouco o Espírito Santo, o filme estreou no Festival de Cinema de Vitória e ganhou o prêmio de melhor filme pelo júri popular naquele ano. Depois ele foi pra Cuba, México, Estados Unidos e voltou ao Brasil em festivais de norte a sul e recebeu prêmio de melhor filme no Festival de Cabo Frio. Recebeu o de melhor roteiro, melhor atriz e melhor montagem no festival Guarnicê de Cinema e outros festivais em que ele .. no Chile ele teve dois prêmios de melhor filme. Foram festivais que acabaram me aproximando ainda mais de outros realizadores, e realizadores negros também, e do público em geral. Eu comecei a ser visto e, principalmente no caso do Espírito Santo, como é um estado onde a produção de longa metragem ainda... eu digo que a gente está vivendo a nossa retomada do cinema de longa-metragem... foi primordial, inclusive para o próprio cinema daqui esses prêmios. Porque acabou colaborando para que se visse o Espírito Santo e no momento em que havia outros realizadores, como o Rodrigo Aragão, como o Rodrigo de Oliveira, como a Luiza Lubiana. Então foram caminhos que foram trazendo para o Espírito Santo uma certa visibilidade. Eu sinto que o Entreturnos colaborou um pouco para esse processo. (SILVA JR, 2016).

O cineasta mineiro, entretanto, aparentemente tenta afastar-se desse lugar de realizador audiovisual. Podemos especular que tornar-se “cineasta” é uma posição que está relacionado a um status quo, em que ele não se reconhece nesta posição. No entanto, transfere para o filme este lugar de reconhecimento. André se cita seu quinto curta-metragem, Fantasmas (2011), que estreou em um dos mais prestigiado festival nacional, a Mostra de Cinema de Tiradentes. Afirma que exibir neste festival impulsionou a carreira do filme.

É difícil essa coisa de “se sentir cineasta”. Nesse primeiro filme o interessante pra mim, essa homenagem a Aloísio Neto, rodou em alguns festivais, ganhou prêmios. E com os prêmios, eu acabei conseguindo fazer outros filmes com o dinheiro dos prêmios. Essa fase do Aloísio Neto e outras coisas que eu fiz também na escola teve uma certa visibilidade, mas foi pouca. Acho que começou a mudar a partir do Fantasmas, que eu fiz em 2010. Um curta que circulou muito, ganhou muitos prêmios e passou em festivais bem legais, tipo, estreou em Tiradentes em uma sessão bem legal que transformou a carreira do filme, digamos assim. (OLIVEIRA, 2016).

É possível identificar na narrativa de Viviane Ferreira que seu reconhecimento se deu a partir da seleção de seu filme para FESPACO, onde ela demonstra ter um afeto especial importância

simbólica desse festival pode representar para cineasta negros da diáspora. Por outro lado, tenta negar não depender de agentes ou instâncias de consagração para seu reconhecimento, no qual, prefere creditar aos Movimentos Negros esta condição. Porém, o acúmulo deste capital a que se refere ocorre em outro campo, pois sua legitimação e, consequentemente, sua posição no campo audiovisual, segundo Bourdieu (1983, 2003, 2005a, 2005b), advém da relação de força dos agentes e instituições deste campo.

[...] meu primeiro filme vai para o Segundo Encontro de Cinema Negro. E aí no ano seguinte você tinha o Guy-Désiré, que é uma espécie de olheiro do festival, do FESPACO, aquele festival que eu mencionei que vi pela primeira vez a partir de Luiza falando da experiência de Lélia de ter ido em Burkina. Naquela altura eu já tinha a própria narrativa do Zózimo Bulbul ao falar da experiência dele no FESPACO e da importância política daquele festival pra cinematografia africana. E tinha lá o Guy-Désiré, que era um olheiro do FESPACO, e eu não tinha consciência disso. E quando “Dê sua ideia, debata” acabou, ele me chamou no Odeon e disse assim: “Esse filme precisa estar no FESPACO”. E aí você surta, né.

E aí a gente começou a discutir essa coisa da invisibilidade da produção negra e esse lugar do que é ser cineasta, do que não é ser cineasta quem diz que é, quem diz que não é, se você precisava ter beijado a película pra ser cineasta ou não ser. E foi uma viajem muito importante neste sentido, porque a gente discutia muito o que significava o Encontro. O que significava essa conexão FESPACO e Encontro de Cinema, que significava a responsabilidade de estar lá sabendo que uma galera não estava, e que talvez, uma galera não soubesse da existência de um festival como o FESPACO. E acabou vindo desse lugar. Eu acho que o primeiro lugar que reconhece o meu fazer cinematográfico é a militância negra, não é outro lugar. E o que me deixa muito feliz porque eu também comecei a fazer em função da formação política nesse espaço. Eu comecei a fazer em função da minha formação política no movimento de mulheres negras. Então de pronto você ter o reconhecimento desse lugar como seu de dentro de casa fortalece a espinha de um lugar incomensurável. Porque do olhar externo eu nunca esperei nada além da negação desse lugar. Então eu continuo indo e, hoje a gente consegue dialogar com outros espaços, entender que algumas pessoas já olham e já tentam me respeitar neste lugar de cineasta, nesse lugar de diretora.

Para a diretora Larissa Fulana de Tal sua inserção no campo se deu a partir do lançamento de seu primeiro filme através do Canal Futura e, logo em seguida, ter sido contemplada pelo edital de Curta Afirmativo, proporcionando que acumulasse duas obras na carreira. Por outro lado, ela direciona para o público de massa como uma instância reconhecimento do campo. A realizadora não está equivocada na sua afirmativa. Entretanto, o que incorre em outra dinâmica da disputa no campo. O que Bourdieu (2005a) denomina produção de Arte Burguesa em contraposição a produção de Arte pela Arte. Enquanto esta, direciona para um público especializado do campo, a outra, busca o público não-especializado para seu consumo, portanto, legitimação.

Acredito, pelo fato de ter um curta lançado na TV Futura foi o primeiro passo. Infelizmente, a TV ainda é um espaço que legítima. Percebi pela as observações da minha família. Ou seja, o público que diz. Logo depois o “Lápis...” de forma autônoma circulou nas escolas. Muita visualizações no YouTube também. Logo depois fui contemplada por um edital nacional. O Curta Afirmativo de 2012. Isso acabou criando uma trajetória de produção. Desde então, passei a ser chamada para falar e compartilhar experiências. (ANDRADE, 2016)